segunda-feira, 20 de agosto de 2012

TRF-1 invalida licença de Belo Monte e desembargador fala em ditadura do governo


“A consulta deve ser prévia, não póstuma. Não podemos aceitar essa ditadura que vemos no Brasil. Faz a obra e pergunta depois. Isso afronta a Constituição", critica Antônio de Souza Prudente
15/08/2012
Renato Santana
de Brasília
Os desembargadores da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, invalidaram, por unanimidade, a licença prévia e de instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. As obras, portanto, devem ser suspensas.
A notificação deverá chegar para o consórcio Norte Energia, construtor da usina, nas próximas horas e para cada dia de não cumprimento da decisão do TRF-1, a multa estipulada é de R$ 500 mil. O consórcio poderá recorrer da sentença no Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme o relator, desembargador Antônio de Souza Prudente, a determinação da consulta prévia e informada - conforme manda a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - não foi realizada pelo Congresso Nacional.
“A consulta deve ser prévia, não póstuma. Não podemos aceitar essa ditadura que vemos no Brasil. Faz a obra e pergunta depois. Isso afronta a Constituição. A vontade das comunidades indígenas precisam ser ouvidas e respeitadas”, diz o desembargador Souza Prudente durante entrevista coletiva nas dependências do TRF-1.
Sobre a alegação do governo federal de que as oitivas foram feitas, Souza Prudente afirma que a prerrogativa das consultas é do Congresso Nacional, que deveria tê-las realizado antes de votar o decreto legislativo 788, que autorizou o Executivo a construir Belo Monte.
“Não aconteceu isso. A consulta não é mera formalidade: a opinião dos indígenas deveria ser levada em consideração na decisão dos parlamentares. O Congresso só pode autorizar a obra se os indígenas quiserem”, destaca o desembargador citando o jurista Dalmo Dallari, os artigos da Constituição e da Convenção 169.
Souza Prudente acrescenta que o Congresso não pode delegar a terceiros a consulta. Desse modo, as realizadas pelo Ibama, Funai e demais órgãos não são válidas. De acordo com o desembargador, tais consultas, inclusive, se limitaram a comunicar a realização do empreendimento. O desembargador diz não ver isenção em consultas feitas por órgãos do governo federal, principal interessado pela obra.   
“Existem muitas outras Ações Civis Públicas e isso mostra o quanto de erros existe na execução dessa obra. Não podemos aceitar que os indígenas não sejam escutados. Essa ditadura é inadmissível”, frisa o desembargador.

Impactos   
Souza Prudente justificou sua posição citando recente pronunciamento do presidente do STF, Carlos Ayres Britto, durante votação da nulidade de títulos dos ocupantes não-índios da Terra Indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, no sul da Bahia: “A terra para o índio é mística, não é uma propriedade que se vende ou troca”.
Com a colocação, o desembargador retornou à Constituição e à Convenção 169 para dizer que ambas defendem essa forma de entender a terra presente no “meio ambiente cultural” dos povos indígenas. “Se este meio ambiente cultural será impactado, os indígenas devem ser ouvidos”, destaca Souza Prudente lembrando que o ministro do STF Celso de Melo já tinha levado para a Suprema Corte do país a defesa constitucional do meio ambiente cultural.
O governo federal não foi poupado na fala do relator. Para ele, as terras indígenas não foram demarcadas e por isso não é possível saber o tamanho do impacto que a UHE Belo Monte terá. Além disso, qualquer alteração no dito meio ambiente cultural dos indígenas deve ser levada em consideração.
Souza Prudente parafraseou o poeta Vinícius de Morais ao responder perguntas relativas às formas de recorrer que a defesa do consórcio – a Advocacia Geral da União (AGU) – poderá optar: “Espero que os ministros do STF, caso vá para lá, validem a decisão do TRF-1, mas que a justiça seja eterna enquanto dure”.

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