quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Após 18 anos de negociação, Rússia entra na OMC


Nona economia do planeta com quase dois trilhões de Produto Interno Bruto anual, a Rússia era a única nação grande, em nível planetário, que permanecia fora da OMC. A negociação levou 18 anos, 30 acordos bilaterais sobre acesso aos mercados de serviços, 57 sobre acesso aos mercados de mercadorias e seis anos de negociação bilateral com Washington. O generoso cálculo do Banco Mundial é que a Rússia pode ganhar entre 54 e 177 bilhões de dólares por ano com o ingresso na OMC. Mas este futuro cor-de-rosa não parece convencer os próprios russos. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.

Londres - A incorporação da Rússia à Organização Mundial do Comércio (OMC) nessa quarta-feira é o último prego no caixão da guerra fria. A negociação levou 18 anos, 30 acordos bilaterais sobre acesso aos mercados de serviços, 57 sobre acesso aos mercados de mercadorias e seis anos de negociação bilateral com Washington. 

Nona economia do planeta com quase dois trilhões de Produto Interno Bruto (PIB) anual, a Rússia era a única nação grande, em nível planetário, que permanecia fora da OMC. Com a União Europeia (UE) só se chegou a um acordo em 2010, depois que Moscou aderiu ao Protocolo de Kyoto sobre Mudanças Climáticas. O último grande obstáculo foi a Geórgia, que depois daquela guerra de cinco dias em 2008, estava decidida a bloquear seu ingresso, mas uma negociação sobre trânsito de mercadorias e pressões várias dirimiram o problema. 

A recompensa é a abertura de um mercado de 140 milhões de consumidores e o acesso a seus mercados financeiros, serviços e matérias-primas. O generoso cálculo estimativo do Banco Mundial é que a Rússia pode chegar a ganhar entre 54 e 177 bilhões de dólares por ano graças a esta plena integração ao comercio mundial. Mas este futuro cor-de-rosa não parece convencer os próprios russos. Segundo uma sondagem da Public Opinion Foundation, só 21% da população está a favor da medida. 

O líder do principal grupo opositor ao presidente Vladimir Putin, o comunista Guennadi Ziuganov, acredita que a Rússia vai perder com esta aposta. “A situação dos principais setores da economia não lhes permitem competir com as corporações ocidentais e o que sobra da indústria não fabrica produtos que o comércio mundial demanda”, afirmou. 

A Rússia é o nono exportador mundial, tem as maiores reservas de gás natural do mundo, a segunda de carvão e a oitava de petróleo. Em 2011 exportou mais de 570 bilhões de dólares e importou cerca de 410 bilhões. Mas com a incorporação à OMC desaparecerão ou serão drasticamente reduzidas as taxas de cerca de 700 tipos de produtos manufaturados e agrícolas: a taxa media passará de 10 a 7,4%.

Os serviços serão desregulamentados, entre eles um setor chave para o investimento estrangeiro, como o das telecomunicações. No caso do sistema bancário, a abertura será considerável, mas com limitações. A participação total de bancos estrangeiros não poderá exceder 50% do setor, mas pela primeira vez poderão operar entidades 100% estrangeiras na Rússia. 

Segundo os defensores do livre comércio, estas transformações permitirão a modernização russa. “A Rússia vai poder se desfazer do velho e ineficiente modelo baseado na substituição de importações e a industrialização subsidiada para passar a um modelo baseado no comércio e no investimento”, assegurou à Carta Maior Natalia Suseeva, analista russa do Reinassance Capital, um banco de investimentos especializado em mercados emergentes. 

A prioridade número um do governo é incentivar o investimento estrangeiro que – esperam as autoridades russas – deveria aumentar com a aceitação das regras da OMC como marco legal. Mas, segundo o Banco Mundial, os principais beneficiários serão os consumidores, pela queda dos preços e o aumento da competição. Com certa temeridade, o Banco Mundial prediz que milhões de pessoas se beneficiarão com este processo. 

O problema é que atores similares diziam coisas parecidas no princípio dos anos 90, quando Boris Yeltsin adotou a terapia de choque que os organismos multilaterais recomendavam para a transição comunista ao capitalismo. Segundo o premio Nobel de economia Joseph Stiglitz, esta privatização selvagem produziu uma queda do PIB de 54% entre 1990 e 1999. Nessa década a produção industrial caiu 60%, houve hiperinflação com a liberalização abrupta dos preços e milhões de pessoas caíram, da noite para o dia, na pobreza absoluta. 

A atual incorporação à OMC concede um longo período de adaptação ao governo de Vladimir Putin. Um considerável número das reduções tarifárias só entrará em vigor após sete anos. O sistema de subsídios ao setor agrícola, equivalente hoje a nove bilhões de dólares, tem até 2018 para alcançar a cifra pactuada como subvenção: 4,4 bilhões. 

A China é um caso de exitosa integração à OMC. A China ingressou em 2002: sua incorporação serviu para alavancar sua presença hegemônica no comercio internacional. A diferença com a Rússia é que a China tinha, nesse momento, uma indústria exportadora diversificada que lhe permitiu aproveitar ao máximo os mercados que a OMC abria. 

No caso da Rússia é diferente. Oitenta por cento de suas exportações se concentram em matérias-primas, metalurgia, defesa e madeira. A indústria ligeira, a automotiva, o setor agrícola são especialmente vulneráveis a uma abertura. Natalia Suseeva reconhece que nada está garantido. “Tudo depende de como os empresários russos se adaptarão a esta nova situação. Terá que haver uma mudança de práticas em nível dos negócios e em nível institucional para poder competir. Se conseguirem, será benéfico”, disse a Carta Maior. 

Se a aposta não der certo, uma nova tormenta político-social pode ser esperada na Rússia.

Tradução: Libório Jr.

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