quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A Palestina esperançosa


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Por Moustapha Barghouti, no Counterpunch | Tradução: Antonio Martins | Foto: Filippo Minelli
Há, no vendaval egípcio, um fator que não deveria passar despercebido, e que se relaciona diretamente com a Palestina. A derrota dos árabes na guerra de 1958 e o escândalo das armas defeituosas, que expôs a corrupção da monarquia egípcia, jogaram papel destacado na revolução de 1952, dirigida por Nasser. Foi um levante contra a humilhação imposta ao exército egípcio. Mais tarde, nos anos 1980 e 1990 e na primeira década do novo século, a dignidade nacional de todas as nações árabes sofreu um turbilhão de ofensas, perpretadas principalmente por Israel.
O povo egípcio acostumou-se, de Saladino a Nasser, a ser a primeira linha da defesa nacional árabe. Assistiu em fúria, no período mais recente, às atrocidades cometidas contra os povos palestino e libanês. A invasão do Líbano em 1982. O cerco contra a Organização pela Libertação da Palestina, no mesmo ano. A supressão das Infitadas. As incursões brutais em territórios palestinos. O cerco contra Arafat. Os novos massacres no Líbano, em 2006.
O último capítulo da beligerância e brutalidade de Israel foi a invasão de Gaza – fraca, indefesa, já submetida a bloqueio econômico. O povo egípcio viu o crime desenrolar-se próximo a suas fronteiras, entre acusações lançadas a seu governo, suspeito de cumplicidade no bloqueio. Tais ultrajes ofendem a dignidade de cada cidadão árabe. Mas pesam ainda mais no Egito, cujo governo firmou com Israel um acordo inequânime, que impede o país de agir em solidariedade com os oprimidos.
A invasão, ocupação e destruição do Iraque, por uma coalizão liderada pelos EUA, ampliou o senso de fúria entre os árabes e alimentou sua sede de livrar-se da humilhação. Este fator não pode ficar de lado, em nenhuma tentativa de entender a força e amplitude da erupção egípcia. Muios perguntam-se como a onda revolucionária afetará a luta palestina. Cinco motivos me levam a crer que não estou praticando pensamento positivo, ao afirmar de antemão que haverá resultados muito favoráveis.
Primeiro, o mundo árabe não será mais um sujeito regional passivo, enquanto forças regionais e internacionais lutam em seu território. De agora em diante, os árabes serão agentes proativos nestes conflitos, o que é uma importante novidade.
Além disso, a vitória da revolução egípcia irá, se seguida pelo estabelecimento de um governo democrático e sólido, fortalecer o status e o papel do país. Isso ajudará a alterar o equilíbrio de poderes, em favor da causa palestina – já que um Egito democrático será, muito mais que mediador, um apoio à causa palestina.
Em terceiro lugar, a vitória da democracia no Egito, Tunísia e, esperamos, em outros países, abrirá portas à solidariedade popular com o povo palestino. As multidões que desejam há muito expressar seu apoio a nossa luta poderão fazê-lo de formas eficazes e potentes. Os árabes serão novamente capazes de liderar campanhas de boicote e em favor de sanções contra os crimes cometidos por Israel. Este é um elemento destacado da estratégia para alterar a correlação de forças.
Quarto: já é possível identificar os efeitos das vitórias egípcia e tunisiana no ânimo dos palestinos. Milhares de jovens estão emergindo dos pântanos da frustração, desespero e marginalização. Desejam de novo agir e participar. O efeito imediato pode ser visto nas manifestações de apoio à revolução egípcia, e na campanha pela encerrar as disputas internas entre correntes palestinas e exigir democracia e direitos civis. A médio e longo prazos, é possível esperar a retomada de movimento de resistência amplo, jovem e popular, contra a ocupação, o Muro e o apartheid.
Talvez a primeira Intifada tenha sido o prelúdio dos levantes árabes de hoje. Neste caso, as revoluções no Egito e Tunísia servem para chamar atenção dos palestinos para sua força latente e para o poder dos movimentos de resistência, quando envolvem multidões e não são sectários.
Por fim, os palestinos certamente acolhem a esperança de que uma das primeiras ações de um Egito democrático será acabar com o bloqueio contra a Faixa de Gaza e, com este gesto, neutralizar o estrangulamento criminoso que Israel tenta impor a 1,5 milhão de pessoas. Elas vivem no que só pode ser chamado de a maior prisão da História moderna.
Israel permanecerá como uma enorme fonte de problemas e preocupações, sejam quais forem os próximos desdobramentos. Sua arrogância, racismo e agressividade nunca foram questionados pelos regimes vizinhos – cuja fraqueza foi sempre explorada para dar asas aos sonhos israelenses de hegemonia política, militar e econômica na região. Chegou finalmente, no entanto, o momento em que o povo egípcio lembrou a Israel as palavras de Mahmoud Darwish, um poeta palestino imortal: “Nenhuma águia nasce de ovos de serpente”. Há limites para o poder, e eles são definidos pelas forças da história, civilização e experiência humana. A força da tirania deve retroceder, para que a era do desespero abra espaço à retomada da vontade humana.
Entramos numa nova era, em todos os sentidos da palavra. Alguns de nós tivemos a sorte de viver a revolução mundial dos jovens, nos anos 1960 e 70 e de testemunhar, agora, esta nova revolução jovem. Que alívio, após o longo intervalo de estagnação e decadência, quando os valores humanitários declinaram, o desespero e a frustração prevaleceram e muntos dos velhos revolucionários e pioneiros converteram-se em estátuas inúteis: os intelectuais reduzidos a sicofantas nas cortes reais e as consciências reduzidas a mercadorias a comprar e vender. Agora, uma era nova e promissora está surgindo no mundo árabe. Por enquanto, dá seus primeiros passos inseguros. Pode tropeçar, como criança. Mas crescerá e se tornará mais forte.
Nossa tarefa crucial agora é cuidar desta criança, dar-lhe as mãos e orientá-la rumo a um sistema democrático robusto e abrangente, em que a autoridade baseie-se na vontade do povo. Nada é mais importante que proteger este recém-nascido das tentativas que Israel ou o império lançarão para apequená-la, visando perpetuar a hegemonia israelense e os interesses que ela abriga. Nada é mais importante que manter portas abertas, para que os ventos de mudança ganhem velocidade, espalhem-se e quebrem novas barreiras.
É possível que as mudanças no mundo árabe marquem o início de algo maior, cujo tempo chegou. As contradições que minam sistema de hegemonia global em vigor, e a globalização do poder, só poderão ser resolvidas por transformações revolucionárias de alcance global. Neste mundo turbulento, nós – os palestinos – estamos do lado certo: o das lutas pela liberdade e dignidade humana. Nossos aliados são as forças árabes e internacionais do progresso e da mudança. Os que apostam no contrário não colherão nada, exceto desencanto.

Mustafa Barghouth (verbete em inglês, na Wikipedia) é um destacado ativista pela liberdade da Palestina. Em 2005, disputou a presidência da Autoridade Palestina e obteve 19,8% dos votos. Três anos antes, criou (com Edward Said) o movimento Iniciativa Nacional Palestina – que pretende ser uma alternativa tanto à burocratização do movimento Al Fatah quanto ao fundamentalismo islâmico do Hamas. É, atualmente, seu secretário-geral. Fundou, em 1979, a União Palestina dos Comitês de Ajuda Médica, uma entidade que atualmente preside.
O trecho traduzido por Outras Palavras é a parte final de um longo artigo, que pode ser lido, na íntegra (em inglês) aqui.

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