quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Um mar de virgens — a Reed Dance e a força feminina



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Projeto Afreaka acompanha ritual feminino da cultura zulu, da África do Sul, e descobre tradição misturada à modernidade
Por Flora Pereira e Natan de Aquino, do Projeto Afreaka
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Elas são 20 mil. Todas incólumes, intocáveis, intactas. De corpo de fora, elas se exibem orgulhosamente enquanto caminham em direção ao palácio. As donzelas virgens vieram se apresentar para o Rei Goodwill Zwelithini: uma delas pode ser escolhida para ser sua próxima esposa. Em grupos, elas sobem pela estrada carregando uma comprida vara de cana, enquanto dançam e cantam em coro, consolidando um dos maiores patrimônios da cultura zulu, a Reed Dance.
A origem do uso do junco de cana (reed) carregado pelas garotas tem múltiplas versões na mitologia zulu. Alguns dizem que é o mesmo tipo utilizado pelos antepassados para construir as jangadas dos homens que viajavam a explorar outras regiões. Outros acreditam que o ancestral que originou a etnia emergiu de um leito feito com pau de cana. Sendo verdadeira uma, outra, nenhuma ou todas as versões, com seus cabos de cana e suas donzelas, a dança, que havia sido proibida durante o período de apartheid, é responsável por um renascimento político e cultural, que mantêm vivas tradições seculares.A escolha do Rei, mais existente na mídia do que na realidade, é na verdade pano de fundo da cerimônia. Goodwill, descendente direto de Shaka Zulu, o responsável pela criação do império homônimo, desde que assumiu o trono, em 1968, só casou com seis pretendentes. Pouco, perto do número que alcançaram alguns de seus antepassados. O verdadeiro motivo do encontro é a celebração da virgindade e do respeito às jovens mulheres. Durante três dias, elas são as protagonistas – e sabem disso. Sorriem, brincam, fofocam, posam para as fotos e aproveitam o centro das atenções. É um dia de empoderamento feminino na nação zulu.
As milhares de garotas são lideradas por uma das filhas do rei, também virgem – quesito crucial para poder participar da celebração – que abre caminho até a entrada do castelo, onde depositarão a vara em homenagem ao Rei. A fila, que parece infinita, é dividida em grupos por região de proveniência. Para cada região, trajes diferentes, confeccionados com complexos trabalhos de miçanga, especialidade e antiga tradição artística zulu, que contrastam com os óculos modernos, relógios coloridos e celulares da última geração.
Toda a cerimônia é educativa e elas estão ali para aprender a valorizar a própria feminilidade e ter orgulho de seus corpos. Antes e durante a dança, as donzelas são acompanhadas pelas amaqhikiz, mulheres mais velhas, que orientam uma a uma sobre a importância do seu papel como jovem na sociedade e na sua própria cultura. Um dos mandamentos apreendidos durante o processo é sempre esperar respeito dos homens, reis e não reis. O evento conta também com infraestrutura de orientação vocacional: barracas de faculdades, cursos técnicos e diferentes áreas de trabalho público e privado.
Nos intervalos entre as festividades, pretendentes (vale lembrar que o prestígio da virgindade serve para os dois sexos) de todos os lugares da província, em busca de uma futura esposa, se empoleiram do lado de fora das enormes tendas onde durante os três dias de festa se concentram as izimtobi, ‘jovens virgens’. Quem abordá-las, mesmo que escolhido, vai ter que ter paciência, pois não vai levar um sim para casa – responder ‘volte depois’ faz parte da etiqueta local de cortejo, enraizada nos hábitos tradicionais.
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