quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Debate sobre nova regulação divide imprensa britânica


Debate sobre nova regulação divide imprensa britânica

A imprensa britânica está dividida entre os que aceitam a necessidade de um sistema qualitativamente distinto do atual, ainda que sem um regulador externo (centro-esquerda, The Guardian, The Independent) e os que buscam uma autorregulação com algumas medidas vistosas como as multas de até um milhão de libras, mas dominada ainda pelos diretores dos jornais (grupo Murdoch e imprensa de direita). O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.

Londres - Nos últimos 70 anos o Reino Unido formou sete comissões para investigar a imprensa e formular recomendações sobre seu futuro. Em 1990, à luz da cobertura jornalística da família real, a Comissão Calcutt advertiu a imprensa de que era a última oportunidade de autorregular-se. O fracasso dessa autorregulação foi evidente com o escândalo das escutas telefônicas de ligações de celebridades e cidadãos comuns, que estourou em julho do ano passado. No dia 29 de novembro, a Comissão Leveson, nomeada para investigar a “cultura e a prática da imprensa”, propôs a criação por lei de um organismo supervisor que vigiasse um reforçado código de autorregulação da imprensa.

O primeiro ministro David Cameron rechaçou a promulgação de uma lei porque “poria em perigo a liberdade de imprensa” e propôs a realização de um diálogo com os outros partidos políticos e os chamados barões da imprensa para chegar a um acordo sobre o tema. Em nível político, a resposta de Cameron equivale a um duplo salto mortal para evitar o antagonismo da poderosa imprensa britânica e das vítimas da intrusão jornalística. Hacked Off, a organização que representa as vítimas, conta com figuras de forte impacto popular como o ator Hugh Grant e os pais de Madeleine McCann, a menina desaparecida em Portugal há cinco anos, organizou uma campanha de coleta de assinaturas em favor da regulação que reuniu em poucos dias mais de 140 mil pessoas.

A violação da intimidade é um ponto central da Comissão Leveson, de outras anteriores e do debate em geral sobre a regulação da imprensa. A interceptação das mensagens telefônicas de uma adolescente desaparecida, a acusação e criminalização de supostos assassinos ou violadores que se revelaram falsas, as campanhas contra pessoas que não haviam cometido nenhum crime, a perseguição incansável de celebridades que teve um de seus pontos culminantes com o acidente e a morte de Lady Di em 1997 são alguns dos capítulos mais notórios da poderosíssima imprensa sensacionalista britânica. Mas Leveson também tocou no aspecto político. A Comissão descobriu uma incestuosa relação entre a imprensa e a classe política, entre o grupo Murdoch e os partidos Conservador e o Trabalhista, entre a polícia e os jornais. “Não há provas de acordos por baixo da mesa. Foi muito mais sutil do que isso. Durante os últimos 35 anos, a relação foi marcada por uma insalubre proximidade”, assinalou o juiz Leveson.

A autorregulação, consagrada em 1953 como uma espécie de princípio sagrado, deu à imprensa um poder especial no universo midiático. “A televisão e a rádio tem um órgão regulador independente, a OFCOM, que as obriga a ter uma cobertura muito mais equilibrada que contemple todas as opiniões em torno de um tema e a não lançar campanhas em torno de um tema como, por exemplo, a corrupção. A imprensa não tem essa limitação. O escândalo dos pagamentos aos deputados surgiu na imprensa escrita. Neste sentido, é a que melhor pode desafiar o poder político”, disse à Carta Maior o especialista em meios de comunicação da London School of Economics, Charlie Beckett.

A imprensa sustenta que uma regulação colocaria em perigo este lugar crítico e investigativo do poder de plantão e a existência de uma verdadeira pluralidade midiática. O problema é que essa pluralidade midiática está em perigo desde que, no início dos anos 80, a primeira ministra Margaret Thatcher autorizou o grupo Murdoch, que possuía cerca de 40% da imprensa escrita, a lançar a cadeia televisiva Sky. Com esta medida, a dama de ferro deu ao grupo uma influência sobre a opinião pública que logo o converteu no “queridinho” da classe política. 

Unido a Thatcher pela ideologia e seus próprios negócios, Murdoch apoiou os conservadores e foi crucial da derrota do trabalhista Neil Kinnock em meio a uma recessão (“O último a sair apague a luz”, mancheteou o The Sun no dia das eleições) e deu impulso ao Novo Trabalhismo após Tony Blair cruzar meio planeta para explicar ao News Group as mudanças que havia realizado em seu partido.

Neste sentido, o escândalo das escutas, que revelou um verdadeiro serviço de espionagem no hoje fechado dominical News of the World foi um duro golpe para o grupo, mas está longe de constituir um 7D a la Argentina. O juiz Brian Leveson destacou que o regime de propriedade midiática não é satisfatório mas, por não fazer parte do mandato específico da Comissão que presidiu, esse tema não foi alvo de debate. O líder do trabalhismo, Ed Miliband, que apoiou plenamente as recomendações do juiz Leveson, propôs um retorno a era pré-Thatcher no que diz respeito à propriedade dos meios de comunicação.

No entanto, no momento, o eixo do debate é regulação ou autorregulação. A própria imprensa está dividida entre os que aceitam a necessidade de um sistema qualitativamente distinto do atual, ainda que sem um regulador externo (centro-esquerda, The Guardian, The Independent) e os que buscam uma autorregulação com algumas medidas vistosas como as multas de até um milhão de libras, mas dominada ainda pelos diretores dos jornais (grupo Murdoch e imprensa de direita). “Creio que a Comissão é um sinal de alarme para a imprensa, um momento histórico no qual os jornais terão que escolher entre viver no passado ou refundarem-se para seguirem vivos no futuro”, disse Charlie Beckett para a Carta Maior.

Tradução: Katarina Peixoto

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