quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Consumidor infantil: exposição à avalanche publicitária


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Debate sobre consumismo e sustentabilidade não pode se dar de maneira coerente sem levar em conta a camada mais vulnerável da população: as crianças e adolescentes, expostas frequentemente ao bombardeio constante de uma publicidade voltada para os mercados infantil e infanto-juvenil.
A educação para o consumo é hoje um dos maiores desafios para as famílias na formação das crianças e adolescentes. É praticamente impossível, hoje, encontrar pais que não passem por situações de estresse diante da insistência dos filhos em pedir um brinquedo novo, o salgadinho “da hora”, a roupa ou o celular da moda. No Brasil, país que lidera o ranking mundial do tempo diário gasto em frente à televisão, o marketing voltado para a criança não tem regulamentação, e a publicidade infantil circula livremente, sobretudo na TV, seja nos canais abertos, pagos, e até mesmo nas TVs públicas.
O publicitário Arnaldo Rabelo explica, didaticamente, que a indústria publicitária vê as crianças como futuros consumidores de marcas, que podem ser fidelizados desde pequenos. “As crianças são consideradas ‘influenciadoras de compras’ quando têm entre 4 e 7 anos, e praticamente ‘decisoras da compra dos produtos que consomem’, se tiverem entre 8 a 12 anos”, diz Rabelo.
Além disso, já é sabido que os pequenos têm grande influência na escolha de produtos para toda a família: de alimentos a eletrodomésticos, de roupas a carros. Não é à toa, portanto, que os recursos dedicados às campanhas de marketing para crianças são crescentes: em 2006, segundo dados do Ibope Monitor, os investimentos publicitários voltados apenas à categoria de produtos infantis foram de R$ 209 milhões. Já em 2012, segundo Rabelo, “a nossa estimativa é que o mercado de produtos infantis movimente R$ 65 bilhões no Brasil, com investimentos publicitários de mais de R$ 1 bilhão.”

Vulnerabilidade do consumidor infantil

Copyright: FotofunSe os investimentos destinados a fisgar o desejo infantil e influenciar a escolha das crianças são encrementados a cada ano, a preocupação de pais, educadores e diferentes agentes da sociedade civil em relação ao tema também tem aumentado. “Esse debate tem crescido de forma extraordinária, e fico muito feliz em ver que as famílias estão atentas”, diz a psicóloga Rosely Goffman, do Conselho Federal de Psicologia. “Não podemos fazer um debate mais consistente sobre consumismo e nem mesmo sobre sustentabilidade do planeta se os membros mais vulneráveis da sociedade, que são as crianças, encontram-se sob o bombardeio constante da publicidade”, diz Goffman, que defende, assim como o Conselho Federal de Psicologia e várias outras entidades, a aprovação do Projeto de Lei 5921/2001, que propõe a regulamentação da publicidade direcionada ao público infantil.
O Instituto Alana, uma ONG voltada para ação social na periferia da cidade de São Paulo, incluiu, desde 2005, entre seus focos de atuação, a discussão do impacto da mídia e do marketing na formação das crianças. “O consumismo é um hábito que pode se formar ainda na infância a partir de valores materialistas. Esses valores são transmitidos na sociedade de diversas formas, mas é certo que as mídias e as ações de comunicação de mercado têm um forte impacto nessa questão”, diz Gabriela Vuolo, coordenadora do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, para quem, entre os problemas de induzir a criança ao consumismo estão “a adultização da criança e sua erotização precoce, o aumento alarmante de obesidade infantil, o acirramento da violência, o consumo precoce de bebidas alcoólicas e de tabaco e a diminuição das brincadeiras criativas, essenciais ao desenvolvimento infantil”.
Por meio de realização e divulgação de pesquisas, organização de seminários e debates, e de encaminhamento de denúncias contra campanhas publicitárias, o Alana tem atacado os excessos da publicidade voltada para as crianças no país. A pesquisa “Monitoramento da publicidade de produtos e serviços destinada a crianças”, por exemplo, realizada quatro vezes ao ano, durante 15 dias antes de datas comemorativas que impulsionam o comércio, como a Páscoa, Dia das Crianças e Natal, mostrou que, no Natal de 2011, os anúncios voltados para as crianças ocuparam quase metade (46%) do espaço publicitário dos 15 canais monitorados.
“Quando um comercial na TV fala diretamente com a criança, entendemos que a ação é abusiva, por se aproveitar da vulnerabilidade infantil. Isso é, aliás, mencionado por lei no Brasil, no artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, que determina como abusiva e ilegal a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança”, diz Vuolo. No entanto, alerta ela, esse artigo não tem sido suficiente para proteger os direitos da criança, por não detalhar o que seria se aproveitar da deficiência de julgamento. “Por isso, o Instituto Alana defende que se crie no país uma lei específica que regule a comunicação mercadológica dirigida ao público menor de 12 anos”, completa.

Marketing: influência sobre valores e escolhas

Gabriela Vuola, Instituto Alan a. Copyright João Lacerda - DivulgaçãoA pesquisadora americana Susan Linn, autora de Crianças do consumo – a infância roubada, livro sobre as relações entre publicidade, mídia e infância nos EUA, aponta que, geralmente, as reclamações a respeito do marketing voltado para as crianças é centrada contra abusos envolvendo produtos como brinquedos violentos, junk food, álcool e tabaco. Para ela, no entanto, focar somente nesses produtos significa subestimar a magnitude do problema. O seu livro aponta que, “de igual importância são o volume de propaganda, os valores embutidos e o comportamento que essas mensagens inspiram. O marketing é formulado para influienciar mais do que preferências por comidas ou roupas. Ele procura afetar valores essenciais, como as escolhas de vida: como definimos a felicidade e como medimos nosso próprio valor”.
Rosely Goffman concorda: “Hoje vemos, nos consultórios particulares de psicologia, a chegada de crianças que consomem muito e que são potenciais adultos infantis, que têm dificuldade de relacionamentos e substituem essas ligações afetivas por produtos. Já no sistema público de atendimento psicológico, vemos crianças estimuladas para consumir sem que, às vezes, suas famílias possam arcar com os custos desse consumo. Elas são submetidas a uma sensação de falta gerada pela publicidade. E isso é muito grave, pois coloca a criança em conflito com os pais”, conclui a psicóloga.

“Lógica injusta”

Copyright: ColourboxRecentemente, agentes da publicidade, que alegam que seguem as normas determinadas pelo Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (CONAR), entraram mais intensamente nesse debate por meio do site “Somos todos responsáveis”, cujo foco é defender a publicidade como um elemento de informação e atribuir aos pais a responsabilidade pela orientação do consumo das crianças. “O que causa o consumismo é a falta de limites, que deve ser dada pelos responsáveis”, diz Rabelo, em sintonia com a campanha. “O que ocorre é um problema cultural. A nova geração de pais não sabe dizer não a seus filhos. Se não houvesse propaganda, ainda haveria vitrines. Se não houvesse vitrines, ainda haveria os produtos. Em qualquer caso, a criança pedirá os produtos. Em muitos casos, os pais tem que dizer não”, conclui.
Gabriela Vuolo diz essa é uma lógica injusta: “O que um pai pode fazer hoje para proteger seus filhos dos apelos para o consumo? Muito pouco, porque há um verdadeiro bombardeio de mensagens comerciais dirigidas às crianças, em todos os lugares”. Para ela, é injusto que os pais carreguem sozinhos essa responsabilidade. e que o resto da sociedade, incluindo o Estado, devem adotar medidas para proteger as crianças. “Os pais têm a toda hora que brigar com uma indústria bilionária que diz o tempo todo, por meio das mais variadas ações de marketing, que a criança tem que ter tudo para estar plenamente satisfeita”.
Tânia Caliari
é jornalista. Vive em São Paulo.
Setembro de 2012
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