Dicionário de demótico e papiro em copta provocam debate sobre as línguas usadas no Egito antigo
Revista Língua Portuguesa
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Demótico e copta
Já o copta floresceu entre os séculos 3 e 6 d.C.. Com o avanço do cristianismo no Egito, sobrepujou as demais escritas, com 24 letras gregas combinadas a 6 caracteres demóticos. Foi falado até o século 17. Depois, tomou o interior do país e continua vivo na liturgia das igrejas cristãs locais, na forma do dialeto bohairico. É nessa língua que foi grafado o papiro, estimado de 350 d.C., com a frase "Jesus disse a ele, minha esposa...".
Passada a fumaça da descoberta, correu o planeta o debate sobre a autenticidade do achado. A professora Karen King, da Escola de Teologia de Harvard, revelou a existência do achado num congresso sobre estudos coptas, em agosto de 2012. O original fora testado por especialistas que confirmaram a autenticidade.
Karen teve o cuidado de enfatizar que o papiro não prova que Jesus tenha sido casado, mas mostra que o debate sobre o assunto deve ter sido corrente no cristianismo primitivo.
Jesus casado
Negar uma condição conjugal a Jesus permitiu a correntes da Igreja apoiarem a ideia de que o exemplo de solteirice de Cristo deveria ser seguido pelos sacerdotes - à falta de herdeiros diretos, a herança de cada um deveria ir para a Igreja, portanto.
Karen declarou em agosto que a sentença em copta deve passar por testes no papel e na composição da tinta. Seu conteúdo deve ser visto com cuidado. Nos idiomas semíticos da época, "mulher" não significa necessariamente "esposa". Sendo fragmento do século 2o, pode significar que ele é cópia ou tradução de original mais antigo, ou até falsificação.
Pesquisadores consideram a possibilidade de se tratar de um evangelho antigo, que reinterpretou trechos de textos apócrifos. Alguns chegam ao ponto de identificar a colagem de trechos do evangelho apócrifo de Tomé escrito em copta, misturados de propósito em novo contexto.
Contestação
O Vaticano lançou nota em que afirma que o achado não muda a doutrina católica. Igrejas protestantes consideram que a frase pode ser variante da passagem em que Jesus se dirige a sua mãe nas bodas de Caná: "Que tenho eu contigo, mulher?". Era comum que palavras fossem quebradas entre linhas, sem hifens, sem muito padrão. O fato de a quebra de linhas surgir no papiro no mesmo lugar em dois trechos sugere que o autor não dominaria o copta, copiando a divisão de linhas de edição moderna (impressa) do texto de Tomé.
Especialistas consideram que a descoberta pode, mais do que dar informação confiável, indicar que o cristianismo primitivo nasceu plural, marcado por uma diversidade mais tarde abafada por Roma. Tendemos a imaginar um movimento uno, de contornos nítidos e puros, a compor o cristianismo primitivo. Descobertas arqueológicas recentes e as cartas de Paulo e João no Novo Testamento dão ideia da tensão no interior da Igreja primeva. O copta no papiro sugere agora que a divergência entre versões no início do cristianismo era maior do que se pensava.
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