terça-feira, 7 de agosto de 2012

Governo FHC vasculhou dados bancários da CUT-RJ


Governo FHC vasculhou dados bancários da CUT-RJ

Documentos abertos à consulta pública pelo Arquivo Nacional a partir da Lei de Acesso à Informação mostram que a Subsecretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), do Planalto, monitorava dados bancários de entidades críticas à cartilha neoliberal, como aconteceu com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio de Janeiro. Ao saber do monitoramento, José Antonio Garcia Lima, secretário de finanças da CUT-RJ à época, se disse perplexo.

Brasília - Documentos abertos à consulta pública pelo Arquivo Nacional a partir da Lei de Acesso à Informação mostram que ao mesmo tempo em que o governo Fernando Henrique Cardoso defendia o neoliberalismo aos quatro ventos nos anos 90, a prática era outra. Enquanto a doutrina político-econômica prega, ou pregava, liberdade máxima para transações financeiras e intervenção mínima do estado, a Subsecretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do Planalto monitorava dados bancários de entidades críticas à cartilha neoliberal, como aconteceu com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio de Janeiro.

“A CUT RJ possui uma conta corrente no banco Bradesco, sob o n⁰ XXX na agência n⁰ 0026-4, localizada na rua 1⁰ de Março n⁰ 45-47, no Centro, no RJ”, começa o documento Recursos Financeiros da Central Única do (sic) Trabalhadores, sob a identidade C0216835-2000 da SAE, que veio a substituir o Serviço Nacional de Informação (SNI) em 1990 e depois deu origem à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 1999.

“No extrato de conferência constam vários avisos de crédito efetuados por entidades classistas a favor da CUT”, segue o documento da subsecretaria antes de especificar valores desde R$ 2.292,61, do sindicato dos trabalhadores da Universidade Federal Fluminense, até R$ 8.088,20, (digitado 8.0088,20 no documento) do sindicato dos bancários, totalizando R$ 21.335,78 no dia 10 de setembro de 1998.

Ao saber do monitoramento, José Antonio Garcia Lima, secretário de finanças da CUT-RJ à época, se disse perplexo. “Me causa absoluta espécie isso. Estou surpreso que um organismo de um governo democrático vai à conta da CUT para saber se tem depósito. Que troço mais despropositado. Tivesse a CUT sob investigação, sob desconfiança, ou alguma coisa desse tipo, vá lá, mas esse tipo de coisa?”, questionou ele.

“É absolutamente natural que existam depósitos na conta da CUT oriundos de sindicatos. A CUT só faz finanças recebendo depósitos de sindicatos. Me causa espécie que o governo vá forungá extrato bancário da CUT em uma coisa absolutamente normal como essa. Nessa época do mês é a época que terminam os recolhimentos. Os sindicatos estão pagando à CUT”, continuou ele.

Ao referir-se à data do documento, Lima desconfia das reais intenções de tal vigilância, apontando uma possível mistura entre interesses nacionais e interesses partidários do governo FHC. “O que me chama atenção unicamente neste negócio é o calendário. Setembro de 98, período eleitoral. Nós, e a grande maioria desse campo político que trabalha junto à CUT, defendíamos outra candidatura, e os caras ficaram olhando as minhas contas em plena campanha eleitoral. Deveriam estar procurando algo... Uma bobagem sem tamanho. É um absurdo. Uma coisa absolutamente de causar nojo”.

Legal?
Consultados sobre a legalidade de tal expediente usado pelo governo FHC, os advogados Marcelo Cerqueira, ex-deputado federal pelo MDB; e Daniel Lordello, especialista em direito civil, afirmam que o governo pode ter cometido ilegalidades, como quebra de sigilo bancário, mas ressaltam a possibilidade de a SAE ter obtido ordem judiciária para a operação ou ter conseguido as informações através de terceiros.

“É do órgão de Inteligência? Só com ordem do juiz! Porque na própria lei tem algumas reservas, e me parece que uma das reservas é exatamente com relação à Abin (substituta da SAE)”, pondera Cerqueira, antes de ser mais enfático. “Não pode. A SAE não pode. Ela não tem poderes para investigar conta corrente de ninguém; aliás, ninguém tem, só com autorização judiciária, ou então comissão parlamentar de inquérito (CPI). Se a pergunta é ‘a SAE pode tomar conhecimento da conta corrente de uma entidade ou de uma pessoa?’, a resposta é ‘absolutamente não!’”, diz. Para Cerqueira, “isso é uma quebra de sigilo bancário. Um órgão do governo exorbitou de suas atribuições e invadiu a conta bancária de um ente qualquer”.

Assim como Cerqueira, Lordello pondera a possibilidade da autorização judicial em meio a um inquérito, e acrescenta que muitas vezes o alvo não sabe que está sob investigação. “O sigilo bancário, telefônico e etc só é quebrado por ordem judicial. O inquérito vem antes do processo, pode haver inquérito que dá em processo criminal e pode ter inquérito que não dá em nada, é arquivado e o investigado sequer toma ciência disso. Pode ter havido um inquérito e um juiz pode ter deferido a quebra do sigilo. Se isso aconteceu, está dentro da legalidade. Se não aconteceu, é ilegal”, diz.

“Temos que partir do princípio que houve uma autorização judicial, porque caso contrário foi uma maneira completamente ilegal e a gente voltou aos métodos escuros de tempos atrás, onde a inviolabilidade do sigilo era comumente quebrada”, completa ele.

O advogado sugere outra hipótese. “A secretaria está com o sigilo bancário da CUT. Agora, se ela quebrou, ou se foi um juiz que autorizou a quebra não se sabe. E podem ter chegado a SAE documentos oriundos de outros órgãos, de outras investigações, presididos ou não por um juiz”, afirma Lordello.

Conforme previsto em lei, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, atual responsável pelos documentos da antiga SAE, tem vinte dias para responder à consulta formal feita por Carta Maior sobre o inquérito que resultou no documento bancário da CUT-RJ.

Marcação cerrada
O documento referente à CUT-RJ está entre os classificados como de nível Reservado pela Lei de Acesso à Informação, com liberação à consulta pública após cinco anos da data de expedição. Os de nível Secreto são liberados após 15 e os Ultrassecretos após 25 anos.

Assim como já publicado por Carta Maior, o acervo já disponível no Arquivo Nacional deixa clara a linha de atuação da Subsecretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no governo FHC. A SAE monitorou diretamente militantes e políticos que participavam de seminários, encontros e fóruns contra o neoliberalismo.

Ainda na CUT-RJ, a ex-presidente Iná Meireles (1994-97) foi constantemente vigiada pela SAE, seja no Encontro pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo no México, em 1996; na comemoração pelos 150 anos da publicação do Manifesto Comunista no Rio, em 97; ou ainda em uma corriqueira posse de professores docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também em 97.

“Eu tenho os dados do antigo SNI, e me surpreendeu já na época que fiz o pedido ter dados até 1989, em comícios, campanha eleitoral, uma época já na democracia”, afirma ela. “Agora estou mais surpresa ainda. Não sabia que continuava após essa data. Será que esses caras tinham gente andando atrás para fazer isso?”, questiona.

“Ainda que tivesse um grau de criminalização do sindicalismo na época do Fernando Henrique, ele colocou canhão na época da greve da Petrobras e fez uma série de ações que eram repressivas, eu não desconfiava de perseguição individual com esse tipo de dados”, diz.

E conclui, “é um absurdo ver em um regime pelo menos dito democrático, em atividades absolutamente legais, um serviço de segurança perseguindo. Porque isso é perseguição. Perseguição às lideranças. É um sinal que o estado policial permanece, pelo menos permaneceu até essa época. Espero não se surpreendida daqui a alguns anos com mais um pedaço de dados sobre a minha pessoa por esses órgãos”.

Cuba, ainda
Outra vítima de arapongagem nos anos 90 foi a Associação Cultural José Martí. A SAE teve em seus arquivos 12 fitas cassetes com o conteúdo do seminário “Neoliberalismo e soberania”, ministrado pela presidenta da associação, Zuleide de Mello, em 1999.

Ela diz não ter as fitas originais em seus arquivos, e que nunca impediu nenhum frequentador das palestras de gravá-las, já que os encontros eram públicos. A partir daí, acredita que ou algum agente se infiltrou nas palestras ou as fitas chegaram ao poder do governo a partir de cópias de uma gravação original feita por algum ouvinte.

“Eu dei vários cursos com esse tema, não foi só esse, não sei se todos gravados, mas é interessantíssimo que em um curso dado publicamente, sem qualquer resguardo de coisa nenhuma, tudo dito claramente à luz do sol, ou da Light (cia. elétrica do Rio), as autoridades tenham se dado ao trabalho de gravar tantos anos depois do golpe (militar)”, afirma.

Questionada se coisas desse tipo são recorrentes pela ligação da associação com Cuba, ela responde: “Eu acho que sim, é sim”. E completa dizendo que não fica nada assombrada com as perseguições, e sem perder o humor, “Há! Há! Há! Vou acabar famosa!”.

(*) Colaborou Najla Passos

Documentos abertos à consulta pública pelo Arquivo Nacional a partir da Lei de Acesso à Informação mostram que a Subsecretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), do Planalto, monitorava dados bancários de entidades críticas à cartilha neoliberal, como aconteceu com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio de Janeiro. Ao saber do monitoramento, José Antonio Garcia Lima, secretário de finanças da CUT-RJ à época, se disse perplexo.

Brasília - Documentos abertos à consulta pública pelo Arquivo Nacional a partir da Lei de Acesso à Informação mostram que ao mesmo tempo em que o governo Fernando Henrique Cardoso defendia o neoliberalismo aos quatro ventos nos anos 90, a prática era outra. Enquanto a doutrina político-econômica prega, ou pregava, liberdade máxima para transações financeiras e intervenção mínima do estado, a Subsecretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do Planalto monitorava dados bancários de entidades críticas à cartilha neoliberal, como aconteceu com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio de Janeiro.

“A CUT RJ possui uma conta corrente no banco Bradesco, sob o n⁰ XXX na agência n⁰ 0026-4, localizada na rua 1⁰ de Março n⁰ 45-47, no Centro, no RJ”, começa o documento Recursos Financeiros da Central Única do (sic) Trabalhadores, sob a identidade C0216835-2000 da SAE, que veio a substituir o Serviço Nacional de Informação (SNI) em 1990 e depois deu origem à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 1999.

“No extrato de conferência constam vários avisos de crédito efetuados por entidades classistas a favor da CUT”, segue o documento da subsecretaria antes de especificar valores desde R$ 2.292,61, do sindicato dos trabalhadores da Universidade Federal Fluminense, até R$ 8.088,20, (digitado 8.0088,20 no documento) do sindicato dos bancários, totalizando R$ 21.335,78 no dia 10 de setembro de 1998.

Ao saber do monitoramento, José Antonio Garcia Lima, secretário de finanças da CUT-RJ à época, se disse perplexo. “Me causa absoluta espécie isso. Estou surpreso que um organismo de um governo democrático vai à conta da CUT para saber se tem depósito. Que troço mais despropositado. Tivesse a CUT sob investigação, sob desconfiança, ou alguma coisa desse tipo, vá lá, mas esse tipo de coisa?”, questionou ele.

“É absolutamente natural que existam depósitos na conta da CUT oriundos de sindicatos. A CUT só faz finanças recebendo depósitos de sindicatos. Me causa espécie que o governo vá forungá extrato bancário da CUT em uma coisa absolutamente normal como essa. Nessa época do mês é a época que terminam os recolhimentos. Os sindicatos estão pagando à CUT”, continuou ele.

Ao referir-se à data do documento, Lima desconfia das reais intenções de tal vigilância, apontando uma possível mistura entre interesses nacionais e interesses partidários do governo FHC. “O que me chama atenção unicamente neste negócio é o calendário. Setembro de 98, período eleitoral. Nós, e a grande maioria desse campo político que trabalha junto à CUT, defendíamos outra candidatura, e os caras ficaram olhando as minhas contas em plena campanha eleitoral. Deveriam estar procurando algo... Uma bobagem sem tamanho. É um absurdo. Uma coisa absolutamente de causar nojo”.

Legal?
Consultados sobre a legalidade de tal expediente usado pelo governo FHC, os advogados Marcelo Cerqueira, ex-deputado federal pelo MDB; e Daniel Lordello, especialista em direito civil, afirmam que o governo pode ter cometido ilegalidades, como quebra de sigilo bancário, mas ressaltam a possibilidade de a SAE ter obtido ordem judiciária para a operação ou ter conseguido as informações através de terceiros.

“É do órgão de Inteligência? Só com ordem do juiz! Porque na própria lei tem algumas reservas, e me parece que uma das reservas é exatamente com relação à Abin (substituta da SAE)”, pondera Cerqueira, antes de ser mais enfático. “Não pode. A SAE não pode. Ela não tem poderes para investigar conta corrente de ninguém; aliás, ninguém tem, só com autorização judiciária, ou então comissão parlamentar de inquérito (CPI). Se a pergunta é ‘a SAE pode tomar conhecimento da conta corrente de uma entidade ou de uma pessoa?’, a resposta é ‘absolutamente não!’”, diz. Para Cerqueira, “isso é uma quebra de sigilo bancário. Um órgão do governo exorbitou de suas atribuições e invadiu a conta bancária de um ente qualquer”.

Assim como Cerqueira, Lordello pondera a possibilidade da autorização judicial em meio a um inquérito, e acrescenta que muitas vezes o alvo não sabe que está sob investigação. “O sigilo bancário, telefônico e etc só é quebrado por ordem judicial. O inquérito vem antes do processo, pode haver inquérito que dá em processo criminal e pode ter inquérito que não dá em nada, é arquivado e o investigado sequer toma ciência disso. Pode ter havido um inquérito e um juiz pode ter deferido a quebra do sigilo. Se isso aconteceu, está dentro da legalidade. Se não aconteceu, é ilegal”, diz.

“Temos que partir do princípio que houve uma autorização judicial, porque caso contrário foi uma maneira completamente ilegal e a gente voltou aos métodos escuros de tempos atrás, onde a inviolabilidade do sigilo era comumente quebrada”, completa ele.

O advogado sugere outra hipótese. “A secretaria está com o sigilo bancário da CUT. Agora, se ela quebrou, ou se foi um juiz que autorizou a quebra não se sabe. E podem ter chegado a SAE documentos oriundos de outros órgãos, de outras investigações, presididos ou não por um juiz”, afirma Lordello.

Conforme previsto em lei, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, atual responsável pelos documentos da antiga SAE, tem vinte dias para responder à consulta formal feita por Carta Maior sobre o inquérito que resultou no documento bancário da CUT-RJ.

Marcação cerrada
O documento referente à CUT-RJ está entre os classificados como de nível Reservado pela Lei de Acesso à Informação, com liberação à consulta pública após cinco anos da data de expedição. Os de nível Secreto são liberados após 15 e os Ultrassecretos após 25 anos.

Assim como já publicado por Carta Maior, o acervo já disponível no Arquivo Nacional deixa clara a linha de atuação da Subsecretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no governo FHC. A SAE monitorou diretamente militantes e políticos que participavam de seminários, encontros e fóruns contra o neoliberalismo.

Ainda na CUT-RJ, a ex-presidente Iná Meireles (1994-97) foi constantemente vigiada pela SAE, seja no Encontro pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo no México, em 1996; na comemoração pelos 150 anos da publicação do Manifesto Comunista no Rio, em 97; ou ainda em uma corriqueira posse de professores docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também em 97.

“Eu tenho os dados do antigo SNI, e me surpreendeu já na época que fiz o pedido ter dados até 1989, em comícios, campanha eleitoral, uma época já na democracia”, afirma ela. “Agora estou mais surpresa ainda. Não sabia que continuava após essa data. Será que esses caras tinham gente andando atrás para fazer isso?”, questiona.

“Ainda que tivesse um grau de criminalização do sindicalismo na época do Fernando Henrique, ele colocou canhão na época da greve da Petrobras e fez uma série de ações que eram repressivas, eu não desconfiava de perseguição individual com esse tipo de dados”, diz.

E conclui, “é um absurdo ver em um regime pelo menos dito democrático, em atividades absolutamente legais, um serviço de segurança perseguindo. Porque isso é perseguição. Perseguição às lideranças. É um sinal que o estado policial permanece, pelo menos permaneceu até essa época. Espero não se surpreendida daqui a alguns anos com mais um pedaço de dados sobre a minha pessoa por esses órgãos”.

Cuba, ainda
Outra vítima de arapongagem nos anos 90 foi a Associação Cultural José Martí. A SAE teve em seus arquivos 12 fitas cassetes com o conteúdo do seminário “Neoliberalismo e soberania”, ministrado pela presidenta da associação, Zuleide de Mello, em 1999.

Ela diz não ter as fitas originais em seus arquivos, e que nunca impediu nenhum frequentador das palestras de gravá-las, já que os encontros eram públicos. A partir daí, acredita que ou algum agente se infiltrou nas palestras ou as fitas chegaram ao poder do governo a partir de cópias de uma gravação original feita por algum ouvinte.

“Eu dei vários cursos com esse tema, não foi só esse, não sei se todos gravados, mas é interessantíssimo que em um curso dado publicamente, sem qualquer resguardo de coisa nenhuma, tudo dito claramente à luz do sol, ou da Light (cia. elétrica do Rio), as autoridades tenham se dado ao trabalho de gravar tantos anos depois do golpe (militar)”, afirma.

Questionada se coisas desse tipo são recorrentes pela ligação da associação com Cuba, ela responde: “Eu acho que sim, é sim”. E completa dizendo que não fica nada assombrada com as perseguições, e sem perder o humor, “Há! Há! Há! Vou acabar famosa!”.

(*) Colaborou Najla Passos

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