segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Enchentes em SP: um novo prefeito e o velho grande problema


As inundações na capital paulista ainda constituem um grave problema, cujos prognósticos não são nada otimistas e exigem uma mudança profunda nas atuais medidas para amenizar os seus efeitos e avançar no seu controle. É necessário também estabelecer uma efetiva política de controle, voltada para o conjunto da população e articulada com um plano diretor. O artigo é de Delmar Mattes.

As enchentes em São Paulo ainda constituem um grave problema, cujos prognósticos não são nada otimistas e exigem uma mudança profunda nas atuais medidas para amenizar os seus efeitos e avançar no seu controle. Para enfrentar essa situação o futuro prefeito da cidade deverá elaborar uma política que exigirá a consideração de três fatores fundamentais: 1. os efeitos ainda atuantes de uma política de urbanização adotada desde o final do século passado e que não foi definitivamente superada; 2. os impactos da atual “urbanização global” realizada por grandes empresas – com participação, inclusive, do capital financeiro internacional – e inspirada em políticas neoliberais; e 3. as previsões de aumento de chuvas em decorrência das mudanças climáticas globais.

As obras e os efeitos do modelo de urbanização

Desde o início do século 20 praticamente todos os governos, tanto estaduais como municipais, vêm aplicando políticas equivocadas de controle das enchentes, responsáveis pelo contínuo agravamento das inundações. Os dois principais fatores são: intervenções e obras concentradas nas calhas dos cursos d’água e uma urbanização sem controle e planejamento que gera grandes impactos no sistema de drenagem da cidade e em todos os municípios da Região Metropolitana de São Paulo.

No tocante às intervenções prioritárias nas calhas dos córregos, até o início da década de 1990 eram prioritariamente de retificação e canalização, tendo sido substituídas posteriormente por reservatórios de detenção e retenção, denominados impropriamente de “piscinões”. As obras de canalização/retificação, não obstante terem consumido fabulosos recursos públicos durante um longo período da história e enriquecido muitas empresas, criaram uma situação caótica para a cidade. Isso porque acabavam transferindo as enchentes para outros trechos de cursos d’água.

O aumento dessas obras foi intenso: de um total de 1.500 km de extensão de cursos d’água, cerca de 350 km já tinham sido canalizados até a metade da década de 90. Durante a administração de Luíza Erundina, surgiu um projeto alternativo (reservatórios de detenção/retenção) que permitia o armazenamento das águas de chuvas para o seu posterior escoamento, evitando a transferência de enchentes na rede hidrográfica.

No entanto, o projeto (reservatório do Pacaembu) tinha sido concebido para as condições específicas do local e não pretendia ser uma alternativa generalizada e única para toda a bacia do Alto Tietê. Tal alternativa passou a ser seguida posteriormente, e predomina até hoje nas duas esferas de governo – há um plano para a construção de mais de uma centena de unidades.

Os reservatórios constituem uma solução importante para o enfrentamento de enchentes em sub-bacias intensamente urbanizadas, mas no seu emprego é preciso considerar algumas dificuldades. Entre elas, a necessidade de um eficiente e permanente serviço de manutenção e limpeza (inclusive para remover o volume de materiais acumulados pelas chuvas, cujo custo é bastante elevado), além do mau cheiro das águas contaminadas com esgotos e o uso, para a sua construção, de áreas verdes e públicas já muito reduzidas na cidade. Uma eficiente política de controle de enchentes exige avaliações detalhadas em cada sub-bacia, de modo a aproveitar as condições favoráveis do uso do solo, tais como as várzeas naturais e as áreas permeáveis e verdes e outras. Os reservatórios devem constituir uma alternativa, porém, após um estudo minucioso dos critérios locais.

Outro fator fundamental na formação das enchentes da cidade de São Paulo é o fato de a extensa urbanização caótica predominante durante toda a expansão da cidade ter sido implantada segundo os interesses do mercado. Essa urbanização devastou a vegetação natural, causou uma intensa e descontrolada impermeabilização do solo, bem como uma grande ocorrência de processos erosivos, principalmente, nas áreas periféricas da cidade.

Essas erosões, originadas por um abusivo movimento de terra, implantado em loteamentos segundo o critério de “terra arrasada”, contribuem para o agravamento das enchentes, uma vez que geram grande quantidade de materiais transportados para a rede de drenagem. Nos anos 1990 eram retirados pelo Estado milhares de metros cúbicos de materiais dos rios Tietê e Pinheiros a um custo anual que chegava a 43 milhões de dólares. Os serviços de desassoreamento continuam até hoje, sem que tenha sido posta em execução uma política de controle das erosões em toda a região metropolitana.

A nova urbanização

Atualmente São Paulo enfrenta uma urbanização que, sem um plano diretor, atende os interesses do mercado imobiliário, que visa as camadas de maior poder aquisitivo e produz uma intensa exclusão social, dando continuidade à expansão periférica desordenada. Suas obras, por ignorarem as características das sub-bacais hidrográficas e por serem totalmente desarticuladas de um plano diretor, só tendem a contribuir para o agravamento das enchentes.

As mudanças climáticas globais e uma mudança da política

A tendência de aumento de precipitações e do volume das chuvas (que já vem ocorrendo nos últimos anos) só tende a piorar ainda mais esse quadro crítico, ameaçando reduzir a função dos reservatórios de detenção no controle de enchentes já implantados. É necessário, portanto, mudar radicalmente o gerenciamento dos efeitos das enchentes de modo a amenizar os seus efeitos e estabelecer uma efetiva política de controle, voltada para o conjunto da população e articulada com um plano diretor.

(*) Geólogo, professor e integrante do Coletivo Curupira.

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