A PRESIDÊNCIA da República acaba de divulgar um novo programa de governo. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) revelou que uma de suas prioridades será o “Vozes da Classe Média”, um conjunto de medidas que pretendem ser a base das políticas públicas para esse setor de nossa sociedade. Em tese, tudo parece correto e adequado. Porém, nos detalhes daquilo que passa a ganhar destaque nas páginas dos grandes órgãos de imprensa, a realidade é bem mais complicada do que aparenta.
Paulo Kliass
Paulo Kliass
De acordo com a SAE, os limites de renda mensal per capita para se enquadrar no conceito de classe média seriam de R$ 291 a R$ 1.091. Segundo esse critério sem pé nem cabeça, todas as situações típicas de nossa triste pobreza passam a ser de classe média. Como num passe de mágica, os problemas de uma vida sofrida desaparecem. Imaginemos o caso bem comum de um casal sem filhos, onde um dos cônjuges esteja desempregado e o outro receba um salário mínimo por mês. A renda da família é de R$ 620, correspondendo a R$ 310 para cada. Logo, estão na classe média! Os responsáveis pelo programa do governo parecem não saber o quanto se gasta a cada mês com transporte, gás, luz, telefone, cesta básica, para poder mal e mal sobreviver nessas condições em uma grande cidade.
No outro extremo, temos um casal típico, em que ele receba o piso de uma categoria de trabalhadores, como os metalúrgicos do ABC. E a esposa receba o piso salarial de outra categoria, como os bancários de São Paulo. Ora, esses dois assalariados recebem um pouco acima do limite superior desse conceito arbitrário de classe média. De acordo com o programa, eles já pertenceriam à classe alta, à elite brasileira! Uma loucura!
Aparentemente, o objetivo do governo é vender a ilusão de que as políticas de transferência de renda transformaram o Brasil de forma radical. “Não, não somos mais um país com elevado grau de pobreza e bolsões de miséria. Não somos mais um país marcado pela injustiça e pela desigualdade. Agora somos um país de classe média”. De acordo com o programa Vozes da Classe Média, mais de 53% de nossa população pertencem a essa nova camada social. Seriam 104 milhões de pessoas.
Ao invés de vender a enganação de uma falsa ascensão social generalizada, o governo deveria é se preocupar em resolver as graves questões sociais que afligem a grande maioria de nosso povo. Isso implica mudar a orientação de corte de recursos e liberar verbas orçamentárias para programas públicos essenciais na área de saúde, educação, saneamento e outros. Mas a opção tem sido a de promover benesses para favorecer o grande capital, por meio de subsídios, concessões e isenção de impostos. E enquanto isso, tenta convencer o povo pobre de que – agora sim – ele pode se orgulhar de fazer parte da classe média.
Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.
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