domingo, 16 de setembro de 2012

No Egito, ouro político na pregação da subserviência das mulheres


As mulheres são erráticas e emotivas, e são boas esposas e mães --mas nunca líderes e governantes. Isso, ao menos, é o que Osama Abou Salama, professor de botânica da Universidade do Cairo e membro da Irmandade Muçulmana, disse para homens e mulheres jovens durante uma recente aula de orientação pré-nupcial.

Mona El Naggar
Em imagem de junho deste ano, egípcia lança seu voto em assembleia de votação em Cairo, quando o país elegeu seu primeiro presidente democrático
Em imagem de junho deste ano, egípcia lança seu voto em assembleia de votação em Cairo, quando o país elegeu seu primeiro presidente democrático
Mas o que foi mais chamativo foi a ausência de reação. Nenhuma das 30 pessoas na sala nem mesmo fez careta.
“Uma mulher”, disse Abou Salama, “tem prazer em ser uma seguidora e considera fácil obedecer a um marido que a ama”.
Desde que a Irmandade chegou ao poder e um de seus ex-líderes foi eleito presidente, grande parte da incerteza em torno de sua agenda social se concentra em seus planos para as mulheres. Será que a Irmandade tentará impor um código de vestuário conservador? Será que tentará impedir o ingresso de mulheres em alguns campos de trabalho? Será que seus líderes promoverão a segregação nas escolas?
Mas em um país onde a vasta maioria das mulheres já cobre seus cabelos e se separa voluntariamente dos homens em ambientes mistos, essas perguntas são em grande parte acadêmicas.
A classe de Abou Salama é um exemplo.
“Você, como mulher, pode tomar uma decisão e lidar com as consequências de sua decisão?” ele perguntou.
Várias mulheres balançaram a cabeça antes mesmo de Abou Salama fornecer sua resposta.
“Não, mas os homens podem”, ele disse. “E Deus nos criou dessa forma porque um navio não pode ter mais do que um capitão.”
Mais do que qualquer outro grupo político no Egito, a Irmandade é fluente no dialeto das massas. Ao manter os valores patriarcais e tradicionais sobre o lugar da mulher na sociedade, ela obtém apoio popular, acumula capital político e reforça o conservadorismo social.
“A mulher é o símbolo de uma plataforma moral, por meio da qual ganhos fáceis são obtidos”, disse Hania Sholkamy, uma antropóloga e professora associada do Centro de Pesquisa Social da Universidade Americana no Cairo. “Aqueles que privam as mulheres de seus direitos, limitam suas liberdades ou as colocam em uma posição subordinada acreditam que o custo político de fazê-lo é muito baixo.”
Pirâmide de Quéfren, a única que ainda conserva parte do revestimento de pedra calcária polida em seu topo Karina Gouvea/UOL
As aulas de Abou Salama, que criou três filhas, fazem parte de uma oficina de quatro semanas chamada “Noiva e Noivo Contra Satã” e é patrocinada pela Casa da Família, uma caridade financiada pela Irmandade. Ela é apenas um de vários esforços da Irmandade que cresceram desde a revolução, refletindo e promovendo os valores religiosos que definem um grande segmento da sociedade.
Entre suas muitas atividades, a Casa da Família oferece apoio financeiro para lares em dificuldades, fornece serviço casamenteiro e patrocina casamentos em massa para casais de baixa renda.
“Isso faz parte da metodologia reformista da Irmandade Muçulmana”, disse Walaa Abdel Halim, o coordenador da Casa da Família que organiza as oficinas de orientação para os jovens. “A moldagem um indivíduo reto leva à moldagem de uma família reta, e ao moldar uma família reta, você tem uma sociedade reta capaz de escolher um líder reto.”
Esses esforços para moldar uma sociedade religiosa conservadora, realizados por décadas pela Irmandade, são vistos como parcialmente responsáveis por ajudar a eleger Mohammed Morsi presidente em junho. Na época, Morsi, que renunciou seu cargo na Irmandade após assumir a presidência, garantiu que protegeria os direitos das mulheres e as incluiria na tomada de decisões. Mas passados pouco menos de três meses de sua presidência, Morsi não cumpriu sua promessa de campanha de nomear uma mulher como vice-presidente. Em vez disso, ele nomeou uma equipe de 21 assessores e conselheiros na semana passada, que inclui três mulheres.
Uma das três, Omaima Kamel, uma professora de medicina da Universidade do Cairo e integrante da Irmandade desde 1981, deixou claro que não pretende pressionar a sociedade para mudar a postura em relação às mulheres.
“Vamos ser justas, se o seu trabalho afasta você dos deveres fundamentais em casa e se o seu sucesso vem à custa da vida da sua família e da estabilidade de seus filhos, então é você quem vai sair perdendo”, ela disse ao telefone. “Uma mulher pode trabalhar o quanto ela quiser, mas dentro da estrutura de nossas restrições religiosas.”
Muitos analistas e críticos da Irmandade veem esse tipo de filosofia, uma que dá independência às mulheres, desde que mantenham suas obrigações tradicionais, como restringindo na prática as mulheres aos papéis de gênero estabelecidos.
“Há uma ausência de uma visão bem definida, então eles usam palavras como ‘restrições religiosas’”, disse Ibrahim el Houdaiby, um pesquisador dos movimentos islâmicos e um ex-membro da Irmandade. “Ok, então quais são exatamente essas restrições, para que possamos sabê-las e descobrir como lidar com elas? Enquanto não definirmos quais são esses limites, então nós poderemos expandi-las até que as mulheres, na prática, não possam trabalhar.”
No programa político de Morsi, chamado “A Renascença”, há uma ênfase no “papel autêntico (da mulher) como esposa, mãe e provedora de gerações”. O programa então faz recomendações para salvaguardar a vida da família; a principal entre elas é o curso pré-nupcial para os jovens.
Livre das restrições do governo de Hosni Mubarak, que proibiu a Irmandade, os programas sociais do movimento cresceram desde a eleição de Morsi. Em menos de um ano, a Casa da Família expandiu de um único escritório para 18 filiais por todo o Egito e está desenvolvendo um plano para encorajar todos os casais a frequentarem.
Na sede do grupo, no bairro densamente povoado de Nasr City do Cairo, Abou Salama entrou em uma sala espaçosa onde os homens se sentavam nas cadeiras da frente e as mulheres nas cadeiras do fundo.
Ele ensinou sobre que qualidades procurar em um cônjuge, sobre o namoro sob supervisão dos pais, como lidar com a família do cônjuge e a consumação do casamento. Em seu paradigma social, o entendimento de que a mulher foi criada para ser uma esposa obediente e mãe, e que o homem foi criado para sustentar sua família, é o segredo para um casamento feliz.
“Eu quero que vocês sejam a flor que atrai a abelha para fazer o mel, não o lixo que atrai as moscas e a imundície”, disse Abou Salama enquanto as mulheres ouviam atentamente.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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