quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A UNIVERSIDADE E A VALORIZAÇÃO SOCIAL DOS JOVENS


Os acontecimentos de 2011 envolvendo a polícia militar do estado de São Paulo e estudantes no campus da Universidade de São Paulo, no Butantã, tornaram oportuna a leitura da entrevista do professor e sociólogo Florestan Fernandes, “Revolução não se faz na universidade”. Ela foi concedida e publicada em dezembro de 1978, para um jornal de orientação socialista, durante a ditadura, e republicado no livro Brasil: em compasso de espera (1980; reeditado em 2011).

Paulo Henrique Martinez
A indagação que deve ser feita é por que as autoridades governamentais e universitárias foram incapazes de responder, de forma compreensiva e explicativa, acessível ao conjunto da sociedade, a um fenômeno social como as manifestações estudantis na Universidade de São Paulo.
Afirmações infelizes e valorativas brotaram de bocas e penas de jornalistas, dirigentes de universidades, policiais e mesmo do Ministro da Educação. A simples condenação dos comportamentos, palavras de ordem e dos valores sociais e políticos presentes nestas manifestações em nada contribuem para o conhecimento e a promoção do jovem no Brasil. A quem interessa estigmatizar, e com tanta violência e virulência, os atos de insatisfação e de identidade do movimento estudantil deste século?
O apego a ideários, atitudes, padrões estéticos, imagens e personagens evocados pelos estudantes, na USP ou fora dela, traduzem a aguda espoliação social das perspectivas de futuro, de igualdade de oportunidades, de bem estar e de felicidade a que foi submetida a juventude neste século. A concentração de riqueza, o preconceito, o autoritarismo, a degradação ambiental, a pobreza, a ausência e a má qualidade dos serviços públicos, a corrupção, entre outras danações da sociedade globalizada, seguidamente, fazem explodir e canalizam a insatisfação estudantil. A rebelião volta-se para os ícones daquelas mesmas hierarquias inaceitáveis e seus representantes, governantes, instituições, bancos, edifícios, emblemas e posições sociais. Os que temem e condenam a agressividade destes jovens precisam examinar de onde ela desponta e as razões de seu nascimento.
Este fenômeno não é brasileiro, “uspiano” ou “terrorista”. Ele denuncia a condição do jovem, hoje e, junto com ela, o desejo de mudança e a busca incontida, imediata, de sua efetivação. O que as universidades, públicas e privadas, governos, partidos políticos, empresas, ONGs, entidades da sociedade civil oferecem aos jovens na atualidade? Os estudantes decidiram não esperar pelos outros. Eles têm um mundo a ganhar. Não precisam de autorização para sonhar e ansiar pelo futuro. São cidadãos, cheios de esperanças.
Foi esta a “notícia policial” que despertou a incompreensão e a prepotência social latente em grupos e indivíduos que, antes de expressarem opiniões construtivas e avaliações críticas, testemunham a persistência da intolerância, do mandonismo e das resistências que enfrenta o desenvolvimento democrático no Brasil.
A condição de estudante é temporária, preparatória para o ingresso no mercado de trabalho e na vida social, mas ela não é menos importante na socialização política e profissional dos estudantes. Eles estiveram presentes nas lutas contra a ditadura do Estado Novo, o golpe de 64, 1968, as campanhas pela Anistia, das Diretas-Já, da Assembleia Constituinte, do impecheament de Collor e muito mais.
As manifestações que assistimos na USP, em 2011, mais do que um movimento de confronto é sintoma das expectativas reinantes na sociedade brasileira contemporânea. Há um enlace inegável entre a universidade e a sociedade de classes. Esta recolhe na universidade os seus agentes operadores e reprodutores da ordem e do status quo na saúde, no mercado interno, na educação, na administração pública, no direito, na infraestrutura, nas profissões liberais daqueles que não sobrevivem como professores.
Surgem as dúvidas: o que a universidade significa para as diferentes classes sociais no Brasil? E para a situação do jovem na atualidade? O papel da universidade estará reduzido ao atendimento de uma sociedade crescentemente obcecada pela técnica e provedora de mão de obra? A responsabilidade do intelectual, do cientista, seja ele professor ou estudante residem nas tarefas críticas em salas de aulas, laboratórios, artigos, livros e pesquisas. A sua força e a sua capacidade política residem no seu trabalho crítico, esta é a força social e libertadora contida na universidade.
É preciso romper o isolamento cultural da universidade; uma universidade criadora, inovadora, aberta a experiências novas, com um padrão elevado de trabalho intelectual que alcance as tarefas que se imponham nesta direção e crie uma nova polarização política no ensino, na pesquisa e na cultura orientada para os grandes problemas da sociedade brasileira e latino-americana.
Uma universidade alienada não produz apenas alunos alienados, mas principalmente, e mais grave, por mais duradouro, professores alienados, guiados pela intolerância e desinteressados do inconformismo de todo tipo.
O ato de fumar maconha livremente e a ausência da polícia no campus, cabe perguntar, o que isso representa de transformação social? Nada. É o que nós já assistimos hoje, diariamente. Esta é uma posição simplesmente conservadora, de continuidade e permanência de condutas já observadas. Não se caracterizam sequer como movimento de transformação dentro da ordem. Trata-se de mera reprodução da ordem moral e social existente. Significa falta de socialização política. Um prolongamento do passado e do presente e não uma abertura para o futuro.
No passado recente da história política brasileira os estudantes ocuparam papel de vanguarda. Isto ocorreu mais pelo fato de outras vias de expressão política e de insatisfação social estarem vedadas, como durante o Estado Novo e a ditadura militar. Eles não foram os únicos. Logo, a eles se juntaram padres, advogados, artistas, trabalhadores rurais, operários, bancários, entidades culturais e profissionais (SBPC, ABI, OAB, sindicatos).
Como criar uma realidade política nova? No facebook? A aproximação com os setores oprimidos e explorados da nossa sociedade pode ser um estimulante caminho para um contato mais efetivo com a realidade social e política do Brasil, da divisão e das hierarquias típicas da sociedade de classes, para uma socialização política em conjunto com os segmentos sociais menos socializados politicamente.
Mais do que proclamar sentenças e emitir julgamentos sobre os jovens universitários ou a repressão moral e policial, caberia indagar as possibilidades e as necessidades de condutas sociais e de políticas públicas que valorizem a presença e a condição do jovem na sociedade brasileira no século XXI.
A promoção de uma revolução democrática pode abrir espaços para a voz e a vontade dos destituídos da participação na renda nacional, do acesso a terra, da cultura e da política e romper a exclusividade dos interesses de minorias historicamente privilegiadas na nossa sociedade civil. O maior problema a ser enfrentado no Brasil é político. Ele reside nas relações de dominação e de hierarquia política entre as classes sociais.
A eficácia da grande imprensa, dos setores tradicionais e conservadores da sociedade brasileira tem sido enorme na perpetuação do distanciamento, do desinteresse, do imobilismo e mesmo da condenação da mobilização e da vida política nacional e internacional. Há um movimento consciente, deliberado, destinado a despolitizar a sociedade.
Para responder e contrapor-se a ele há que se criar e manter condições de participação política da grande massa da população brasileira? Quais são as tarefas e os desafios para o trabalho político nesta sociedade do século XXI? Quais são as motivações para a educação e a mobilização política hoje em dia? A atividade política sempre foi um privilégio de poucos no Brasil, das classes médias e altas. A massa da população sempre foi considerada e tratada como inapta ou incapaz para participar da vida política da nação, para governar e para viver a democracia.
É preciso encontrar e difundir formas de luta que desmascarem a história política brasileira, marcada pela dominação social autoritária, exclusivista, repressiva, opressiva, espoliadora, violenta, discriminadora, machista, manipuladora das instituições e autolegitimadora. Aos que julgam que estou carregando nas tintas, eu lembraria a secular persistência da tortura na vida social brasileira, herdada da escravidão e ditaduras.
A outra tarefa desafiadora reside no desmascaramento dos seus agentes explícitos e dissimulados que operam a preservação e a reprodução da sociedade de classes no Brasil. Abrir um horizonte político de ação inconformista. Sem um movimento político inconformista não haverá educação política inconformista da população brasileira. Atualmente, esta é a maior dificuldade política. E a de como organizar um movimento deste tipo? O desafio de criar não apenas novas propostas, mas também eficientes tecnologias políticas.
Não basta a liberdade individual, falta-nos a igualdade social e a democracia ampliada, sem as quais aquela liberdade torna-se mera ficção, empulhação, podendo mesmo ser enrolada em papel seda de um simples e inocente “baseado”. Vira fumaça.
Paulo Henrique Martinez é Professor no Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis, UNESP.

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