domingo, 16 de dezembro de 2012

A raiva das elites e a espiritualidade



 
Jung Mo Sung
Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.
Adital
Há na raiva que as elites dominantes sentem em relação às lideranças que questionam o status quo, como Lula, Obama ou Chávez, algo que vai além da "luta de classes” ou da defesa dos seus interesses econômicos. Essa raiva, que alguns procuram esconder atrás de discursos "civilizados”, aparece nas ironias e acusações genéricas nos grandes meios de comunicação e também no radicalismo político visto, por ex, na direita norte-americana na eleição presidencial, visando não permitir a reeleição de um presidente que é negro e, para piorar, pretende aumentar gastos sociais com pobres e imigrantes. A reeleição de Obama significou que um negro não ganhou a primeira eleição presidencial por acaso, por um lapso da sociedade, que a linha divisória da raça foi mais uma vez, ainda que não de modo definitivo, ultrapassada. Por isso, a raiva da elite branca tradicional e dos setores médios que se identificam com ela.
No caso brasileiro, é mais claro que a teoria de classes ou de interesses econômicos não é suficiente. Como dizia Lula, quando estava na presidência, a burguesia brasileira ganhou muito dinheiro com a política econômica do seu governo e também com os programas sociais. Afinal, quando os pobres passam a consumir muito mais que antes, é a burguesia que lucra a porção maior desse crescimento econômico e distribuição de renda.
Passada a euforia de ganhar dinheiro, enquanto o mundo estava em crise econômica, a elite brasileira tradicional voltou ao seu estado normal e procura qualquer e todo motivo para atacar a imagem de Lula e do governo da sua sucessora, a presidenta Dilma. É claro que houve e há problemas de diversas ordens no governo Lula e o atual, mas a forma como a mídia os trata é muito diferente de como tratou, por ex, no governo Fernando H. Cardoso. As ironias, críticas imponderadas e desproporção de enfoques na apresentação dos fatos mostra, ao meu ver, um desejo – não importa se consciente ou inconsciente – de revanche ou vingança; um acerto de contas que não dá para ser medido objetivamente ou em termos econômicos.
Uma pessoa muito próxima de mim, que inconscientemente se identifica com a elite tradicional, me perguntou às vésperas da última eleição municipal em S. Paulo: "como você pode votar no Haddad, alguém indicado por Lula, que acabou com o país, que colocou o país nesse caos!”. É claro que ela estava se referindo a situação do Brasil como caos influenciada pelas notícias sobre o julgamento do mensalão e de outros comentários sobre Lula e o PT. Foi uma reação tão "irracional”, espontânea e meio fora de si, por parte dela que outras pessoas que estavam juntas na conversa mudaram de assunto para evitar situação desagradável no jantar.
O preconceito contra Lula não se explica meramente por "interesses econômicos” ou por "luta de classes”. Capitalistas "puros”, aqueles que não deixam que nada (ou quase nada) interfira no cálculo dos interesses econômicos não teriam muito problema com um novo governo estilo Lula. Pois sabem que a distribuição de renda (que é diferente da distribuição de riqueza acumulada) é hoje um fator importante na acumulação do capital. O problema é que os capitalistas são também pessoas de carne e osso, com preconceitos culturais e problemas de identidade pessoal.
Se a riqueza fosse suficiente para realização pessoal ou para constituição de uma identidade pessoal humanizadora, como propaga a ideologia capitalista neoliberal, essas pessoas não nutririam essa raiva e preconceito contra lideranças sociais ou políticas que representam e/ou defendem a dignidade dos pobres, negros, índios, mulheres... Elas estariam satisfeitas com elas mesmas e não haveria lugar nelas para essas raivas injustificadas. Esses preconceitos e raiva, que vão contra seus interesses econômicos, mostram que há outras questões profundas em jogo. Revelam sua necessidade de se sentirem superiores. Sentimento esse que é desvelado, revelado como mentira, quando um negro se elege presidente de um país racista ou quando um operário nordestino se torna presidente mais popular da história do Brasil e é reconhecido internacionalmente por suas políticas econômicas e sociais que colocaram como o objetivo principal o direito de todos/as brasileiros/as de comer três refeições ao dia.
Governos Obama, Lula, Dilma ou Chávez têm, é claro, seus problemas, erros e também casos de corrupção; como todos governos. Criticá-los é um dever dos meios de comunicação, da sociedade civil e da oposição política. Mas, quando a raiva e preconceito dominam o "tom” dessas críticas, o que está em jogo é algo mais profundo do que luta política, liberdade de expressão ou democracia. Está em jogo o que os antigos chamavam de espiritualidade, não uma espiritualidade restrita à vida pessoal, mas que toca a toda sociedade. (a continuar)
[Jung Mo Sung. Autor, com N. Míguez e J. Rieger, de "Para além do Espírito do Império”, Paulinas, 2012. Twitter: @jungmosung].

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