sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Universidade de Buenos Aires recusou matrícula de repressores


Universidade de Buenos Aires recusou matrícula de repressores

O Conselho Superior desta universidade recusou a inscrição de condenados e processados por delitos de lesa humanidade em seu programa de educação superior em prisões. “Esta é uma clara expressão política da Universidade de Buenos Aires”, explicou o reitor Rubén Hallú, após conhecer-se a determinação que aprovou a recusa do ingresso a três militares, repressores que atuaram na ESMA durante a ditadura.

Buenos Aires - Os repressores condenados por delitos durante a ditadura têm direito a estudar? O papel da universidade pública e o caso de ex-agentes interessados em estudar na Universidade de Buenos Aires, finalmente ficou resolvido. Por unanimidade, o Conselho Superior desta casa de estudos decidiu recusar a inscrição de condenados e processados por delitos de lesa humanidade em seu programa UBA XXII, de educação superior em prisões. 

“Esta é uma clara expressão política da Universidade de Buenos Aires”, explicou o reitor Rubén Hallú, após conhecer-se a determinação que aprovou a recusa do ingresso a três militares, repressores que atuaram na ESMA (centro clandestino de detenção) durante a ditadura.

Esta problemática começou quando, no marco do Programa UBA XXII, de educação superior em contextos de clausura, os ex-marinheiros Juan Carlos Rolón, Adolfo Donda e Guillermo Suárez Mason foram inscritos no Ciclo Básico Comum (CBC), com o objetivo de cursar a carreira de Direito e Sociologia, em caráter de estudantes assistentes. As faculdades de Ciências Sociais e de Filosofia e Letras se opuseram publicamente a estas inscrições. Seus docentes falaram de “violência moral” e interpuseram objeções de consciência para não dar aulas a este tipo de detidos.

A comissão composta pelo reitor Hallú, os decanos das faculdades e cinco representantes dos claustros de professores, graduados e estudantes, sustentou que se bem o propósito da Universidade “não pode ser outro que permitir a livre discussão de ideias e o mais amplo confronto de concepções do mundo”, a particularidade deste caso implica que “os que aspiram ser incorporados a sua comunidade universitária, na atualidade e desde sempre, defendem publicamente a tese de uma pretendida inexistência, legitimidade ou justificativa dos delitos dos quais foram vítimas os próprios membros de sua comunidade universitária”. 

Diante da complexidade do tema, a Universidade de Buenos Aires, através da Comissão de Interpretação e Regulamento do Conselho Superior, solicitou um relatório a uma comissão especial, criada ad-hoc. Esta comissão sustentou que os repressores que participaram em delitos de lesa humanidade “não devem ter lugar na Universidade” uma vez que, ao defender o discurso negacionista dos delitos que cometeram “dissolvem o espírito comunitário que deve animar a Universidade”. 

O Conselho Superior citou também o artigo 29 da Lei de Educação Superior, que habilita as universidades a definir os mecanismos de admissão, assim como o estatuto da UBA, que prevê a possibilidade de regular o ingresso de seus estudantes. “O respeito às normas que regem esta comunidade universitária não se esgota no cumprimento formal de suas pautas, mas exige de quem aspira incorporar-se a ela que sua conduta não seja destrutiva ou lesiva à própria existência da comunidade”, recomenda o relatório. 

Consultado por Carta Maior, o coordenador da Unidade de Direitos Humanos do Ministério Público Fiscal, Pablo Parenti, afirmou que a decisão da Universidade de Buenos Aires tem como pano de fundo um problema real e concreto. Entretanto, a solução que foi encontrada não é a melhor. 
O problema concreto é que o Centro Universitário que se conseguiu montar na prisão custou muito esforço e se sustenta pela vontade de muita gente, inclusive por professores que ministram aulas por lhes parecer um espaço valioso. A chegada de pessoas condenadas ou acusadas por crimes contra a humanidade alterou o clima do centro universitário e houve gente que alegou objeção de consciência.

Parenti sustenta que a exclusão geral de um setor determinado da sociedade pode dar pé a que “a política de memória, verdade e justiça impulsionada pelo Estado argentino seja vista como perseguidora (em um sentido pejorativo), quando não o é”. Trata-se, afirma, de uma política muito respeitosa dos direitos de todos, o que pode ser visto, por exemplo, nos processos penais. Processos que se realizam sem juízes especiais nem procedimentos especiais. Isto em geral é reconhecido por todos, tanto dentro da Argentina, como em todo o mundo. Então, uma medida como a adotada pela UBA (embora com fins louváveis), pode ofuscar a imagem geral do processo de memória, verdade e justiça. Por isso, digo que, definitivamente, a medida pode ser prejudicial. Esta decisão da UBA não implica que estas pessoas não tenham direito à educação, a medida é só uma autolimitação da UBA. Isto é importante destacar, conclui Parenti.

O direito à educação na Argentina para pessoas privadas de liberdade está previsto na lei de execução penal M° 24.660. A lei indica que os juízes devem garantir este direito e, em seu artigo 142 afirma: “Excepcionalmente, os juízes poderão assegurar a educação através de um terceiro, por conta do Estado”. Neste caso, se a UBA não o faz, o serviço penitenciário e os juízes devem procurar a maneira de garantir esse direito, inclusive recorrendo a instâncias não estatais, mas por conta do Estado. 

Tradução: Libório Junior

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