sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A 'utopia' que irrita uns e desconcerta outros


Há uma história interessante de organização e utopia (no bom sentido) por trás dos saques a supermercados registrados na Espanha essa semana. Ela antecede a crise da ordem neoliberal e suscita questões de abrangência política que extrapolam os limites do gesto de reciprocidade simbólica à expropriação de direitos sociais na Europa. 

Por trás dos saques, que irritaram a direita e desconcertaram parte da esquerda, existe uma liderança de carne e osso e uma estrutura organizativa que desautoriza a visão corrente segundo a qual as organizações políticas convencionais --e os projetos históricos progressistas-- perderam o sentido, tendo sido substituídos pela instantaneidade das mobilizações high-tec, de engajamento espontâneo e estrutura episódica. 

A origem da controversia é um lugar chamado Marinaleda, um povoado de 2.700 habitantes, numa das áreas mais pobres da Sevilha. Seu prefeito, há 35 anos, Juan Manuel Sanches Gordillho (o primeiro à esquerda, na foto), integrante da União de Esquerda, acusado de chavista, liderou os saques de megafone na mão. 

Não sem ironia, Marinaleda recebeu o carimbo de 'oasis comunista' pelo New York Times, em reportagem de 2009. Ali impera a lei do bem comum, baseada num programa coletivista de produção e vida junto à terra que remonta aos anos 80. O enclave teimoso gerou energia suficiente para chegar ao século XXI e sacudir a modorra da crise espanhola com um gesto de múltiplos significados.



'O sonho da terra' em Marinaleda - nome de um vídeo; assista acima - contrasta com o pesadelo de muitos ocupantes da terra no Brasil, como mostram as reportagens veiculadas pela 'Pública', uma boa iniciativa de agência de jornalismo investigativo que se debruçou sobre o tema (ler a reportagem especial: 'No coração do latifúndio, uma estaca quebrada'). 

Sobretudo, porém, o que esse contraste argui é o desdém estratégico que a agenda da reforma agrária desfruta hoje no país --e não somente junto à direita. A edição espanhola do Huffington Post traz um relato da trincheira sevilhana de resistência ao arrocho conservador e ao desalento progressista.Vale a pena ler.
Postado por Saul Leblon às 18:27

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