sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Um “efeito Hollande” na Alemanha Lentamente,


Lentamente, a social-democracia alemã vai despertando de sua letargia, à margem dos grandes debates da esquerda contemporânea. Com eles, os Verdes alemães também começam a abrir os olhos para a margem esquerda das questões sociais e econômicas mais candentes. Um dos estremecimentos que levou a esse despertar foi a eleição de François Hollande na França. O despertar ainda é tímido, mas já sinaliza novos rumos. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Berlim.

Berlim - Lentamente, como uma velha barcaça encalhada, o SPD alemão vai despertando de sua letargia, à margem dos grandes debates da esquerda contemporânea. Com eles, os Verdes alemães também começam a abrir os olhos para a margem esquerda das questões sociais e econômicas mais candentes.

Em ambos os partidos sempre houve setores mais à esquerda. Mas nos últimos tempos sempre estiveram afastados das grandes questões, ou submetidos às direções partidárias, que se tornaram defensoras de umm status quo neoliberal mitigado.

Um dos estremecimentos que levou a esse despertar digno de Rip van 
Winkle – o personagem da lenda norte-americana que durmiu num século e acordou noutro – foi a eleição de François Hollande do outro lado do Reno. Hollande era visto como um pacato político provinciano, o “Monsieur Normal” que não poria a perigo a adesão (aderência?) da social-democracia européia ao credo neo-liberal pós-fim do comunismo. Forçado pelas circunstâncias, ou concluindo uma estratégia deliberada, Hollande foi mais para a esquerda do que o seu figurino tradicional parecia permitir. Declarou-se inimigo dos bancos, disse que não gostava de ricos, e prometeu taxar em 75% os lucros das grandes fortunas em seu país.

De início, a reação dos social-democratas em off, na margem direita do Reno, apesar de apoiá-lo em público, foi considerar suas propostas “ingênuas”. Mas acontece que a crise do euro foi se agravando, e a água bateu às portas da fortaleza alemã, sob a forma de ameaças recessivas para o fim do ano, com a queda nas exportações para a Europa e a China (sobretudo) não sendo compensadas por um aumento significativo da demanda interna, pelo menos até o momento.

Isso trouxe outros riscos para a economia alemã: uma possível queda na arrecadação, riscos orçamentários, com as agências de avaliação do mundo financeiro retirando o pequeno sinal de (+) do triplo A da nota de Berlim, substituindo-o por uma cauteloso sinal de (-). Foi um terremoto inesperado na Alemanha – o que pode também ter ajudado a sonolenta barcaça social-democrata a despertar para novos rumos de navegação.

Timidamente, é verdade, mas novos rumos. Isso se consubstanciou na apresentação de uma pré-proposta, por parte do secretário de Finanças do governo da Renânia do Norte-Vestfália, Norbert Walter-Borjans, de uma taxação extra para as grandes fortunas alemãs. 

“Grande fortuna” seria uma massa de bens que excedesse 2 milhões de euros. E o imposto sobre isso seria de 1% anual. No caso de um casal, 2% sobre os bens comuns. Com base em cálculos do Instituto Alemão de Pesquisas Econômicas (DIW, com sede em Berlim), Borjans afirma que essa taxação atingiria 140.000 pessoas na Alemanha, gerando uma arrecadação extra de 11,5 bilhões de euros anuais para o orçamento federal. Só no seu estado, que tem 18 milhões de habitantes, haveria mais 3,5 bilhões de euros por ano. A proposta está em estudo no partido, e, se aprovada, deve ser levada até o final do ano ao Bundesrat – o Conselho da República – formado por represenantes dos estados, assim como Senado brasileiro.

Borjans também considerou – já que a mirada sobre as grandes fortunas vem da França – que pode ocorrer na Alemanha o que já aconteceu naquele país: uma fuga de fortuna e de capitais para Londres.

A capital londrina tornou-se uma das Mecas das grandes fortunas à deriva num mundo em crise. Isso já vinha de antes, é verdade, mas desde 2007/2008 a tendência se acentuou. Para a City londrina acorrem grandes fortunas da Grécia falida, da Espanha em crise, da Itália perturbada, dos oligarcas russos que fogem do faro e da vingança de Vladimir Putin, dos príncipes e sheiks do mundo árabe que desejam ocidentalizar seus ganhos, assim como dos novos ricos chineses, sem falar nos franceses e agora, no risco dos alemães.

Que fazem esses ricos “em apuros”? Compram grandes propriedades. Segundo a revista Der Spiegel (18/05/2012) já há um bairro em Londres, South Kensington, que se tornou uma verdadeira “Petite France” à beira do Tâmisa. Com 300 mil franceses hoje vivendo em Londres, esta cidade passou a ser a 6ª. Cidade francesa em população, só superada por Paris, Marselha, Lyon, Toulouse e Nice. Pode ser que agora a capital do Reino Unido venha a se tornar uma das cidades alemãs mais populosas.

Mas nem tudo são flores no caminho desses novos 
territórios “conquistados” pelas grandes fortunas em busca de asilo. Na eleição francesa deste ano, pela primeira vez houve a escolha de representantes de comunidades residentes no exterior. A terceira circunscrição francesa é a da “Europa do Norte”, que compreende 10 países: Lituânia, Letônia, Estônia, Noruega, Finlândia, Suécia, Irlanda, Islândia, Dinamarca (incluindo a Groenlândia) e o Reino Unido. Havia 89345 eleitores inscritos, 71641 deles no Reino Unidos. Por isso, esperava-se uma vitória de Sarkozy e da candidata de seu partido, Emmanuelle Savarit. Votaram 31.752 eleitores. Hollande ganhou no segundo turno, com 53,1% dos votos. E a deputada eleita foi a socialista Axelle Lemaire, com 30,16% no primeiro turno e 54,76% no segundo.

Uma prova de que não é só no rio Spree berlinense que as barcaças estão se mexendo.

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