domingo, 9 de dezembro de 2012

Crises econômicas acentuam sentimentos separatistas


Banners no estádio Camp Nou, do FC Barcelona, há muito tempo declaravam: “A Catalunha não é a Espanha”.

Roger Cohen
Torcedores do Barcelona fazem um grande mosaico com as cores da bandeira da Catalunha
Torcedores do Barcelona fazem um grande mosaico com as cores da bandeira da Catalunha
Essa afirmação ganhou impulso no fim semana passado, após partidos pró-independência terem vencido as eleições catalãs e fortalecido o desejo dos habitantes da região pela realização de um referendo sobre a secessão, desafiando a Constituição espanhola e Mariano Rajoy, o primeiro-ministro de centro-direita que vem enfrentando vários problemas.
Na verdade, a crise econômica da Espanha está tão grave que Rajoy declarou em junho passado que “a Espanha não é Uganda”, o que levou o ministro das Relações Exteriores do país africano a responder, no dia seguinte, que “Uganda não quer ser a Espanha!”.
Dessa forma, ao que parece, a maioria dos 7,5 milhões de cidadãos da Catalunha já não quer fazer parte da Espanha – e a maioria dos ugandenses preferem ficar em Uganda. A crise da zona do euro acentuou o ressentimento de longa data da Catalunha em relação às transferências de impostos para Madri e aguçou o nacionalismo da região detentora da maior economia da Espanha – maior do que a da Grécia, como os catalães gostam de destacar.
(Elena Salgado, ex-ministra da Fazenda da Espanha, observou em 2010 que “a Espanha não é a Grécia”. Posteriormente nesse mesmo ano, claramente irritado, o então ministro da Fazenda grego declarou que, “a Grécia não é a Irlanda”. O ex-Ministro da Fazenda irlandês, Brian Lenihan, respondeu que “a Irlanda não está em território grego”. Enquanto isso, o secretário-geral da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) declarava: “Nem Espanha nem Portugal são a Irlanda”).
    A crise do euro é também uma crise da geografia do euro. A Escócia marcou para 2014 um referendo sobre sua independência, 307 anos após a união política que criou o Reino Unido. O Reino Unido murmura sobre sua saída da União Europeia.
    Esqueçamos a globalização, o desaparecimento das fronteiras na Europa, os mundos cibernéticos sem muros, a hiperconectividade e todas as forças que parecem zombar do Estado-nação e defendem, de alguma forma, a governança global.
    As pessoas estão entediadas e irritadas. Elas não conseguem obter novos empregos. Elas querem novas fronteiras, especialmente devido ao fato que a probabilidade real de ter que defendê-las em uma guerra se tornou infinitamente remota.
    As pessoas querem ser cidadãs hiper-locais e “cyberglobais” do mundo com passaportes de microestados. Os desejos parecem se equilibrar entre si.
    Do outro lado do Atlântico, há tendências semelhantes. No Texas – onde Mitt Romney venceu por quase 1,3 milhão de votos – as conversas relacionadas à secessão aumentaram. Larry Scott Kilgore, candidato republicano, anunciou que vai se candidatar ao cargo de governador em 2014 e mudar legalmente seu nome para Larry Secede Kilgore.
    Os texanos, revelando uma improvável coceira europeia, gostam de ressaltar que a economia do Texas é maior do que da Austrália. A Austrália, entretanto, tem muitos cidadãos de ascendência grega, mas definitivamente não é a Grécia.
    Como Tom Wolfe escreveu em seu novo romance, “Estamos de volta ao sangue! A religião está morrendo... mas todo mundo ainda tem que acreditar em algo. Seria intolerável – você não conseguiria suportar isso... finalmente, você diria a si mesmo: ‘Por que continuar fingindo? Eu não sou nada, apenas um átomo aleatório dentro de um superacelerador de partículas conhecido como universo’”.
    À medida que as dificuldades econômicas aumentam, também crescem os sentimentos tribais. A angústia do átomo aleatório faz com que as pessoas apertem o passo em direção a novas bandeiras, num momento em que 800 milhões de ciberusuários sem fronteiras se unem para assistir ao vídeo “Gangnam Style” no YouTube.
    É claro que a imigração, o desejo e o amor se misturaram no sangue das tribos de escoceses, texanos e catalães (chame-os de "Escóciatexacatalúnia" por sua coceira separatista compartilhada.) “Eu sou um vira-lata”, Barack Obama disse um dia. Dessa forma, cada vez mais vivemos em um mundo conectado, ligado por remessas de dinheiro, no qual muitos vivem com, digamos, um pé em Birmingham e outro em Lahore.
    Glasgow tem uma população muçulmana significativa. Mais de um terço da população do Texas é formado por hispânicos. A Catalunha tem muitos imigrantes que falam apenas espanhol. A vontade de erguer novas fronteiras é, em essência, um anacronismo.
    Cerca de 1,5 milhão de pessoas foram às ruas de Barcelona para pedir a independência da Catalunha, região que pertence à Espanha
    Ou será que não? A crise do euro é percebida como uma crise do excesso de soberania conjunta. Talvez uma reação seja racional (mesmo que catalães e escoceses digam que gostariam de fazer parte da União Europeia desde que possam administrar seus assuntos internos): o ressentimento econômico se traduz no ressurgimento da identificação com a cultura nacional.
    No Texas, onde os termos de entrada na União dos Estados Unidos, em 1845, ainda são debatidos, é um pouco diferente. Os principais ressentimentos são sociais, e não econômicos. Viver com todos os intelectuais, liberais pró-aborto,donos de automóveis Subaru que elegeram Obama é demais para alguns texanos.
    Em 1996, comecei a escrever um texto intitulado de “Forças globais atacam a política” com as seguintes palavras: “Em grande parte do mundo de hoje, a política fica atrás da economia, como um cavalo e um carrinho de bebê azarados que tentam alcançar um carro esportivo. Enquanto os políticos experimentam os acontecimentos das eleições nacionais – oferecendo programas e slogans quiméricos – os mercados mundiais, a internet e o ritmo furioso do comércio envolvem as pessoas em um jogo global no qual os representantes eleitos figuram como pouco mais do que coadjuvantes”.
    Dezesseis anos se passaram desde então. A política nacional, como o presidente da França, François Hollande, é o último a descobrir, muitas vezes não vai além de fazer ajustes marginais no exíguo espaço político deixado pelos mercados e por outras forças globais. E isso está acontecendo na França!
    Os desejos secessionistas ressoam em tempos difíceis. Mas eles enfrentam os ventos contrários da lógica mundial, dos negócios e da política. Eu suspeito que toda a "Escóciatexacatalúnia" – e menos Kosovo do que Quebec – sucumbirá, por fim, ao bom senso de união.
    Tradutor: Cláudia Gonçalves

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