quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Lewandowski absolve quatro, mas confirma crime de lavagem


Lewandowski absolve quatro, mas confirma crime de lavagem

O ministro-revisor confirmou o entendimento do relator de que os dirigentes do Banco Rural criaram um esquema para branquear o capital ilícito movimentado pelos sócios das agências de publicidade SMP&B e DNA. Para o advogado José Carlos Dias, esta imputação é uma “heresia” e muda a forma de se caracterizar a lavagem de dinheiro no Brasil.

Brasília - O voto do ministro-revisor da ação penal 470, Ricardo Lewandowski, foi a pá de cal na esperança que ainda restava aos réus denunciados por lavagem de dinheiro no processo do “mensalão”. Embora tenha pedido a absolvição de quatro dos dez acusados nesta etapa do julgamento, ele ratificou o entendimento do ministro-relator, Joaquim Barbosa, de que os dirigentes do Banco Rural criaram um esquema para branquear o capital ilícito movimentado pelos sócios das agências de publicidade SMP&B e DNA, a partir do crime precedente de gestão fraudulenta de instituição financeira. 

Para o advogado José Carlos Dias, que representa a ex-dirigente do Banco Rural, Kátia Rabello, o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou a forma como, até então, encarava a prática de lavagem de dinheiro. “Ao meu ver, é uma heresia esta imputação de lavagem, esta maneira de ter havido uma nova condenação por atos que estão incluídos no crime de gestão fraudulenta. Os saques e demais procedimentos fazem parte do exaurimento do crime de gestão”, justificou.

O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que defende o também ex-dirigente do Rural José Roberto Salgado, manteve as críticas que fez na semana passada, de que o STF está "flexibilizando certos critérios e certas garantias que são importantes que sejam restauradas e sejam mantidas em proveito do Estado democrático de direito”. Mas preferiu aguardar o final desta etapa para tecer novos comentários e decidir se tomará medidas adicionais em favor do seu cliente.

O voto
Lewandowski pediu a absolvição, por falta de provas, dos ex-dirigentes do Rural, Ayanna Tenório e Vinicius Samarane. Segundo ele, a maioria dos ministros já decidiu que não há provas contra Ayanna referentes ao crime antecedente de gestão fraudulenta. Em relação à Samarane, alegou que nada há nos autos que demonstre sua participação no esquema. Conforme o ministro, ele só se tornou diretor do banco em 2004, após a realização da maior parte das operações. “Sua responsabilidade penal por estas condutas ilícitas tem que ser presumida, o que não se admite em direito penal”.

O revisor também inocentou a funcionária da SMP&B, Geiza Dias. “A situação de Geiza é diferente dos demais réus, inclusive pela posição subalterna que ocupava”. Segundo ele, ela só cumpria ordens e nem sabia que o dinheiro movimentado era ilícito. Lewandowski observou que Geiza ingressou na SMP&B em 2000, com salário de R$ 1,1, mil e, nos anos seguintes, recebeu reajustes médios de R$ 70, frutos de acordo coletivo. “No auge dos fatos delituosos, em 2003, ela passou a receber R$ 1,5 mil. Ela não teve promoção, aumento ou vantagem por ter participado do esquema”, justificou.

Em relação ao advogado Rogério Torentino, acolheu a questão de ordem do advogado Rafael Soares que, no início da sessão, afirmou que seu cliente não havia sido denunciado por lavagem de dinheiro no processo. Lewandowski observou que o réu é acusado de lavagem de recursos que circularam no Banco BMG, objeto de outra ação penal, a 420. E votou pela sua absolvição. O ministro-relator, que na sessão anterior votou pela condenação de Torentino, se comprometeu a checar a denúncia para decidir se mantém a postura inicial.

O revisor condenou os ex-dirigentes do Banco Rural José Roberto Salgado e Kátia Rabello, os sócios das agências SMP&B e DNA, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, além da diretora da SMP&B, Simone Vasconcelos. Nos seis casos, ele afirmou estar certo da autoria dos crimes, repetidos, segundo ele, em 102 operações diferentes.

Em um voto longo que durou toda a sessão, o ministro citou estudos realizados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontam as características da lavagem de dinheiro, como grande volume de transação em espécie, métodos inusitados para transações financeiras, tentativa de evitar a identificação dos beneficiários finais dos bens e valores, explicações não críveis sobre fatos, ocultamento de informações das autoridades competentes, empréstimos múltiplos em curto espaço de tempo, utilização de intermediários e operações feitas em cima da hora. “Esses indicadores estão todos presentes nestas ações”, argumentou.

A polêmica
Os ministros relator e revisor voltaram a discutir no plenário. O bate-boca começou já no início da sessão, quando Lewandowski, para justificar a interpretação divergente da do relator em relação à Geiza, citou uma entrevista concedida pelo delegado da Polícia Federal (PF) que chefiou as investigações do “mensalão”, Luís Flávio Zampronha, na qual ele inocenta a funcionária. 

Barbosa reagiu imediatamente, desqualificando a intervenção. “Vejam como as coisas são bizarras no nosso país. Um delegado preside um inquérito e, quando ele já se transforma em ação penal, ele vai à imprensa e diz que fulano não deveria ter sido denunciado. Isso é um absurdo. Em qualquer país decentemente organizado, um delegado desse estaria, no mínimo, suspenso”. 

O ministro Gilmar Mendes sugeriu que o colega se restringisse às provas contidas nos autos do processo. “É atitude heterodoxa falar com base em jornais. Isso porque dissemos que vamos apenas nos ater em provas”, disse. Lewandowski esclareceu que apenas citou a entrevista, mas que iria deter ao processo. Entretanto, observou: “este julgamento não é o mais ortodoxo desta corte”. Barbosa reagiu mais uma vez. “Isso aqui não é academia. Estamos aqui para analisar fatos, dados e dar a decisão. Vamos parar com esse jogo de intrigas. Faça seu voto de maneira sóbria”, disse à Lewandowski. 

O decano da corte, Celso de Mello, tentou aplacar os ânimos. “Não me parece que o revisor está censurando o eminente relator, mas só exercendo a garantia legal do contraditório”. O presidente do STF, Ayres Britto, tentou colocar um ponto final na discussão. “Está assegurado seu direito ao livre exercício do seu voto”, garantiu à Lewandowski. 

A continuidade
Os demais ministros começam a votar na sessão desta quinta (13). A expectativa é que o processo seja breve. Com uma pressão cada vez maior da imprensa por agilidade no julgamento, os ministros estão reduzindo cada vez mais seus votos e a corte estuda a possibilidade de abrir mais uma sessão extraordinária na semana para se dedicar ao processo. 

“O STF virou uma fábrica de salsichas jurisdicional. E isso compromete a qualidade dos votos. Se a gente não debater direito este assunto, como estas decisões vão iluminar os julgamentos em 1ª e 2ª instância?”, questionou o advogado Antônio Pitombo, que representa o ex-sócio da corretora Bônus-Baval, Enivaldo Quadrado.

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