domingo, 9 de dezembro de 2012

Gigante do aço dobra governo socialista na França


Gigante do aço dobra governo socialista na França

Situados na Lorena, mais importante região de produção de aço da França, os fornos de Florange foram palco de um férreo antagonismo entre o governo de François Hollande, o setor mais à esquerda do governo e o empresário anglo-indiano Lakshmi Mittal, cuja empresa, Arcelor Mittal, emprega 260 mil pessoas em 80 países. Ante às ameaças de fechamento dessa fábrica e a conseguinte demissão de mais de 600 trabalhadores, Hollande havia se comprometido a salvar tanto a empresa como os empregos. Não cumpriu a promessa. O artigo é de Eduardo Febbro.

Paris - A “esquerda eficaz” voltou a aprontar das suas. A anos luz das promessas eleitorais e dos compromissos assumidos perante os trabalhadores, o socialismo francês se rendeu diante da aliança formada pelo poderoso banco Goldman Sachs e pelo magnata do aço Lakshmi Mittal, a frente da multinacional Arcelor Mittal. Trabalhadores chorando como crianças, um primeiro ministro desacreditado, um poder que pisoteou seus princípios e um monte de sonhos despedaçados é o saldo final da rocambolesca história da batalha em torno dos altos fornos de Florange. A política dessa multinacional do aço deu lugar a dois enfrentamentos consecutivos. O primeiro, com o precedente do governo conservador de Nicolas Sarkozy. O segundo, agora, com os socialistas que chegaram ao poder em maio passado. Nas duas ocasiões, Arcelor Mittal dobrou o poder político.

Situados na Lorena, mais importante região de produção de aço da França, os altos fornos de Florange foram palco de um férreo antagonismo entre o governo do presidente socialista François Hollande, o setor mais à esquerda deste governo e o empresário anglo-indiano Lakshmi Mittal, cuja empresa, Arcelor Mittal, emprega 260 mil pessoas em 80 países. Ante às ameaças de fechamento dessa fábrica de Arcelor Mittal e a conseguinte demissão de mais de 600 trabalhadores, Hollande havia se comprometido a salvar tanto a empresa como os postos de trabalho. 

No dia 24 de fevereiro deste ano, em plena campanha eleitoral, Hollande havia dito aos trabalhadores metalúrgicos que o escutavam falar de cima de um caminhão que cumpriria sua palavra “porque não quero me encontrar na situação de ser eleito um dia por uma promessa e depois não poder voltar a esse lugar porque ela não foi cumprida”.

Esse discurso desempenhou um papel importante na vitória posterior de François Hollande (abril-maio de 2012). Com seu compromisso, Hollande encarnou a ruptura com a interminável onda de promessas não cumpridas pelo seu predecessor, o conservador Nicolas Sarkozy. O ex-mandatário se viu diante do mesmo problema em 2008. Dois anos antes, Mittal comprou por 29 bilhões de euros o grupo siderúrgico europeu Arcelor com a promessa de não despedir trabalhadores. Mittal rompeu o pacto: fechou a planta de Gandrange e demitiu mais de 500 trabalhadores. O então presidente Nicolas Sarkozy interveio pessoalmente no caso e prometeu aos trabalhadores que não os abandonaria. No entanto, Sarkozy não conseguiu convencer Mittal a recuar em seu projeto. Daí a frase de François Hollande ter adquirido tanto peso. No entanto, quando chegou a hora da verdade, as palavras ficaram no altar da história.

Arcelor Mittal não mudou seu rumo e decidiu fechar os fornos de Florange e demitir os 630 operários que trabalham na produção de aço para o grupo automobilístico PSA Peugeot Citroën. Nesta disputa acabou se envolvendo o ministro da Reativação produtiva, Arnaud Montebourg, representante da ala esquerda do PS, papa francês da antiglobalização e ponta de lança da cruzada contra as multinacionais e seu extraordinário poder de submissão. Montebourg enfrentou Mittal sem mediações discursivas: lembrou a ele que no ano passado repartiu 2,2 bilhões de euros em dividendos, acusou o proprietário da empresa de “mentir e chantagear o Estado”, disse que não queria que “Mittal seguisse na França porque não havia respeitado o país” e, por último, ameaçou nacionalizar a empresa se Mittal levasse adiante os planos de fechar as plantas de Florange.

Os bons tempos de confrontação pública entre o socialismo e o grande capital tinham saído do reino da lembrança. O sindicalismo francês aplaudiu seu ministro, o patronato o fustigou e o chefe do Executivo, Jean-Marc Ayrault o desacreditou. Ayrault barrou a ideia de nacionalizar a empresa e terminou assinando um acordo com Mittal que deixa o grupo com todas as cartas na mão. O acordo abre um caminho rumo à tumba para a siderurgia francesa. 

Segundo o primeiro-ministro, o pacto estabelece que Arcelor Mittal se compromete e realocar os 630 trabalhadores demitidos. No entanto, Mittal conseguiu com que os fornos permaneçam fechados e, apesar de ter se comprometido a investir 180 milhões de euros em cinco anos para desenvolver a produção de aço a frio, o pacto governo-Mittal deixa sem efeito um projeto alternativo considerado como uma tábua de salvação para o setor o do aço e para os milhares de empregos que dependem dele: Ulcos. Trata-se de um procedimento para produzir aço mediante o qual se dividem por dois as emissões de gás carbônico. O atrativo do projeto Ulcos não estava só no fato de ser desenvolvido por Mittal, mas sobretudo nas subvenções europeias que o respaldam com um total de 260 milhões de euros. Sem Mittal não há Ulcos, em Ulcos há menos futuro. Mittal, em resumo, fez o que quis e o que não quis à sua maneira.

Para os sindicatos, o enterro do Ulcos significa a morte da siderurgia na Lorena. Para o governo, toda a negociação com Mittal simboliza o triunfo do grande capital contra o mundo do trabalho. “Mergulharam a nossa cabeça dentro da água”, disse com lágrimas nos olhos Edouard Martin, líder do sindicato CFDT na Arcelor Mittal. O Executivo ficou em péssima posição, duplamente: perante os trabalhadores do aço e perante a opinião pública em geral.

Edouard Martin declarou guerra ao governo, ao qual comparou com o de seu predecessor, Nicolas Sarkozy: “a traição prossegue. Acreditávamos ter alcançado o ápice do cinismo com Sarkozy. Mas não. Ainda não havíamos chegado ao paroxismo. Agora temos dois inimigos: Mittal e o governo”. Mittal tem como aliado o banco de negócios Goldman Sachs. Esta instituição financiou em 2006 a compra da Arcelor. Desde dentão, são dois inseparáveis destruidores dos direitos do trabalho e fieis adeptos da estratégia de investimento de curto prazo com grandes lucros. Arcelor Mittal sofreu a crise da produção do aço, que se deslocou para a China (45% do mercado mundial). Em 2007, Mittal obteve lucros de mais de 10 bilhões de euros. No ano passado, repartiu mais de dois bilhões de euros em dividendos, sendo que quase um bilhão foram para as mãos da família de Lakshmi Mittal.

O fracasso das negociações entre o governo socialista e a multinacional deixou na sociedade a sensação de que o patronato e a lógica financeira ganharam uma batalha essencial ante um poder político que construiu sua legitimidade apresentando-se como um escudo contra essas duas forças.

Tradução: Katarina Peixoto

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