quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A invisível crítica de cinema


  14/08/2012

A eleição de “Um Corpo Que Cai” como melhor filme da história revela a fraca representação social da crítica
por Bruno Carmelo, do blog Discurso-Imagem

A revista Sight and Sound divulga, a cada dez anos, uma lista dos melhores filmes da história, estabelecida por mais de 800 críticos do mundo inteiro. Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, era o vencedor há muitas décadas, e a confirmação desta escolha, votação após votação, servia como uma expressão de coerência e como vontade de validar o próprio gosto da crítica.
Para a surpresa geral, na lista divulgada poucos dias atrás, um novo filme tomou à dianteira:Um Corpo Que Cai (1958), de Alfred Hitchcock. Pequena revolução midiática: vários jornais fizeram notícias a respeito, diversos críticos foram questionados sobre o “novo melhor filme da história”, encorajados a explicar porque este é melhor que aquele. Alguns críticos, como o popular Rubens Ewald Filho, reclamaram por não terem sido convidados a votar.
A partir destes fatos, uma coisa é clara: desde que foi realizado, Cidadão Kane não mudou,Um Corpo Que Cai também não. Nenhuma descoberta ou invenção de nossos dias permite justificar um novo valor atribuído a estes filmes. Ou seja, o único elemento que se modificou nesta equação foram os próprios críticos, que decidiram não mais seguir o voto que eles mesmos ajudaram a construir, e preferiram se distinguir. A crítica procurou, por um lance estratégico, chamar novamente a atenção.
Não existe muito sentido em explicar porque o primeiro filme é melhor que o segundo, e nem porque o segundo seria melhor que o terceiro, e assim por diante. As listas do gênero nunca exigiram justificativas, e esta não é diferente. Sites na Internet como Indiewire e The Hollywood Reporter revelaram um suposto complô para retirar Cidadão Kane do topo. Os motivos seriam diversos, e louváveis: mostrar que a crítica também evolui, que os novos críticos têm pensamentos autônomos, que o próprio cinema tem progredido etc.
A lista permanece extremamente conservadora (os mesmos títulos e autores de sempre são citados, e nada além da década de 1980 é considerado), mas esta mudança simbólica pretende apresentar que, se a crítica não se transformou completamente, ao menos ela continua presente, ativa. Em seu vazio estrutural – falta de reconhecimento, de formação, de organização profissional, de métodos ou objetivos comuns – a crítica de cinema decidiu virar os holofotes para si mesma. Esta categoria profissional tem mais uma vez a vontade de existir socialmente.
Assim, pobre Hitchcock, pobre Welles, que têm pouquíssima importância na própria lista em que são coroados. A vez e a hora são dos críticos de cinema. Se as atenções de fato se viraram a eles – e este próprio artigo contribui para repercutir a pseudo polêmica – agora falta saber o que eles têm a dizer. Os críticos conseguiram despertar nosso interesse, adormecido por décadas de consenso artístico. Mas o importante começa agora: resta provar que esta mudança na lista não representa uma mera manifestação egocêntrica, e que a nova crítica tem de fato algo novo a dizer sobre o cinema.
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