sábado, 13 de outubro de 2012

A crise no setor de laranja


Paulistanos chegam a pagar nos supermercados 676% a mais no preço da laranja por 150 quilômetros entre a região produtora e a capital paulista

Péricles de Oliveira

A citricultura de São Paulo passa por um momento grave. As frutas já estão sendo colhidas, mas por incrível que pareça não há mercado, nem preço. Ou seja, se os produtores (em sua maioria grandes fazendeiros) quiserem entregar para a indústria, ela recebe, mas sem compromisso de preço.
As indústrias esnobam cinicamente e dizem que deixarão de comprar ao redor de 30 milhões de caixas (de 40 quilos) da safra atual, devido ao aumento da produção no campo e a diminuição do mercado de consumo de sucos de laranja. E já há cerca de 10 milhões de caixas colhidas, porém recusadas pelas indústrias - por tanto começam a apodrecer nos galpões e laranjais, segundo denuncia o presidente do sindicato rural de Ibitinga e Tabatinga (SP), Frauzo Ruiz Sanches.
Os produtores calculam que o custo de produção de uma caixa de 40 quilos de laranjas é de aproximadamente de R$ 10 a R$ 12. Mas a indústria oferece apenas R$ 7. Ou seja R$ 0,17 centavos o quilo. Os pobres consumidores se forem aos supermercados de São Paulo, e tentarem comprar um saco de laranjas com 15 quilos, para sair mais em conta, pagarão mesmo assim: R$ 19,90. Ou seja, R$ 1,32 o quilo, 676% a mais para fazer 150 quilômetros, entre a região produtora e a capital paulista.
E ainda reclamam que o povo brasileiro não sabe tomar suco de frutas e dá preferência aos refrigerantes.
governo federal, como sempre, está socorrendo os fazendeiros e assinou portaria adiando o pagamento do crédito rural até 15 de fevereiro de 2013. Mas isso só adia o vencimento da dívida. Nem a diminui, nem ajuda a aumentar os preços ao produtor e nem aumenta o consumo entre a população.
Essa crise da citricultura deveria nos levar a refletir sobre a realidade do setor.
Porque isso está acontecendo? 
Os grandes jornalões da burguesia escondem de que a crise se deve a um processo histórico dos últimos 15 anos, em que houve a concentração dos produtores de laranja. Foram à falência mais de 25 mil pequenos e médios agricultores, que tinham seus laranjais, porém diversificados com outros produtos da agricultura. E assim não ficavam tão dependentes de um só produto e de uma única empresa. Agora, restaram poucos fazendeiros, com áreas superiores a 500 hectares e totalmente dependentes do monocultivo da laranja. 
Ao se tornar um monocultivo e destruir a biodiversidade natural, os laranjais ficam mais afetos a doenças e insetos, que leva à aplicação cada vez maior de agrotoxicos. O uso de inseticidas aumentou de tal forma, que até o governo dos Estados Unidos proibiu a importação de suco de laranja do Brasil no ano passado até que os produtores se comprometessem a não usar mais um inseticida que ja está banido por lá, mas que por aqui, as empresas transnacionais como a Basf, Bayer, Syngenta e Monsanto seguem utilizando e ganhando dinheiro com a sua venda.
A outra razão é a concentração das indústrias que levou a um verdadeiro oligopólio da produção do suco com apenas três grupos econômicos, entre eles a Citrus, da Votorantim, e a Cutrale. E esses grupos além de controlarem a agroindústria passaram a comprar terras e terem seus próprios laranjais, a partir dos quais controla o preço de oferta das laranjas.
Até o CADE (conselho econômico do governo que regula as atividades oligopólicas) foi acionado para fiscalizar, mas nada fez.
E a terceira razão é que todo o setor se organizou apenas para exportação. Nós exportamos mais de 80% de toda produção de laranja. Existe até um suco-duto que leva o suco concentrado até o porto. Desconsideramos a necessidade de abastecer o mercado interno e estimular o consumo de sucos de frutas no lugar de refrigerantes, fazendo com que o consumo de sucos de frutas per capita do povo brasileiro seja um dos mais baixos do mundo, apesar de sermos a sexta economia mundial, como diria a presidenta.
Acontece que a poderosa Coca-Cola é a que controla o mercado do suco de frutas lá fora e o mercado de refrigerantes aqui dentro. Então para os pobres brasileiros: refrigerantes, e para sua classe média do hemisfério Norte: suco de frutas! E assim ela ganha dinheiro com os dois mercados.
Mas como estamos enfrentando uma crise capitalista no mercado consumidor do Norte, sobrou por aqui a crise na produção nos laranjais.
Pelo menos agora a Cutrale não teve coragem de botar a culpa nos sem-terra, como fez em 2010, após uma ocupação que o MST fez de uma de suas dezenas de fazendas, em Iaras (SP), que é de propriedade da União, mas grilada pela empresa. Em clima eleitoral e aliada com o então governador Serra, a empresa satanizou a luta dos sem-terra culpando-os pela destruição dos laranjais.
Quem vai pagar a conta? Todo povo brasileiro. O governo vai usar recursos do Tesouro nacional para garantir subsídios aos fazendeiros - cada vez em menor número- e para as três grandes indústrias que controlam o mercado. Os fazendeiros da laranja, também pagarão com seus prejuízos. Já os três grupos econômicos e a Coca-Cola continuarão controlando o mercado e mantendo os seus lucros.
Qual seria a verdadeira saída ?
O governo financiar por meio do BNDES a instalação de dezenas de indústrias de sucos nas cooperativas ao longo do território. Voltar a fomentar a produção de laranjas, nao só em São paulo, mas em todo Brasil, para que os laranjais e o suco fossem produzidos próximos ao mercado consumidor popular. É um absurdo comprar laranjas paulistas, em Marabá (PA), Porto Velho (RO) e até no Sergipe, outrora grande produtor de laranja. E fomentar a instalação de laranjais baseados na agroecologia, em sistema de agroflorestas combinado com outros cultivos perenes e temporários, e assim produzir um suco sem agrotóxicos. Estimular o consumo de sucos de frutas entre a população e em especial incluindo na merenda escolar. E combater o consumo de refrigerantes, que só causam mal à saúde, em especial das crianças e adolescentes. Deveria ser proibida a propaganda nos meios de comunicação de qualquer tipo de refrigerante.
Quando todo o povo brasileiro tiver o direito de consumir sucos de frutas, não teremos mais crises na produção. Quando a indústria não for mais monopólio de meia dúzia de grupos econômicos, a economia brasileira poderá ter um crescimento permanente e distribuído ao longo do seu território.
Quando os laranjais não forem mais monocultivo, mas forem distribuídos ao longo de nosso território em pequenas e médias propriedades, estaremos livres dos agrotóxicos e dos humores do mercado internacional.

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