segunda-feira, 17 de setembro de 2012

População portuguesa sai às ruas e intensifica pressão contra medidas de austeridade


População portuguesa sai às ruas e intensifica pressão contra medidas de austeridade

Centenas de milhares de pessoas saíram as ruas contras as medidas de austeridade do atual governo português em mais de 30 cidades, no final de tarde do último sábado (15), naquela que vem sendo considerada a maior manifestação pública coletiva e simultânea desde as mobilizações que derrubaram a ditadura militar em abril de 1974. A reportagem é de Maurício Hashizume, direto de Coimbra.

Coimbra (Portugal) – “O povo não aguenta mais. Está tudo a arrebentar e muita gente está a passar fome”. A declaração em tom de desabafo de Laurentino Gomes, 67 anos de idade, serve como síntese do sentimento compartilhado por centenas de milhares de cidadãs e cidadãos que saíram as ruas contras as medidas de austeridade do atual governo português em mais de 30 cidades, no final de tarde do último sábado (15), naquela que vem sendo considerada a maior manifestação pública coletiva e simultânea desde as mobilizações que derrubaram a ditadura militar em abril de 1974.

Laurentino foi mais uma entre as cerca de 20 mil pessoas que se juntaram às mobilizações em Coimbra, que começaram na tradicional Praça da República, ao pé de uma das universidades mais antigas da Europa, passou pelas ruas centrais da cidade e, pelo excessivo número de participantes, teve de seguir até o Parque Verde, às margens do Rio Mondego. A composição dos presentes foi heterogênea, de camponeses a ex-militares, de idosos e professores a estudantes muito novos, famílias inteiras se agregaram à marcha, com faixas e cartazes improvisados que não deixavam dúvidas acerca da reprovação do governo. Grandes atos se repetiram na capital Lisboa, e em outros pontos como Porto, Aveiro, Braga etc.

Para o manifestante sexagenário, a presença maciça dos mais diversos segmentos da população ao chamado (feito pelos organizadores principalmente pela internet) se deve ao fato de que se “chegou ao limite”. “É traição. Estão tirando mais ainda dos pobres enquanto os ricos mantêm privilégios”, completa Laurentino. A referência direta a “tirar dos pobres” tem a ver com o anúncio feito pelos governantes do bloco direitista do PSD/CDS-PP, há pouco mais de uma semana (mais detalhes abaixo) de que a contribuição de todos os trabalhadores (tanto do setor público como do privado) para a Segurança Social aumentará de 11% para 18%, de acordo com proposta do Orçamento do Estado (OE) de 2013 ainda a ser apresentado, ao mesmo tempo em que a Taxa Social Única (TSU) cobrada das empresas será reduzida dos atuais 23,75% também para os mesmos 18%.

Na prática, as medidas anunciadas e reforçadas ao longo da semana pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho implica no corte de dois salários anuais (chamados, em Portugal, de “subsídios” de Natal e de férias) de funcionários públicos e dos pensionistas, além de subtrair um salário também dos empregados do setor privado. 

Desfraldada poucos dias antes da conclusão da quinta avaliação da chamada troika – formada pela Comissão Europeia (CE), Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI) – ao programa de ajustamento vinculado ao pedido de resgate feito por Portugal, a imposição de mais sacrifícios aos trabalhadores e de desoneração de empresas por meio das mudanças na TSU foi repelida por partidos de oposição, centrais sindicais, movimentos e organizações da sociedade civil e não encontra apoio sequer no setor patronal. António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), declarou não apoiar as medidas, enfatizando que a penalização da classe trabalhadora (e a conseqüente redução de consumo) pode anular qualquer tentativa de incentivo à atividade econômica e combate ao desemprego imaginada pela diminuição de tributos aos empregadores.

“O mau deles [que estão no comando do governo português] é que são muito novinhos. Não tem experiência de vida”, avalia o indignado Laurentino. “Se saíssem dos seus gabinetes, perceberiam que não está tudo bem, como costumam dizer. Deveriam conhecer melhor a realidade”, acrescenta. Na visão dele, o Brasil, por exemplo, colheu benefícios da larga vivência de líderes políticos como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No manifesto convocatório, o grupo que lançou a convocação dos protestos (Que se lixe a troika! Queremos nossas vidas) do último sábado (15), vem enfatizando a necessidade de uma demonstração de “qualquer coisa de extraordinário” por parte dos conjuntos sociais associados a “várias áreas de intervenção e quadrantes políticos”. Uma das jovens que esteve à frente do chamado, Magda Alves ressaltou à imprensa que o manifesto “surgiu da consciência de que a situação do país é grave”. 

Segundo ela, a única resposta dada até aqui tem sido “mais austeridade, mais desemprego e mais precariedade”. Nesse contexto, os atos seriam uma forma de dar uma “resposta forte” em outro sentido, um “passo importante e decisivo para tentar inverter o rumo das medidas que vêm sendo tomadas”. 

Antecedentes e repercussões
A noite ainda se iniciava no último dia 7 de setembro quando Pedro Passos Coelho entrou em cadeia nacional para anunciar, por meio dos veículos de comunicação, novas medidas de austeridade. Sob os olhares atônitos da população – que, naquela mesma sexta-feira, preparava-se para acompanhar a estreia da seleção portuguesa contra a frágil equipe de Luxemburgo pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2014 -, o primeiro-ministro confirmou a imposição de novos sacrifícios à população. 

Pouco mais de uma semana depois, foi a vez das cidadãs e cidadãos comuns apresentarem o seu ponto de vista. “Quem se resigna a governar sob o memorando da troika entrega os instrumentos fundamentais para a gestão do país nas mãos dos especuladores e dos tecnocratas, aplicando um modelo econômico que se baseia na lei da selva, do mais forte, desprezando os nossos interesses enquanto sociedade, as nossas condições de vida, a nossa dignidade”, prega o texto de convocação dos protestos.

Ainda na sessão de megafone aberto em pleno Parque do Mondego, participantes exprimiram a satisfação diante da grande adesão popular, saíram em defesa da educação e da saúde públicas, denunciaram o agravamento da exclusão social e repetiram chamados para a continuidade dos protestos. Na mídia, economistas e consultores defendem outras medidas, seja pelo seu indesejável efeito de instabilidade ou pela sua ineficácia em termos financeiros. Sociólogos, cientistas políticos e psicólogos classificaram os atos como “batismo de cidadania”, a despeito da ocorrência de algumas prisões em Lisboa, de ataques a símbolos de bancos ocorridos no Porto e até do caso isolado de um jovem que, durante as manifestações em Aveiro, chegou a atear fogo em si mesmo.

Uma das âncoras da coalizão governamental, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, presidente do CDS-PP, foi à mídia para dizer que foi informado previamente, mas discordou das medidas sustentadas por Pedro Passos Coelho (PSD). A conduta de Portas agrava ainda mais o quadro de tensão instalado pelas vozes que foram às ruas.

Os mesmos organizadores dos protestos de sábado já estão convocando uma vigília pacífica para a próxima sexta-feira (21), a partir das 17h, no Palácio de Belém, em Lisboa. A concentração popular tem como objetivo dar seguimento às pressões contra as medidas de austeridade. O presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, marcou para a mesma hora uma reunião do Conselho de Estado que discutirá a “resposta europeia à crise da Zona Euro e a situação portuguesa”, em que pediu a presença do ministro das Finanças, Vitor Gaspar. Ao longo da última semana, o mesmo Vítor Gaspar disse no Parlamento que novas medidas temporárias para tentar conter o déficit fiscal deverão ser tomadas para além do avanço no salário dos trabalhadores. Aqueles que “querem quebrar a unidade de propósito e a unidade de vontade dos portugueses”, emendou, estão a enfraquecer a posição do país e a “aumentar a probabilidade da concretização destes riscos catastróficos”.

As centenas de milhares que saíram as ruas no último sábado exprimem outro entendimento acerca de possíveis catástrofes. No dia em que Portugal parou para assistir ao maior protesto em décadas, no qual puderam soltar o grito de “Gatunos!” preso no peito, um morador de Coimbra circulava vagarosamente com o seu carro pelos bairros com um papel branco colado no vidro em que se lia: “Este primeiro-ministro é o coveiro do povo”.


Fotos: Mauricio Hashizume 

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