sábado, 18 de agosto de 2012

Baltimore, grandes bancos e uma conspiração criminosa


Baltimore, grandes bancos e uma conspiração criminosa

Baltimore lidera as ações das cidades dos EUA que estão processando grandes bancos por terem manipulado a taxa Libor - a taxa interbancária de Londres, onde os bancos comparam as notas e estabelecem qual será a taxa interbancária de crédito, que tende a influenciar algo em torno de 800 trilhões de dólares de investimentos em derivativos, hipotecas. O canal Real News produziu uma série de entrevistas sobre esse tema.



A Carta Maior passa a publicar a tradução de uma série de entrevistas realizadas pelo site Real News, uma rede de televisão e documentários mantida por jornalistas independentes dos Estados Unidos e de outros países, sobre o escândalo da taxa Libor, a mais recente fraude envolvendo o sistema financeiro internacional. Na primeira entrevista da série, o editor Paul Jay conversa com o professor Bill Black, um especialista em infrações bancárias e ex-regulador financeiro. Publicamos o vídeo original da entrevista com a sua tradução abaixo:

PAUL JAY, EDITOR SÊNIOR, TRNN: Bem-vindo ao The Real News Network. Eu sou Paul Jay, de Baltimore.

E Baltimore (essa é a cidade) está liderando as ações das cidades americanas que estão processando alguns dos grandes bancos por terem manipulado a taxa Libor - que é a taxa interbancária de Londres, onde os bancos todos dias se reunem e decidem - comparam as notas, aparentemente, e estabelecem qual será a taxa interbancária de crédito, que tende a influenciar algo em torno de 800 trilhões de dólares de investimentos em derivativos, hipotecas, e eles aparentemente estavam manipulando isso para tirar vantagem. Claro, os bancos negam tudo isso.

Eles negam, embora o Banco Barclays, um dos maiores desses bancos, tenha negociado um acordo com o governo britânico de várias centenas de milhões de dólares, mas ainda dizem que não cometeram nenhuma infração.

Agora junta-se a nós um especialista em infrações bancárias, Bill Black. Ele é um ex-regulador financeiro. Ele leciona na University of Missouri-Kansas City. Ele é o autor do livro The Best Way to Rob a Bank Is to Own One. E ele é um contribuidor frequente do The Real News Network. Obrigado por estar aqui de novo, Bill.

WILLIAM K. BLACK, PROF. ASSOC. ECONOMIA E DIREITO, UMKC: Obrigado.

JAYCerto. Então os bancos estão dizendo que eles não manipularam a taxa. Apesar do Barclays ter feito esse acordo, os bancos americanos ainda alegam que não fizeram nada desse tipo. E eles estão dizendo - uma das principais acusações contra os bancos é que eles reduziram as taxas de um jeito manipulador - e elevaram-nas, mas de certa forma a acusação de Baltimore e de algumas outras cidades é de que eles reduziram as taxas. E os bancos estão dizendo, bem, como seria do nosso interesse minimizar taxas quando nós faríamos menos dinheiro sobre os empréstimos que foram feitos? Eles estão sugerindo que seria pior, então por que fazê-lo. Então nos dê uma visão sobre isso.

BLACK: Existem duas maneiras diferentes pela qual a Libor foi manipulada, de acordo com o que foi admitido pelo Barclays e pelos documentos que têm sido revelados. Um modo pelo qual ela foi manipulada foi ajudar as trading positions que os bancos tinham. Então os bancos eram bancos maciços. Barclays é um banco de 1 trilhão de dólares. E, claro, ele estava fazendo todo tipo de negociação. Bem, essas negociações seriam ajudadas se as taxas de juros fossem reportadas serem maiores ou menores, o que moveria a taxa Libor, e seus investimentos que são baseados ou indexados à taxa Libor.

E então os e-mails demonstraram conclusivamente que isso foi exatamente o que o Barclays fez, que eles teriam emitido declarações falsas para a British Bankers Association, que é o grupo que compila a Libor, alegando que podiam tomar dinheiro emprestado de outros bancos a uma certa taxa. Mas essa declaração não seria verdadeira. Seria manipulada para maximizar o valor da trading position.

JAYE isso fez com que os bancos parecessem mais fortes do que eles realmente eram, e permitiu a eles emprestar dinheiro em qualquer lugar nos mercados financeiros, que podem então ir e jogar em proprietary tradings e negociações de derivativos e todos os vários subprime nonsense que estavam acontecendo. Isso é parte da história?

BLACK: Na verdade é pior do que isso. Isso não é uma fraude contábil. Isso na verdade os faz lucrar. Em outras palavras, eles são capazes de um truque no negócio depois que o negócio está feito. Digamos que eu faça um negócio que valeria mais a pena se a Libor caísse, e a Libor não cai. Bem, eu apenas manipulo a Libor e faço com que ela caia, e então meu negócio ganha. Daí eu posso tomar uma aposta perdedora e transformá-la em uma aposta vencedora. E isso vem, é claro, às custas de quem está do outro lado da negociação.

JAYE geralmente é - e algumas vezes é uma cidade como Baltimore.

BLACK: Poderia ser uma cidade como Baltimore. Poderia ser qualquer um. Poderiam muito bem ser outros bancos. Assim que um é - você sabe, ninguém sequer tenta defender isso, além de algumas pessoas que afirmam, bem, deve ter sido um tipo de lavagem - eles estão enganando algumas pessoas e ajudando outras. Você sabe, isso é insano. Como você disse, nós estamos falando sobre manipulação de coisas que mudam a transação de centenas de trilhões de dólares de investimentos.

JAYAgora, explique o processo. Havia uma ligação matinal diária, e os representantes dos maiores bancos estavam nela, e eles “wink-wink nudge-nudge” (referência a uma comunicação um tanto “conspiratória” sem o uso da fala para sua realização). O que é essa “wink-wink nudge-nudge”? O que exatamente eles faziam?

BLACK: Bem, não era suposto que eles fizessem “wink-wink nudge-nudge”. Supunha-se que eles reportassem, de fato, os custos aos quais eles emprestavam de outros bancos de seu porte, numa base de curto prazo em uma determinada moeda, e então a British Bankers Association toma aquelas e joga fora, você sabe, as maiores taxas e joga fora as taxas inferiores e faz um tipo de média com as taxas que sobrou, e é publicada a Libor. Então, você sabe, Libor poderia ser 2% como denominado em dólares americanos por dinheiro overnight, e que poderia ser 2,5% demominada em fracos suíços por dinheiro seven-day, esse tipo de coisa.

Mas a chave é que a Libor costumava indexar taxas de juros onde quer que as taxas de juros variassem com mudanças na economia. Isso deveria proteger você contra risco de inflação e taxa de juros que vêm com a inflação - ou deflação, aliás. E a Libor é de longe o maior índice no mundo, então é usado, como eu disse, na transação de centenas de trilhões de dólares. Além disso, muitas dessas transações podem ser de muito longo-prazo, incluindo hipotecas americanas e canadenses e tal. Então, se você se prende, no contexto dos Estados Unidos, a uma hipoteca de 30 anos à Libor mais 4% (que é como seria feito), então você foi preso por 30 anos com uma taxa mais elevada por causa da manipulação desse dia da Libor.

JAY: Certo. Agora, Billl, vamos para outro lado. Baltimore, em alguns casos as cidades americanas, se eu entendi corretamente, sofreram mais com a redução artificial das taxas de juros. Eu entendi sobre quando os juros subiram. Como Baltimore perdeu dinheiro quando as taxas caíram?

BLACK: Okay. Esse é o segundo tipo de fraude que o Barclays admitiu, e essa fraude estava no contexto de pleno florescer da crise financeira. E durante o pleno florescer da crise, a Libor era vista como equivalente a um termômetro que mostrava quão grave estava a febre naqueles bancos por consumir aquelas hipotecas tóxicas. E a ideia era, se lhe custar muito dinheiro, você sabe, mais dinheiro para emprestar de seus rivais próximos, que presumivelmente lhe conheciam melhor, bem, eles só iriam querer uma taxa maior de juros se eles soubessem que você estava doente. E então a Libor era supostamente essa medida que mostrava quão doentes os bancos estavam.

Daí a ideia era manipular artificialmente a Libor para baixo, então era como se você estivesse dizendo “Eu não tive quase nenhuma febre, eu estou realmente muito bem”. Agora, a controvérsia em especial é: será que as autoridades bancárias britânicas e o governo britânico encorajaram os bancos a manipular para baixo a Libor durante o auge da crise financeira?

JAYCerto, certo. Então vamos pegar de novo Baltimore. Então por que Baltimore perdeu dinheiro quando eles manipularam a taxa para baixo?

BLACK: Baltimore, e qualquer um que comprou um título que pagava juros que variavam, dependendo da - era indexado à Libor - dizem que eles entraram em uma negociação onde eles ganhavam a Libor mais 4%. Bem, se você artificialmente deflaciona a taxa Libor, então eles ganham menos dinheiro em Baltimore.

JAYÉ isso: Baltimore então pega algum do seu dinheiro, coloca em títulos de algum tipo, e ganha dinheiro quanto mais altas forem as taxas. Então se as taxas caem, o retorno sobre os títulos para eles é menor, e milhões de dólares saem de Baltimore. E essa é a cidade que, provavelmente ninguém precisa ser lembrado, está fechando centros de lazer, de modo que alguns milhões de dólares fazem uma grande diferença. É isso?

BLACK: Está certo, embora não precisem ser exatamente títulos, e provavelmente há uma grande utilização de vários tipos derivativos financeiros. E assim as cidades e localidades e indústrias geralmente tentam se proteger contra o risco da taxa de juros e da inflação. Em uma situação em que estão recebendo uma taxa fixa de juros, eles vão entrar no que é chamado taxa de juros swap, e no swap eles recebem uma taxa variável ao invés disso. A contraparte paga-os essa taxa de juros variável, que, novamente, é tipicamente baseada na Libor. Então se você a manipula para baixo, eles conseguem menos dinheiro no swap. E existiam trilhões de dólares nesses swaps. E assim, todos que compraram a porção com taxa de juros variável desse swap ficaram com menos dinheiro porque a manipulação da Libor durante a fase aguda da crise, quando tudo estava ficando louco, que era muito tempo, alguns anos, centenas de vezes trilhões de dólares. Você pode ver que você pode ter danos maciços.

JAYCerto. Okay. Agora, aparentemente essa prática começou talvez em 2005, por aí. Em 2007, o The New York Times anunciou na sexta-feira que um empregado do Barclays informou ao Fed de Nova York, então chefiado por Tim Geithner, que isso estava acontecendo, e aparentemente houve mais informação vinda do Barclays para o Fed de Nova York em 2008. Então, eu acho, há uma questão de duas partes aqui. Um, essa é essencialmente uma conspiração criminosa entre esses bancos? E dois, é possível que Geithner venha a ser implicado em tudo isso? Comece com a “um”.

BLACK: Sob a legislação americana, é uma conspiração criminosa se o que o Barclays disse for verdade, porque isso era uma operação de cartel em que eles pressupunham simplesmente ser um reportar de preços, mas na verdade eles estavam criando e fixando preços para o benefício dos membros do cartel.

Então nós temos que ser um pouco mais cuidadosos quanto aos pronomes quando você diz que começou em 2005. Nós achamos que começou, em 2005 aconteceu o primeiro tipo de manipulação que eu descrevi que é onde os bancos manipularam, tanto para cima quanto para baixo, para fazer suas trading positions mais valorosas. Então isso começou, de acordo com as notícias que saíram, no mínimo em 2005. E, é claro, isso sem muita descoberta ou investigação dos outros grandes bancos, então essa data pode ser jogada um tanto para trás.

Em 2007, o Fed de Nova York - em que Geithner era o presidente - foi informado pelos traders do Barclays que a taxa estava sendo manipulada para baixo. Isso quando a crise começou. E eles, o Fed de Nova York, estavam então informados em ocasiões adicionais pelo Barclays que a taxa estava sendo manipulada para baixo. E o Fed de Nova York certamente não tomou nenhuma providência efetiva. O Fed de Nova York na verdade não disse o que fez, além de algumas, você sabe, coisas vagas que nós olhamos isso ou alguma coisa assim. Mas eles não pareciam ter feito referências criminais. Essa vem sendo a questão central: eles fizeram encaminhamentos criminais sobre tudo isso no Departamento de Justiça?

JAYE então se isso se seguir de um jeito que você acha que deveria prosseguir, quais são os próximos passos pelo Departamento de Justiça ou pelos reguladores que - digo, não é como se eles não soubessem. Nós sabemos que o principal regulador disso tudo era o Fed de Nova York, e eles sabiam. Portanto, não é como se os reguladores não soubessem disso.

BLACK: E pior, o ponto na história do Barclays é que o Banco da Inglaterra os encorajou e certamente pressionou eles - eles sendo o Barclays - a prover taxas artificialmente reduzidas para fazer o sistema bancário britânico parecer mais seguro. Se isso for verdade, então é muito difícil que as autoridades britânicas processem.

JAYE isso deve ser verdade para o Fed de Nova York também, pelas mesmas razões.

BLACK: Certo. Então se o Fed de Nova York estragou nossa capacidade de processar por não tomar nenhuma atitude contra o Barclays, bem, você sabe, isso não é uma crime pelo Geithner, mas é certamente onde ele deveria renunciar imediatamente pelo estrago adicional a todos os outros - quero dizer, ele era um fracasso desprezível como regulador.

O que nós não explicamos a esse ponto é, enquanto essa é a London Interbank Offered Rate, Libor, existem bancos americanos participando da criação da Libor, e esses bancos americanos, é claro, eram regulados diretamente pelo Fed de Nova York, assim como o Fed de Nova York na verdade tinha autoridade regulatória sobre as operações de um número de bancos britânicos nos Estados Unidos, e então deveria ter sido feita uma investigação com a capacidade que tinham para isso.

JAY: Certo. Nós voltamos com você em alguns dias, Bill, conforme essa história continuar a perturbar e a seguir desse jeito. Muito obrigado por estar conosco.

BLACK: Obrigado.

JAY: E obrigado a você por estar conosco no The Real News Network. E não esqueça de “Doar” no botão abaixo, porque se não você não clicar, nós não poderemos fazer isso.

Tradução: Hector Luz

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