quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Doha: o lugar onde os acordos mundiais morrerão?



 
Amy Goodman
Presentadora de Democracy Now!, noticiero internacional diario emitido en más de 700 emisoras de radio y TV en Estados Unidos y el mundo
Adital
Tradução: ADITAL
Doha, Catar. A 18ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática está acontecendo no emirado do Catar, no Golfo Pérsico, um país pequeno, porém, extremamente rico e o maior emissor de gases de efeito estufa per capita no mundo. Ao ingressar ao opulento Centro Nacional de Convenções de Catar, os delegados, a imprensa, os dignatários e a legião de trabalhadores estrangeiros mal remunerados que se encontram aqui, devem passar por baixo de uma enorme aranha. Trata-se de uma estátua de bronze de 9 metros de altura chamada "Mamam”, realizada pela escultora franco-estadunidense Louise Bourgeois. Foi eleita pela esposa do emir e custou ao redor de 10 milhões de dólares. O governo de Obama foi acusado, com razão, de fazer fracassar as negociações sobre mudança climática da ONU nos últimos anos, o que faz dessa aranha um símbolo adequado, segundo a descrição do famoso poema de 1808, de Sir Walter Scott:
"Que teias de aranha tão enredadas tecemos
na primeira vez que praticamos e o engano”.

Na cúpula, reconhecida como COP 18 (18ª Conferência das Partes), falei com o cientista especialista em clima, Bill Hare, um dos principais autores do novo relatório do Banco Mundial "Baixemos a temperatura: Por que é preciso evitar que a temperatura do planeta aumente 4ºC?”. Enquanto os meios estadunidenses estão centrando sua atenção no denominado "precipício fiscal”, perguntarei a Hare: como se poderia esperar que o maior emissor histórico de gases de efeito estufa do mundo, os Estados Unidos, contribua para um fundo mundial para combater a mudança climática?
"Sem dúvidas, estamos ante um precipício climático. Atualmente, enfrentamos um tsunami de carbono no qual grandes quantidades de carbono estão sendo emitidas em um ritmo mais rápido do que nunca antes na história. E é esse tsunami de carbono que, provavelmente, aquecerá o planeta, provocará um aumento do nível do mar e acidificará os oceanos. Chegou o momento em que, de fato, devemos mudar de direção ou enfrentaremos riscos catastróficos em muitas regiões vulneráveis. Com certeza, os países pobres não são os únicos a estar em risco. O furacão Sandy demonstrou uma vez mais que inclusive os países ricos têm regiões extremamente vulneráveis à mudança climática”.
Apenas um dia depois de entrevistar ao Dr. Hare, um forte tufão azotou as Filipinas. Falei com o principal negociador sobre clima de Filipinas, Naderev Sano, apenas minutos depois que fosse divulgada a notícia do tufão. "É muito alarmante para nós o fato de saber que um tufão dessa magnitude normalmente não atingiria essa parte do país. De fato, em meio século, é a primeira vez que um tufão como o Bopha chega ao extremo sul do país”. Perguntei a Sano o que esperava das negociações em Doha; sua resposta:
"A principal grande medida que deve ser tomada para conseguir que as negociações em Doha sejam um êxito, antes de tudo, é acordar o segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto. Esse é um processo com o qual estamos realmente comprometidos, pois é o ponto de partida para alcançar metas mais ambiciosas para todo o mundo”.
O Protocolo de Kyoto é o único tratado mundial legalmente vinculante que obriga aos países a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. A menos que sejam tomadas medidas, no final de dezembro 2012 perderá vigência. Sano explicou: "Se não tivermos êxito em Doha, no início de 2013 não teremos nada. Estaremos frente a um sistema em que a mudança climática atingirá a um mundo que não teve vontade política para dar uma resposta à crise climática”.
Outro participante da cúpula é Kumi Naidoo, diretor executivo de Greenpeace Internacional. O entrevistei por última vez por telefone quando estava pendurado na plataforma de petróleo russa de Gazprom, no Oceano Ártico, como parte de uma campanha para evitar as perfurações naquele local, enquanto lhe atiravam jatos de água fria, na tentativa de tirá-lo de lá. Antes de vir a COP 18, Naidoo escreveu: "Doha já tem má reputação devido ao estancamento das negociações sobre comércio da OMC. Outro fracasso mais fará com que Doha seja conhecido como o lugar onde os acordos mundiais morrem”.
Em uma conferência de imprensa realizada em Doha, Naidoo lançou um ataque retórico ao governo de Obama. Com respeito à referência do Presidente Obama à mudança climática em seu discurso de vitória, em 6 de novembro passado, Naidoo disse: "O fato de que tenhamos esses dois negociadores, os dois principais negociadores dos Estados Unidos aqui, dizendo-nos que na realidade nosso país teve uma excelente gestão durante os últimos quatro anos de governo de Obama e que manteremos uma causa firme e decidida e, de fato, continuaremos defendendo dita causa durante os quatro anos que restam de presidência de Obama é uma falta de respeito. É uma falta de respeito de parte do presidente Obama impor-nos dois negociadores que atuam como se Obama nunca tivesse realizado esses comentários sobre mudança climática após sua reeleição. E lhe dizemos firmemente que, ou chame a seus delegados principais aqui e lhes dê um mandato diferente para essas negociações, ou lhes peça que regressem a Washington, porque somente estão ocupando espaço e estão entorpecendo as negociações”.
Quando pedi ao negociador de clima dos Estados Unidos, Jonathan Pershing, que respondesse aos comentários de Naidoo sobre se estava obedecendo à postura de Obama, me respondeu: "Sem comentários”. Com respeito aos questionamentos dos grupos da sociedade civil que afirmam que os Estados Unidos é o principal obstáculo para alcançar qualquer acordo em Doha, Pershing me respondeu: "Creio que os Estados Unidos participam de forma ativa e construtiva nas negociações. Somos um dos principais países que contribuem ao pensamento intelectual nesse processo; porém, isso não significa que estejamos de acordo com os demais países em tudo. No final de contas, isso é uma negociação. Tentamos participar de um resultado que levará a reduzir as emissões mundiais de gases de efeito estufa. Queremos participar de um resultado que seja aceitável para todas as partes e que seja eficaz no marco que estabelecemos para avançar”.
Apesar de que as expectativas com relação a COP 18 de Doha são mínimas ou, inclusive, desalentadoras e a participação nessa cúpula é muito inferior às três últimas cúpulas -realizadas em Copenhague, Cancun e Durban-, há um grupo sólido de pessoas que está preocupado com o futuro do planeta e que está tomando medidas para protegê-lo da mudança climática provocada pelo ser humano. A grande aranha na entrada do Centro de Convenções também representa essas pessoas. A escultura está protegendo um saco de ovos e, como explicou Louise Bourgeois: "A Aranha é uma ode a minha mãe. ...Igual que uma aranha, minha mãe era uma tecelã. As aranhas são muito solidárias e protetoras”.
Como demonstrou a resposta a partir das bases ao tufão Bopha, nas Filipinas, ou a grande tormenta Sandy, nos Estados Unidos, a rede de ativistas a favor da justiça climática não está enredada, mas cada vez torna-se mais forte e nos indica o caminho. Seria bom se os políticos o seguissem.
[Denis Moynihan colaborou na produção jornalística dessa coluna. Texto en inglés traduzido para o espanhol por Mercedes Camps. Edição: María Eva Blotta e Democracy Now! en español,spanish@democracynow.org
Amy Goodman é a condutora de Democracy Now!, um noticiário internacional que se emite diariamente para mais de 750 emissoras de rádio e TV em inglês e em mais de 400 em espanhol. É co-autora do livro "Los que luchan contra el sistema: Héroes ordinarios en tiempos extraordinarios en Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cone Sul].

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