ENTREVIASTA QUE AUGUSTO RUSCHI CONCEDEU AO PASQUIM, NA
DÉCADA DE 70.
PASQUIM INFORMA:
ENTREVISTA
AUGUSTO RUSCHI
Augusto Ruschi deita-se as oito horas da noite e acorda muito antes do
sol nascer. Sua vida é metódica e calma. De repente, entrou na maior zorra.
Sabendo que estava no Rio por alguns dias, tratamos de encontra-o para
uma entrevista. E ela foi marcada para seis horas da manhã!
A turma de choque do Pasquim, os repórteres Marcelo Cruz, Luiz Antônio
Mello e Rosental Calmon Alves chegaram com ele ao Aeroporto do Galeão, pouco
depois das sete horas. A entrevista ia ser ali, enquanto esperavam o avião que
partiu para Vitória as onze.
Participaram da virada para entrevista sair a tempo: Yaci Nunes, José
Eurides, Sonia Moreira, Regina Bodstein, Claudia Moraes e Beth Joppert. –
Ziraldo.
Marcelo Cruz – Professor Ruschi, primeiro a gente gostaria de saber de
sua vida. Onde o senhor nasceu, filho de quem, o que o senhor fez quando
criança, estas coisas...
AUGUSTO RUSCHI – Olha, eu nasci em
1915, dia 12 de dezembro que é o dia de Santa Lúcia, filho de José Ruschi...
Marcelo – Italiano?
RUSCHI – Italiano, nascido em
Florença, família do tempo do Nero. Um dos meus ancestrais foi secretario do
Nero. O nome Ruschi vem de Ruschus que é uma planta que substitui a urtiga aqui
no Brasil. Uma planta que você colocando assim num canto não pode atravessar
por ela. Então você vê que para atravessar correndo um urtigal você não
atravessa. Ruschus, também, você não atravessa: é uma capoeira igual a urtiga,
lá na Europa.
Luiz Antônio Mello – O doutor Élcio não vai atravessar também não, vai?
(risos)
RUSCHI – Agora esse Ruschus, ele foi
batizado por Nero – Nero é quem dava os nomes às pessoas – porque esse
indivíduo era um burocrata que ninguém passava por ele. Era muito exigente. Por
isso Nero botou o nome de Ruschus no homem. Na botânica o nome tá ligado a uma
família de plantas do gênero Ruschia que
é dado por um avô meu que era biólogo – tem mais de 600 espécies.
Rosental Calmon Alves – Em Santa Teresa, os seus ancestrais chegaram
quando? No século passado, né?
RUSCHI – O meu avô era austríaco, o
pai de minha mãe.
Marcelo – O seu pai veio para o Brasil quando?
RUSCHI – Ele veio para o Brasil em
1894.
Marcelo – Casou aqui?
RUSCHI – Casou aqui com a minha mãe.
Marcelo - Ele conheceu sua mãe...
RUSCHI – Em Santa Teresa. Ele era
casado na Itália. Quando era jovem formou-se físico, casou-se
e teve dois filhos. O Governo
brasileiro tinha aberto colonização italiana e meu pai veio fundar uma
colonização em Palmeiras, Paraná. Lá tem uma rua com o nome de José Ruschi que
eu fui conhecer em 53, durante um congresso de botânica. Pois bem, meu pai foi
a Santa Teresa pra fazer limites intermunicipais do Estado do Espírito Santo,
Linhares, Colatina, aquelas regiões todas, a convite do governo de lá, depois
que ele instalou a colônia italiana no
Paraná.
Marcelo – E a sua mãe?
RUSCHI – Meu pai conheceu minha mãe
em Santa Teresa trabalhando com meu avô... em medições de terra etc. lá. Do
casamento nasceram 16.só há 11 vivos agora.
Marcelo – O senhor é o último?
RUSCHI – Não, abaixo de mim tem o
Zé, a Teresa, José e Maria Luiza. Então olha só: tira quatro, eu sou o décimo
segundo desses 16.
Marcelo – Todos tem o mesmo espírito de luta do Senhor?
RUSCHI – (RI) Não tem não. Alguns
tem alguma coisa, mas não como eu. Porque eu sou uma parada dizem eles lá.
Marcelo – Nenhum faz ecologia, botânica...
RUSCHI – Não, meu filho é que vi
fazer. Eu tenho dois filhos.
Luiz Antônio – Dois filhos opostos, né?
RUSCHI - Bem opostos. Um é muito calmo e tal, aliás os
dois são muito calmos, são puxados a meu avô por parte de mãe. Mas os meus
filhos ... o último se formou em Biologia, trancou matrícula e está no último
ano de Administração de Empresas. Agora o outro faz Biologia e vai cursar
Ecologia em Campinas.
Rosental – Mas, falemos do senhor.
RUSCHI – Comecei com 4 anos de
idade, quando eu vivia fugindo de casa. É que atrás da casa que eu morava tinha
uma mata. Então eu fugia e ia pra mata atrás dos passarinhos, atrás das coisas.
E iam me buscar... Me castigavam, minha mãe principalmente. Então pra me
castigarem mais ainda me botavam camisola, mas eu saia de camisola assim mesmo.
Luiz Antônio- Por que não o deixavam ir pra mata?
Todos (indignados) – Com quatro anos rapaz?
RUSCHI – Cobra, o diabo. Mas, eu ia.
Marcelo – O senhor tinha recursos? Família rica?
RUSCHI – Minha família sempre teve
recursos. Meu avô foi um homem riquíssimo.
Marcelo – Agora, a família como toda boa família italiana, é muito
católica, né?
RUSCHI – Já no tempo de Nero, logo
que surgiu o catolicismo, já eram católicos.
Marcelo – E o senhor estudou em colégio católico?
RUSCHI – No mesmo que estudou o
Rosental aí.
Rosental – Foi no seminário dos Capuchinhos. Lá em Santa Teresa.
RUSCHI – E o homem que me
alfabetizou até hoje está vivo. Foi Jacinto de Paula. É um literato. Quando eu
fugia ia atrás de um passarinho. Em 5 ou 6 dias eu já tinha inventado um
processo de capturar aquele passarinho, botava no viveiro. Ele acabava
morrendo, né? Tinha uns cuidados. Bom, e assim eu comecei. Quando eu fui
interno neste colégio de padres, então, eu pedi pra ficar ... lá era obrigado a
ter jardins e plantas. Eu gostava muito de flores, pois já com o meu pai e o
ajudava. Onde é o Museu hoje era o jardim do meu pai, uma chácara. E eu então
fazia lá coisas, estudava, fazia coleções de orquídeas. Lá nos parques eu fazia
canteiros, onde os padres jogavam o lixo, eles jogavam os envelopes das cartas
e eu tirava os selos da Itália, eu colecionava selos do Vaticano, aquela coisa,
meu começo de coleção. Eu ai comecei a
entender como arrumar as coisas em coleção. Depois passei pra Biologia, e
comecei a estudar, e fui estudando coisas que eu gostava: orquídeas, insetos,
borboletas, como se curava pragas de plantas.
Rosental – Isso com quantos anos?
RUSCHI – isso já com 8, 9 anos.
Luiz Antônio – Baseado em livros?
RUSCHI - Bom, eu lia bastante, mas muito
instintivamente. Por exemplo, com 10 anos de idade eu já desenhava orquídeas.
Tenho uns desenhos lá em casa. Todos eles feitos com 10 a 14 anos. Desenhos com
detalhes. Depois descrevia o vegetal da minha forma. Agora essas pragas que eu
encontrava em colecionava em caixinhas e, num casarão grande. Ali, nesse
casarão, eu tinha o meu laboratório de Entomologia. Eu mesmo fabriquei a estufa
pra secar lagartas, porque lagartas você tira a pela e apodrece tudo. Então eu
tirava isso com água de ar quente e pintava com tinta pra ficar mais vivo. Aí
eu havia aprendido a embalsamar sozinho, lendo em livros e experimentando.
Então nessa ocasião eu estudava pragas e plantas, plantas agrícolas, mas meus
pais achavam que eu estava enlouquecendo, porque eu vivia nisso noite e dia,
sem parar, sem dormir, sem nada.
Luiz Antônio – Isso com que idade?
RUSCHI – Com dez anos. Meus pais
então achavam que eu estava ficando maluco. Quando eu ia pra mata, ficava por
lá, dormindo. Lá na mata eu armava a minha barraca, com rede pendurada – eu
mesmo fazia a barraca, tipo índio, assim no chão. Levava enlatados e comida e os
empregados de meu iam lá para ver onde eu estava.
Marcelo – Chegou a Walter Chelman. Mete bronca, Walter.
RUSCHI – Então eles faziam isto. A
minha mãe, então, o que fazia? Quando eu ia lá pro mato, ela pegava essas
minhas caixinhas todas. Aí, eu disse pra minha mãe o seguinte: Mamãe, olha
estou estudando estas coisas, eu sei o que eu estou fazendo. Eu já tinha uns 16
anos. Eu sei o que estou fazendo e a senhora joga fora essas caixinhas. Então
eu vou fazer o seguinte: eu tô lá embaixo com dez caixinhas, se a senhora jogar
fora eu boto 20, se jogar fora as 20, eu boto 40, se jogar fora as 40 , eu boto
80 e não vou parar nunca.
Então veio aqui pro Brasil o doutor
Felippo Silvestri, o maior entomologista do mundo de todos os tempos, que
introduziu no mundo o combate biológico às pragas agrícolas. Ele tinha debelado
na Rússia, na Espanha, uma mosca que pragueja a oliveira. O Instituto Biológico
de São Paulo, em 1936, instituiu um premio a que conseguisse acabar com a
podridão da laranja que é transmitida por uma, por duas mosquinhas. Bom, então ele viu esse
premio de mil contos e ele veio pro Brasil. Naquele tempo era dinheiro à beça!
Ele veio aqui e foi esbanjar isso em São Paulo e no Brasil todo e foi para o
Espírito Santo. O Secretário da Agricultura era o doutor Carlos Lindenberg.
Então o Carlos Lindenberg disse: olha aqui, quem estuda bichinhos assim é um
meninozinho, dizem até que ele é doido, lá em Santa Teresa. Vamos lá. Ele foi
lá, conversei com ele. Eu sabia falar italiano.
Marcelo - Mas então o senhor já era famoso lá em Santa Teresa?
RUSCHI – Lá eu era conhecido como o
menino que era maluco. Quando eu voltava da mata – eu nunca tinha feiro barba
na minha vida – eu trazia orquídeas, vinha carregado, então eles diziam: lá vem
o verdureiro.
Então todo mundo me chamava de Guti,
o meu apelido lá era Guti. Se me chamar de Augusto ninguém sabe quem é.
Marcelo – Guti?
Rosental – É, todo mundo conhece ele por Guti ou Doutor Guti.
Marcelo – O senhor teve uma infância, digamos assim, normal, do ponto de
vista de ter colegas de rua, de jogar a sua peladinha de rua?
RUSCHI – Tive, claro que tive.
Marcelo – E não tentou levar nenhum colega seu, não despertou interesse
em nenhum colega seu, um interesse expontâneo?
RUSCHI – Alguns se interessavam
assim em me ver matar passarinhos com estilingue, né?
Marcelo – O senhor usou o estilingue também?
RUSCHI – Eu fui campeão de
estilingue.
Marcelo – Matou muito passarinho?
RUSCHI – Fiz um concurso lá, não
posso dizer que não matei, matei decerto. Beija-flor eu comecei estudando
porque eu...
Luiz Antônio – Na base do estilingue?
RUSCHI – É, na base do
estilingue.(risos) Mas, pera lá, era pra estudar, viu? Matava pra estudar.
Marcelo – O primeiro que o senhor matou era pra estudar, vamos deixar
bem claro.
RUSCHI – Eu tenho a impressão que
não foi para estudar não, foi para treinar o estilingue mesmo. (Gargalhadas)
bom, mas o fato que eu fazia as coisas com um objetivo. Então, eu nessa fase de
colecionamento dessas pragas, chegou o Felippo Silvestri, acompanhado do senhor
José Pinto da Fonseca, que estava vindo de São Paulo, do Instituto Biológico e
o professor Mello Leitão. Chegando lá eu abri o meu laboratório, que era um
casarão grande, velho, caindo pelo pedaços.
Rosental – Lá é onde o senhor mora? Mas é no fundo d casa de sua
família?
RUSCHI – É onde eu moro, mas esse
casarão era na rua mesmo, onde tem dois casarões grandes.
Marcelo – Mas são da sua família?
RUSCHI – é, até hoje pertence à
família. Mas eu abri o laboratório. No que ele olhou assim, ele disse: ‘Meu
Deus do Céu, que é isso aí?’ ‘‘Estes são os bichinhos que eu estou colecionando’’-
Ele queria ver praga de laranja – e eu disse: Eu tenho aqui, eu tenho aqui
‘’Papilo evander torquatus’’. É a praga da laranjeira. Então eu mostrei a ele
as caixinhas, aí ele olhou e viu as pragas, e estava lá o desenho e as
anotações e a comida das pragas. Então o doutor Silvestri viu aquilo tudo,
ficou horas lá dentro, e disse o seguinte: ‘’Mas porque você tem tanta
curiosidade?’’ Eu fiquei meio encabulado, abaixei a cabeça – eu tinha 16 anos,
17 anos mais ou menos – e disse pra ele: ‘’Olha, eu fiz isso aqui porque...’’ e
contei a ele a história de minha mãe, que ela tinha jogado fora as minhas
caixinhas, quando ele veio, então ele ficou admirado.
Rosental – Foi nessa época que o senhor fez os desenhos que foram parar
numa bienal em São Paulo, não foi?
RUSCHI – Logo depois, aí foi com dez
anos de idade.
Rosental – Quem é que levou estes desenhos para São Paulo?
RUSCHI – Bom isso aí foi essa ....
Associação de Arquitetura eu não me lembro bem.
Rosental – Em que ano mais ou menos?
RUSCHI – Em setenta e quatro.
Rosental – Mas estes desenhos eram da sua infância?
RUSCHI – Eram da minha infância. Com
dez anos de idade quiseram tomar algum elemento que servisse de ligação entre a
vida e a natureza paisagística e a arquitetura. Então a comissão desse
Congresso de São Paulo, Bienal da Arquitetura, me parece...
Rosental – Era Bienal Internacional de Arquitetura?
RUSCHI – É, foi em 64, aberta pelo
vice-presidente da República. Então, lá, eles nos escolheram para fazer uma
Conferência de Encerramento, e no final eu fiz a Conferência de Encerramento,
eu tenho toda ela gravada.
Rosental – Mas isso aí, esses desenhos eram desenhos de orquídeas.
RUSCHI – De orquídeas, especificamente
de orquídeas.
Rosental – Quantas eram?
RUSCHI – Cento e oitenta.
Rosental – Cento e oitenta desenhos que o senhor fez?
RUSCHI – Entre os dez e os quatorze
anos. Com a cor natural, a descrição botânica à minha moda, não é? Pois bem,
com onze anos eu já tinha terminado o curso primário lá no colégio e fiz o
ginásio.
Rosental – Bom, mas o marco assim do começo da carreira como pesquisador
foi a partir do...
RUSCHI – No meu tempo o que eu
queria fazer era Biologia. No Brasil não tinha. Então todo mundo para fazer
ciências, esses pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, do Museu Nacional,
faziam Medicina, que era mais ligada à biologia. Ou Agronomia. Faziam essas
duas. Raros os que faziam Medicina Veterinária. Então eu fiz Agronomia que era
quatro anos. Aí eu vi ... foi quando chegou o Silvestri lá. Eu já estava
fazendo Agronomia.
Rosental – O senhor tava fazendo Agronomia onde?
RUSCHI – Eu fui a Viçosa fazer o
vestibular. Lá em Viçosa criaram mais um ano. De quatro passaram para cinco. E
eu fui pra Campos. E os colegas meus de vestibular, do Espírito Santo, me
acompanharam. Eram quinze colegas. Porque não davam bolsas de estudos para os
cinco anos. E eu em Viçosa dei aulas de Botânica para a turma.
Rosental – Na época do vestibular?
RUSCHI – É. Na época do vestibular.
Eu sabia Botânica. Então terminei o curso em Campos. A escola era boa, tinha
bons professores, por causa dos serviços da baixada, tinha o serviço de Remonta
do Exército, tinha aquelas estações experimentais de cana. Estavam fazendo o
traçado dessa Rio-Vitória.aí, então, eu vim pro Museu Nacional.
Marcelo – E como foi este convite?
Rosental - Foi o professor Mello Leitão que convidou, né?
RUSCHI – Lá em Santa Teresa... Ele
foi lá com o Felippo Silvestri que foi ver as pragas da laranja. O Silvestre
faloui com que merecia trazer este rapaz para o Museu Nacional. O Mello Leitão
falou então com a doutora Heloisa Torres. Ela mandou um convite para eu vir ao
Museu, pra trabalhar no Museu. Eu vim. Já tinha pronta uma monografia das
orquídeas, nessa ocasião.
Rosental – É a primeira monografia do senhor?
RUSCHI – É. Foi em 1936. Eu tinha 20
anos. A monografia foi prefaciada pelo diretor da seção do Museu Nacional,
senhor José Alberto Sampaio. Ele morava em Campos. Eu me encontrava muito com
ele em Campos. Terminada essa fase, eu, no Museu Nacional, comecei a estudar os
beija flores, porque tinha uns que polinizavam orquídeas e que eu me
interessava por conhecer. E fiz dois trabalhos logo, em poucos meses. Mas logo
pedi a minha demissão do Museu, porque eu não aguentava quatro paredes, ficar
lá fazendo só aquilo. Eu queria é contato com a natureza. Então, a doutora
Heloisa Torres e a congregação do Museu acharam por bem aceitar a minha
sugestão. Eu disse o seguinte: Eu quero fazer um trabalho, uma monografia de
orquídeas, mas que tenha biologia, entomologia, tudo da orquídea. Eu vou pegar
tudo que tem contato com as orquídeas. Eles aceitaram. Então eu disse: É um
trabalho para 45 anos. Todo mundo se assustou. Aí eu disse: vou explicar por
que. É porque nas orquídeas do Espírito Santo – são mais de quinhentas, eu vou
encontrar os polinizadores, às vezes , a 27 metros de altura. Como eu tinha
visto à noite, na mata lá. Lanterna em punho. Comecei com orquídeas e depois fui
estudar a biologia do beija flor. Estou estudando até hoje.
Rosental – Como o senhor foi parar no beija-flor? A partir da orquídea?
Parece que tinha uma orquídea que só era polinizada por um beija flor.
RUSCHI – Exatamente. ‘’Stanhopea
Gravedens.’’
Rosental – Como que é?
RUSCHI - Stanhopea Gravedens. Esta é essa orquídea. E
o beija flor chama-se Glaucis Hirsuta. É ele que poliniza essa orquídea. Então,
no ano seguinte eu vi que ele veio na mesma época, no mesmo lugar da mata, um
outro beija flor, que também polinizava essa orquídea. Eu peguei os dois,
mandei para o Mario Olivério Pinto, ainda vivo, noventa anos. Um ornitólogo
brasileiro famoso. O Olivério disse “são os mesmos. Só que um é jovem.” Eu
falei: não, professor, é o seguinte: é que um canta diferente do outro, eu acho
que não são os mesmos, não. O senhor me manda bibliografia disto. Ele me
respondeu: Não existe, ninguém nunca estudou
a vida do beija flor. Aí eu pensei: Então é o seguinte, eu vou ter que
estudar porque tem ligação com o que eu estou fazendo. E comecei a estudar.
Reproduzi no cativeiro etc. E publiquei o primeiro trabalho mesmo em 1933, na
Vida Capixaba.
Rosental – O primeiro sobre beija flor?
RUSCHI – O primeiro sobre qualquer
espécie.
Luiz Antônio – Ah, é aí que entra o Lorenz, que o senhor estava
falando...
RUSCHI – Ah! Sim, o Konrad Lorenz.
Quando eu li as coisas do beija flor, eu comecei a escrever pra ele, pro
Lorenz, dizendo que eu estava observando o comportamento do beija flor. Então o
Lorenz me respondeu, de Strasburgo. Daí, a gente manteve correspondência por
muito tempo. Depois eu encontrei morcegos polinizando orquídeas. Fiz então um
levantamento bibliográfico e descobri que em 1815 até 1940 se conheciam apenas
oito espécies de morcego no Espírito Santo. Com esses estudos meus, nós fomos
ver que eram 42 espécies de morcegos no Espírito Santo. Sendo que cinco eram
desconhecidas para a Ciência. Então eu as descrevi. Com toda biologia dos
morcegos.
Todos – (confusão geral) Vamos por etapas, em que ano, quando?
Marcelo (que falou mais alto) – Em que ano o senhor planejou este estudo
de 45 anos?
RUSCHI – Foi em 1939.
Marcelo – Naquela época já não acreditavam em nada programado no Brasil,
né? Ninguém acreditou.
RUSCHI – Não. Quando eu disse 45
anos para uma monografia quiseram saber porque 45 anos. E eu respondi: Pelo
seguinte: as orquídeas são polinizadas, como eu disse em princípio pelos
insetos. Às vezes, porém, a gente não sabe nem por que mais. Pra você ver:
encontrei insetos, encontrei beija flores. E me apaixonei por beija flores. E
fui estudando. Hoje sei que uma porção de beija flores polinizam orquídeas.
Rosental – Como está o projeto hoje?
RUSCHI – Hoje está acabado
praticamente. Só estamos publicando. Eu tenho esperanças de que dentro de
quatro anos, os oitenta fascículos estejam publicados.
Marcelo (pasmado) – Oitenta
fascículos!!!
RUSCHI - São 760 espécies. No mínimo cem páginas de
texto cada um. Com desenhos de todas espécies. Espero publicar tudo dentro de
quatro anos, com recursos próprios.
Marcelo – Quer dizer que isto tudo é mais ou menos uma lição de moral
nesses burocratas todos aí...
RUSCHI – Depois eu fiz a monografia
sobre a vida dos morcegos. Sobre os transmissores da raiva. Alguns que não eram
considerados transmissores de vírus rábico. Dezesseis espécies que não são
hematófagos etc.
Marcelo – Mas, professor, agora eu quero entrar num detalhe: o
financiamento de todo esse trabalho do senhor.
RUSCHI – Bom. Olha: uma parte nós
temos no Setor de pesquisa da Universidade. Dá porém uma verba muito pequena,
por falta de recursos. Por exemplo, você pede cem mil cruzeiros, procê fazer um
trabalho, eles dão, no máximo, sete. Isso é pro pessoal, material, pra tudo.
Marcelo – Quantas pessoas trabalham com o senhor?
RUSCHI – No Museu Mello Leitão
trabalham cientistas...
Marcelo – Mas quantos empregados?
RUSCHI - Ah, são uns dezoito. Mas eu tava falando dos
morcegos. Acabei montando o laboratório de Virologia em Guaiba, Porto Alegre,
que é fabuloso. É o melhor laboratório de medicina veterinária do país.
Luis Antônio – Professor, não querendo interromper, mas só para fazer a
entrevista mais completa, me conta, enquanto o senhor vivia assim no mato, como
é que ficava a sua vida sentimental?
RUSCHI – Que nada, eu paquerava, né.
Conversava e coisa e tal. Depois eu dizia assim: a minha profissão é essa, eu
quero casar, tenho condições de casar, eu quero casar com você... mas tem o
seguinte: você tem que saber o que eu faço na vida. Olha, eu vou pro mato e
digo pra você, às vezes, que vou voltar daí a cinco dias e volto daí a vinte.
Aí, elas se assustavam.
Rosental – Como é que o senhor conheceu a dona Claide?
RUSCHI – O cunhado dela foi ser
gerente do Banco do Brasil em Santa Teresa e ela foi junto. Eu tinha 33, 34
anos.
Luiz Antônio – E essa história do senhor ficar no mato? Ela não começou
reclamando?
RUSCHI – Não, nunca reclamou nada.
Eu estava em lua de mel, no Quitandinha, em Petrópolis, quando eu abro a
caderneta: tinha uns cinco dias que a gente estava lá. Aí eu vi: era um dia
dez. Dia 18 eu tenho que entrar numa mata lá perto da Bahia. Tem 18 homens me
esperando lá. Eu tenho que ir embora!
Todos – Trocou a mulher por 18 homens?
RUSCHI – Pera lá, pera lá.. Troquei
pela responsabilidade assumida.
Todos – Ah!!!
RUSCHI – E eu fui atender aos
homens. E sabem o que estava fazendo? Medindo estas reservas que eles estão
querendo acabar com elas. Deixei a mulher em casa e disse que voltaria daí há
15 dias. Voltei quatro meses depois.
Marcelo – O senhor viu seu filho nascer ou tava no mato, também?
RUSCHI – Aí é outra particularidade:
não vi nenhum dos meus filhos nascer.
Rosental – Quando foi que o senhor começou a participar de congressos
internacionais?
RUSCHI – Bem... estive em vários.
Rosental – Um dos mais importantes foi um da FAO em Teresópolis. Nesse o
senhor fez uma séria de conclusões e de previsões que acabaram ocorrendo sobre
as florestas homogêneas. Conte isso, por favor.
RUSCHI – Bom, eu apresentei este
trabalho em 1943, com um levantamento das espécies. E defendi o reflorestamento
com espécies heterogêneas. Não essa coisa absurda que
estão fazendo no Espírito Santo: plantar eucalipto, só eucaliptpo. E ainda por
cima em terra dos índios. Os pobre-coitados foram expulsos de suas terras,
alijados.
Marcelo – Que índios são esses?
RUSCHI – São os remanescentes dos
Tupiniquins. Foram alijados por essa companhia, porque o Estado vendeu as
terras que não eram do Estado. Essas terras tinham sido doadas pelo D. Pedro II
aos índios, em 1860, quando D. Pedro esteve lá.
Marcelo – Quando o senhor os conheceu, eram quantos?
RUSCHI – Eram oitenta. Eu fiz uma
publicação sobre eles.
Rosental – Em que ano?
RUSCHI – Essa publicação foi feita
depois que eu criei o meu Museu. Mas eu conheci os índios em 1936.
Marcelo – E eram ooitenta.
RUSCHI – Oitenta, mas não
descendentes. Eram índios mesmo. Hoje só tem lá uns descendentes. Se fosse
somar na época os descendentes e tudo,
tinha uns mil. Hoje deve ter uns trezentos. Mas eles saíram agora e foram para
Guarapari.
Marcelo – Foram para praia.
RUSCHI – Mas a Funai os levou para
outro lugar. Eu reclamei. E agora estão voltando de novo, porque nào sobrevivem lá,
coitados.
Marcelo – Mas eles perderam o terreno para a Aracruz?
RUSCHI – É lógico. Isso desde que
ela se instalou lá, de 67 para cá. E eu reclamei que era um erro plantar aquelas
espécies que eles iriam plantar. É que aquelas espécies não podiam conviver. A
ecologia da região australiana de eucaliptos grandis e eucaliptos saligna é
diferente das regiões onde eles iam plantar. Armando Navarro Sampaio dizia que
jamais seria ele o homem que ia mandar plantar eucaliptos.
Rosental – Isso ele disse naquele congresso da FAO em Teresópolis?
RUSCHI – Não, isso ele disse numa
revista florestal no ano de 1957. Revista número 12. Eu já transcrevi até o que
ele falou lá. Mas ele, como recebeu muito dinheiro para fazer o projeto da
Aracruz Florestal, acabou mandando derrubar aquela mata que ele disse que não
derrubava. E mandou
plantar eucalipto. E erradamente.
Depois, eles escreveram um livro contra mim, quando eu falei isto.
Rosental – É o tal livro verde, né?
RUSCHI – O livro verde, eu sei lá
como é o livro? Ë “Ecologia do Eucalipto” o nome. Mas o fato é que hoje eles
estão vendo que 50% ou mais daqueles eucaliptos já estão completamente
inutilizados.
Rosental – É aquela doença, o cancro, né? Inclusive o senhor previa que
com o desaparecimento da micro fauna e tudo o mais haveria doenças para as
plantas.
RUSCHI – É lógico. Porque eles
trouxeram umas sementes erradas, uma espécies erradas para a região. Ecologicamente
tem-se que estudar antes a infraestrutura, trazer as plantas exóticas, mas só
depois de fazer a experimentação. Eles fizeram uma experimentação muito
interessante: plantaram 91 milhões de árvores logo! É uma experimentação tão
interessante...
Marcelo – Mas o processo que eles utilizaram para retirar a terra dos
índios? Foi como estão querendo fazer com o senhor? Sumiu o livro de cartório,
também?
RUSCHI – Nào, meu filho, o Estado se garantiu
direitinho. E fez tudo 100%, como a Aracruz queria. E fez mais: você sabe que
os Governadores tinham interesses econômicos de que saísse uma indústria para o
Espírito Santo. Eles queriam progresso! Mas onde eles foram fazer
reflorestamento? Nas melhores terras agricultáveis do Espírito Santo, que estão
justamente no platô terciário. São terras planas. Em vez de plantas víveres
para as populações, plantaram eucaliptos! Eles previam lucros fabulosos. Aí,
surgiu o que eu previa: essa doença. Chama-se diapothea Cubensis. É o cancro
basilar. Isso acaba matando a árvore. Uma árvore doente dessas não se presta
para celulose. E tem que arrancar. Porque o eucalipto normalmente dá três ou
quatro cortes. Mas esse aí tem que arrancar e plantar outra vez. Como isso,
porém, é feito com dinheiro de incentivos fiscais – que é nosso, que é o nosso
imposto de renda- isso não dói para eles. Tanto faz errar uma ou 500 vezes.
Quem vai pagar somos nós mesmos!
Rosental – A Aracruz Celulose diz que o Brasil precisa de papel, precisa
de celulose e por isso precisa de eucalipto. Como o senhor vê isso?
RUSCHI – Estou de acordo. O Brasil
precisa e deve plantar eucaliptos. Mas não do jeito que vem plantando. E nem
tampouco com o zoneamento ecológico para reflorestamento como foi feito pelo
senhor doutor Adalberto Gersari, contratado pelo IBDF – Instituto Brasileiro
para o Desenvolvimento Florestal- para
fazer esta barbaridade
Rosental – É o zoneamento que prevê eucalipto no Brasil todo, né?
RUSCHI – De Norte a Sul, de Leste a
Oeste. E pode plantar. A espécie brasileira que é o pinheiro do Paraná. Mas
assim mesmo não pode ser sozinho. Tem que misturar com outras árvores.
Rosental – Mas eles dizem que essas espécies estrangeiras têm uma
possibilidade de crescimento mais rápido, que economicamente é mais viável. O
senhor acha que isto compensa?
RUSCHI – Incontestavelmente o
eucalipto é de crescimento mais rápido, , rendimento econômico muito bom, mas,
pergunto eu: estudou-se as espécies brasileiras pra saber? Por exemplo: nós
temos uma espécie trema micranta que foi estuda pelo INPA- Instituto Nacional
de Pesquisa da Amazônia – que cresce em quatro anos e meio. O Eucaliptp cresce
em dezessete. Essa vai desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul. Ela dá 51% de
celulose muito melhor do que a celulose do eucalipto e o eucalipto que dá mais,
dá 50%. Então se vê bem que não é possível que no meio de tantas milhares de
espécies arbóreas não se encontrem espécimes dos climas tropicais pra fazer
celulose. O que se quer é encontrar o prato feito pra entrar com o dinheiro e
só se visa o lucro rápido sem nenhuma preocupação séria com o futuro. Nós
estamos exportando não é o eucalipto não, mas o nosso futuro. Nós estamos
exportando o solo brasileiro. Quando este estiver arruinado não dá mais nem
eucalipto. O negócio é estudar ecologia
e depois fazer o planejamento, o zoneamento geoeconômico do país. Onde é trigo
tem de ser trigo, onde é arroz tem que ser arroz. Mas isso tem que ser
estudado. No sul do país, na zona temperada é mais fácil se estabelecer um
sistema de plantas de clima temperado como na América do Norte e na Europa. Mas
nas zonas tropicais tem que se estudar o sistema de rotação de cultura, de
associação de cultura, isso é que é válido.
Luiz Antônio – O que o senhor diz do deserto brasileiro previsto?
RUSCHI – Bom, esse virá, não tem
dúvida, é inevitável. Quando se destruírem as matas, os rios... Olha o código
florestal manda que se deixe 20 metros de florestas de cada lado do rio. Quando
é um rio maior, de 50 a 100 metros. O Rio Doce, 200 metros de cada lado. O Rio
Doce só tem floresta de um lado, no parque, que está lá, guardado pelos Estados
Unidos. O resto não tem um palmo de floresta nem de um lado nem do outro. Em
Santa Teresa no rio Timbui, por exemplo, só tem 2 quilômetros de um lado e do
outro porque é reserva biológica do Museu Nacional. Assim são todos os rios do
Brasil.
Rosnetal – E o São Francisco?
RUSCHI E o São Francisco, então, coitado esse nem se
fala. Aquela cheia dele vai arrasar muita cidade porque isso aí vai causar
transtorno medonho em todo seu curso, todo o seu sistema. Nós vamos ver, por
exemplo, não tendo essa proteção, não tendo esse crescimento vegetal quando
chove, aquela água ser toda carregada para o leito do rio, e ele subir
repentinamente e extravasar cidade. Cheguei de Jequitinhonha agora. Acabaram de
destruir lá para plantar eucalipto, a Flonibra. O Jequitinhonha já deu uma
demonstração há poucos dias invadindo casas, cidades, o diabo.
Luiz Antônio- Por favor, explique sobre essa tese de que as florestas,
na ,medida que vão sendo arrasadas, o número de epidemias vai aumentando.
RUSCHI - ë um problema importante da Ecologia, porque
quando você faz uma monocultura as pragas se multiplicam com muito mais
rapidez, enquanto que numa floresta polimorfa, heterogênea, você tem um pé de
jacarandá aqui e outro lá a 200 metros, então a praga é eliminada pelos seus
predadores antes de chegar no segundo pé.
Rosental – Nós estamos diante de um momento em que a Capital do seu
Estado vai se transformar quase que numa cidade industrial altamente poluída. O
senhor já alertou o pessoal de Vitória sobre esse perigo, não? Me refiro ao
Porto de Tubarão.
RUSCHI – Bom, isso eu já alertei
muitas vezes. Na Escola Superior de Guerra, nuns trabalhos que eu fiz para a
ADEG em 1970 sobre a política nacional contra a poluição etc. Se Tubarão for
feito mesmo como falam, Vitória será riscada do mapa.
Rosental – O senhor disse, agora a pouco, que Vitória será riscada do
mapa se a Usina de Tubarão...
RUSCHI – Riscada do mapa ei falo no
sentido de residências. Ninguém vai poder viver ali a não seu o pessoal que vai
ter que trabalhar em Tubarão. Isso, por que o primeiro fator que se analisa para
uma indústria desse porte é justamente a direção dos ventos, porque a poluição
de uma indústria siderúrgica é mais atmosférica. Os gases sulfurosos. Por
exemplo: o Convento da Penha vai desaparecer, ele vai ser atacado na sua
estrutura, não tenha a dúvida nenhuma, com aqueles fases.
Luiz Antônio – O senhor tem horror de Vitória, não?
RUSCHI – Eu sou cidadão de Vitória,
fui eleito pela Câmara, então eu tenho que gritar um pouco, tenho que falar as
verdades, cuidar um pouco daquilo. Mas não agrada aos Governadores nem aos
grupos econômicos fortes porque querem os terrenos para construir. Você não vê
área verde em Vitória.
Rosental – O povo de Vitória espera ansioso pela siderúrgica como um
Eldorado.
RUSCHI – Eu não digo o povo. Se
tivesse um plebiscito eles não iriam aprovar.
Luiz Antônio – E de que forma os plebiscito poderiam ajudas na
preservação da natureza brasileira?
RUSCHI – Bom, isso é com os jovens.
O futuro de tudo isso está com a juventude e ela está mais conscientizada que
os adultos. Os adultos não estão enxergando esse problema mas a juventude, os
universitários, estão mais conscientizados.
Rosental – Doutor Ruschi, como poderia ser solucionado esse problema da
Usina de Tubarão?
RUSCHI – Ela deveria ir para o Vale
do Rio Doce. Ou para Minas, perto da fonte de minério, ou perto da água, né? É
a mesma coisa que querer botar uma usina deste porte lá no deserto de Saara.
Vai ter que pegar água do mar, dessalinizar e usar, custa caro.
Rosental – O senhor calcula 600 mil orquídeas com base em árvores.
RUSCHI – É, por arvore. Como tem o
mapa indicando árvore por árvore.
Luiz Antônio – o senhor consegui classificar 50% das aves do Espírito
Santo...
RUSCHI – As aves sim. Lá tem 302
espécies de pássaros. Dá para fazer um Instituto de Ornitologia melhor do que
qualquer um, tanto dos Estados Unidos como da Europa.
Rosental – O boletim do Museu Mello Leitão diz que lá é um dos lugares
onde há mais beija flores, talvez...
RUSCHI – Não digo que é o que há
mais, embora seja certo que existem entre 32 e 35 espécies. O interessante é
que nessa área se dá o curso de pós graduação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro para a biologia das epífitas, assunto do qual eu sou professor e dei
aula no primeiro curso dessa disciplina na América do Sul. O lugar é para altas
pesquisas como é o Museu Mello Leitão. Não é lugar para fazer turismo.
Rosental – Vamos voltar à briga da Estação Biológica do Museu Nacional.
Isso então é uma terra comprada que o senhor pagou... quando?
RUSCHI - 12 mil 572 cruzeiros e 20 centavos. São 156
hectares pelo processo 1232/54 que devia estar arquivado lá.
Rosental – Esse processo desapareceu misteriosamente como o livro do
Cartório onde o senhor lavrou a escritura.
RUSCHI – Exatamente. Tudo está
sumido. Agora, com o Secretário Especial do Meio Ambiente que o governador
pediu pra ser o intermediário achava que o governador ofereceu, que mandaria
uma lei para a Assembléia pra doar ao Museu. Paulo Nogueira Netto mandou um
emissário lá.
Rosental – Mas o governador concordou com isso?
RUSCHI – Não, o governador queria
fazer isso.
Rosental – Doando pro Museu?
RUSCHI – Fazendo, por lei da
Assembléia ou doando ao Museu ou ficando para o Instituto Estadual de
Florestas.
Luiz Antônio – Em suma, uma confusão.
RUSCHI – Confuzãozinha mas que eu
nunca iria concordar porque estava em jogo a minha honra. Eu recebi o dinheiro
do Governo Federal, paguei, assinei tudo lá, tenho certeza, e então, mesmo que
a Universidade aceitasse, eu ia judicialmente pra provar que o corrupto é o
Governo do Estado através da Secretaria de Agricultura.
Rosental- O Secretário de Agricultura chama-se Paulo Lemos?
RUSCHU – Mas inicialmente a
Universidade vai pedir que seja lavrada uma nova escritura em nome do Museu
Nacional, se é que eles querem continuar com aquele corrupto, diretor de
terras, Jair Moraes...
Rosental – Ele continua como diretor?
RUSCHI – Eu não sei se ele continua,
porque a mim ninguém oficiou nada, porque da outra vez eles afastaram ele um
tempo, mas depois ele voltou, pode ser que agora estejam fazendo o mesmo porque
ele serve a interesses. Olha, tem escrituras lá que são passadas em 20 dias.
Você requere, daí há 20 dias tem escritura tem tudo nas mãos. Agora, a nossa,
nove anos não foi o suficiente. Então eu sei bem que isso é corrupção, não
tenho dúvidas que tem manobras aí. Isso todo mundo sabe.
Luiz Antônio – O senhor denunciou continuamente ao SNI, não? Sei que o
senhor foi até ao General Golbery.
RUSCHI – Bom, eu fui onde achava que
deveria ir. Naturalmente eu fui a Brasília.
Luiz Antônio – Falou com quem lá?
RUSCHI – Eu falei com as autoridades
máximas que eu achei que deveria falar e vocês podem estar certos que eu tive
uma aceitação porque eu fui revolucionário, e acho que a revolução tem de cumprir
com seus princípios com relação a corrupção. Sou membro número 1 da Arena do
meu município.
Rosental- Mas tem sido apoiado pelo pessoal do PMDB.
RUSCHI – Bom, isso porque acho que
eles sentem minha honestidade e brasilidade, patriotismo. O problema da
reserva, não é só Jornal do Brasil que está me apoiando por conhecer minha
honestidade. Isso é um problema de conscientização, é um problema real que está
ocorrendo no Espírito Santo, uma vergonha. É incrível estar acontecendo isso,
no nosso país, mas por outro lado, eu acho muito bom, porque a mocidade está
sendo alertada para esse tipo de gente. O governador do Espírito Santo sempre
tá alheio mas põe seus secretários para empurrar e eles dizem “nós apoiamos
Ruschi, nós protegemos a natureza’’, mas fazem exatamente o contrário. Mandam
invadir reservas, Forno Grande fazendo carvão, Pedra Azul tirando todas as
orquídeas. O Estado cria essas reservas para negociar madeiras.
Rosental- Como é essa história do palmito?
RUSCHI – O palmito é o seguinte: tá
lá despacho do diretor de terras e seus assistentes, dizendo que a área ficaria
mesmo nas terras do professor Augusto Ruschi que poderá continuar seus estudos.
Mas também poderá ser estendida para plantio de palmito. Isso tá lá no
processo. Se não tá é porque sumiram. Isso tá lá, muita gente tem xerox disso.
Rosental – Professor, o senhor costuma dizer que o Espírito Santo está
mergulhado num mar de lamas. Além desse caso o senhor conhece mais escândalos
do gênero?
RUSCHI- Esse eu tenho documento e
pra mim já é uma mar de lama. Quando se faz um negócio desses com a natureza,
prá mim não é só mar só, é um oceano. Outros casos, o SNI esses órgãos todos
sabem porque foi público, todo mundo falou. Todo mundo no Espírito Santo sabe.
Rosental – A tentativa de tomar essa reserva foi em fevereiro, não é?
RUSCHI - É. Foi em fevereiro deste
ano. Nove de fevereiro.
Rosental – Agora estou reparando que foi exatamente um mês depois
daquela nossa entrevista que saiu no JB, em que o senhor fazia todas essas
denúncias de terras. Inclusive denunciava este Governador e o Instituto
Estadual de Florestas.
RUSCHI – Exatamente. Aí começou a
encrespar. E está encrespando. Mas agora eu acho...
Luiz Antônio – O senhor vai chegar lá em Vitória daqui a pouco. Como
será que vai encontrar o clima lá?
RUSCHI – Bem , aqui o clima está
bom. (risos).
Rosental – O senhor chegou ao Rio deu mil entrevistas, saiu na TV Globo
e em jornais. Quando o senhor chegar será que tem algum repórter lá esperando.
RUSCHI – Ah! Decerto que não. Só um
jornalzinho, o Jornal da Cidade. Aquele eu tenho certeza que vai me procurar. E
eu fico satisfeito. Que é um jornal que circula mesmo. Acaba logo a edição.
Luiz Antônio – Vamos falar de repercussão internacional desse caso.
RUSCHI – Bom, olha. Foram publicadas
matérias nos Estado Unidos, na Europa, em toda parte. As associações receberam
comunicados. Não por meu interesse. Eu não me preocupo. Eu não peço nada.
Luiz Antônio – Teve um garoto de dez anos que mandou uma carta aos
Estados Unidos.
RUSCHI – É, eu li.
Rosental – O menino mora em Washington. Teve um jornal de Los Angeles
que acabou a reportagem com uma frase interessante.
RUSCHI – Era um apelo ao Governador
para deixar o Ruschi trabalhar. Falou o nome do governador Élcio Alvares. É,
talvez o Élcio pode ser até regenerado. Porque vocês sabem... São Francisco de
Assis é o protetor do animais.
Luiz Antônio e Rosental – Um milagre !!!
RUSCHI - ...São Francisco de Assis
costumava conversar com os animais. Ele acalmava o alvoroço nas florestas
conversando. E ele conversava mesmo.
Rosental - O senhor demarcou todas
reservas do Espírito Santo?
RUSCHI – Quase todas. Porque foi
Itaúnas, foi...
Rosental – (interrompendo) Itaúnas não existe mais...
RUSCHI – É... Foi invadida... Como está
acontecendo com Comboios, que ainda tem alguma coisa e merece ser salva. Mas
Itaúnas acabou. Tem a reserva de Pinheiros que eu fiz. Caparaó, não. É um
parque nacional.
Rosental – Quantos trabalhos o senhor já publicou.
RUSCHI – Nós já publicamos mais de
quatrocentos trabalhos científicos. Aqui, Estados Unidos, África, França, em
muitos países, né? E vamos continuar com tudo isso... continuar... se minha
saúde continuar, né? E se não der problemas como esse, que me fazem sair, me
obrigam a desviar a atenção, o tempo. Então eu poderei produzir muito mais em
favor da ciência, do Estado, do Brasil e da humanidade.
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