sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Meu mal é relembrar o passado



Lá por 1980, o PMDB não engolia ainda o fato de ter perdido a exclusividade na oposição à ditadura. E dentro dele existia um pessoal do antigo PCB (hoje a maior parte no PPS) que não engolia o surgimento do Partido dos Trabalhadores. Dizia-se o único partido representante da classe operária.

Mouzar Benedito

Durante anos, continuaram tentando “mandar” na oposição à ditadura. Em 1982, ameaçavam previamente os petistas por possíveis derrotas de oposicionistas para representantes da ditadura, porque o PT ousava não aceitar a imposição de decisões desse pessoal em nome de toda a oposição. “Se não votarem no Montoro, o Reynaldão ganha. Quem não vota no Montoro está ajudando a eleger o candidato da ditadura”. Reynaldão era o candidato malufista ao governo de São Paulo.
Isso era uma coisa que me irritava. Esse argumento é uma farsa, pois elege o fulano ou o beltrano quem votou nele, e não quem votou em qualquer outro candidato, ou mesmo nulo.
Em 1984, o PMDB, com respaldo do PCB e do PC do B, que permaneciam dentro do PMDB, impôs a candidatura de Tancredo Neves e José Sarney na eleição indireta para presidente e vice. Ameaçava os petistas com o fogo do inferno, porque não votando em seus candidatos estaria “dividindo a oposição” e “elegendo Maluf”. Não admitia nem a abstenção, o direito de não votar em ninguém. Tinha que “votar útil”. E praguejavam: culpados! Culpados! Culpados! Divisionistas, braço da ditadura, todo tipo de xingamentos valia porque ousávamos não obedecer suas ordens.
Um dia, discutindo com um desses peemedebistas (ligado ao PC do B), eu brinquei dizendo que ao eleger Tancredo eles estariam elegendo também Sarney, porque Tancredo estava velho e não chegaria ao fim do governo. O sujeito quase teve um ataque, parecia que surtou, dizendo com a boca cheia de baba que este era um argumento de direita, que o Tancredo iria cumprir todo o mandato, que ele tinha muita saúde etc. e tal.
Ele não cumpriu nem um dia de mandato. Nem tomou posse. Sarney, que pulou da presidência da Arena, o partido da ditadura, para o cargo de vice de Tancredo, assumiu no lugar dele, desde o primeiro dia.
Nessa época, irritado, publiquei um artigo no jornal Mulherio, sobre o assunto. Continuo com as mesmas posições. Mas muitos dos meus antigos ex-companheiros de partido mudaram. Usam as mesmas práticas, defendem o voto útil, ameaçam. O maior dos males também mudou. É hoje um pessoal de bico comprido que na época era do PMDB.  Vale até se aliar com Maluf, contra eles.
Não gosto dessa turma tucana também. Mas igualmente não gosto de ninguém me dizendo que tenho que votar no fulano se não o diabo ganha. Meu voto “contra” os tucanos tem sido, como o de muitos, confundido com obediência ao grande chefe que tudo vê e nos orienta: vocês têm que votar agora no fulano, se não o tucano ganha.
Isso encheu, passou da conta.
Há muito defendo a possibilidade do “voto contra”. Em vez de votar num candidato ou partido, em branco ou nulo, poderíamos votar contra também. Seria uma opção. Na soma final, se descontaria dos votos “a favor” de partidos ou candidatos (inclusive para o legislativo) os votos contra. Assim, se, por exemplo, um candidato tivesse 3 milhões de votos a favor e 500 mil votos contra, teria no final 2,5 milhões de votos e perderia, também por exemplo, para alguém que tivesse 2,8 milhões de votos a favor e  200 mil  votos contra (saldo: 2,6 milhões).
Na prática, não alteraria muito. Num segundo turno, não alteraria nada, pois se  votasse contra o Serra, por exemplo, o voto teria o mesmo valor que um voto a favor do Haddad. Mas teria uma diferença psicológica (eu não estaria votando em um sujeito a contragosto, mas contra o outro) e uma diferença prática: certos caras receberiam um recado de que não estamos votando no candidato em que eles “mandam”.
Para puxar à memória de certos companheiros, aí vai meu artigo publicado no Mulherio no final de 1984. Não acho certas que opções atuais são tão ruins quanto a que trato nesse artigo, tem até bons candidatos, que só me incomodam porque se tornaram beneficiários atuais do odioso “voto útil”. Mas vale um alerta.
Mamãe PMDB
Quando tinha 13 anos fui, na carroceria de um caminhão, a Aparecida do Norte, estado de São Paulo, cumprir uma promessa que minha mãe fez quando eu tinha uns cinco meses de idade.
Achei bom. Gostava de viajar e cumprir a promessa foi uma oportunidade. Além disso, a minha promessa ― ou melhor, a promessa que minha mãe fez e eu cumpri ― foi das mais suaves. Havia em Minas, mães que faziam promessas drásticas, e os filhos tinham que cumprir.
Um jornalista amigo, por exemplo, quando era criança teve que passar um ano indo à missa das 7 horas da manhã, a pé, numa igreja que ficava a uma légua de distância (depois se vingou, disse à mãe que tinha feito uma promessa pra ela cumprir, de rezar um terço todos os dias, durante um ano, para Santa Rosa de Luxemburgo. E ela cumpriu). Teve gente que foi até Aparecida carregando uma cruz, para cumprir promessa da mãe.
Essa introdução é uma lembrança que o PMDB e alguns de seus grupos me inspiram, agindo como mãe de toda a oposição brasileira, fazendo promessas escabrosas e querendo obrigar os outros a cumprirem, tomando decisões pelos outros, filhos não amadurecidos, pródigos e cheios de desvios juvenis ― uma mãe autoritária se colocando como protetora.
Como os militares e o Pelé achavam que o brasileiro não está preparado para votar, o PMDB acha que todos os que lutam por direitos não estão preparados para tomar decisões. Por isso mesmo, ele toma as decisões e nos enfia goela abaixo. Faz promessas muito comprometedoras aos seus santos, para os “filhos” desnaturados cumprirem. E se a gente não cumprir, ameaça a nós “irresponsáveis” com o fogo eterno, vamos todos para o inferno, por não querermos ir a Aparecida do Norte a pé, carregando uma cruz nas costas, para cumprir a promessa da mamãe PMDB.
Ou aceita ou vai pro inferno
É o que está acontecendo agora, quando a sucessão presidencial está praticamente definida. Como uma certa parte do PMDB queria, vai ser uma sucessão sem traumas, isto é, uma porcaria de sucessão, pois vai continuar tudo como está, nada de mudanças nem de revanchismos. Passamos esses anos todos apanhando e agora chegou a hora de dar a outra face, como comprova o governo Tancredo em Minas e todo o passado do acadêmico, cortador de pernas e grileiro José Sarney.
A mamãe PMDB prometeu pôr a dupla no governo e nós, os filhos sem vontade própria, temos que cumprir, se não seremos vítimas de pragas e maldições, pois não se pode deixar de cumprir promessa feita pela mãe, ainda que seja de carregar uma cruz nas costas.
Já que o PMDB gosta da política do fato consumado, podia pelo menos prometer coisas cumpríveis. Mas não, sem nenhuma consulta aos seus próprios filiados e aos outros oposicionistas, abandonou a luta pelas diretas e apresentou como fato consumado, para a gente aceitar ou ir para o inferno, a obrigação e votar na dupla Tancredo e Sarney.
Tá certo que qualquer coisa é incomparável a Maluf, seu escudeiro Marcílio e sua horda de fascistas e corruptos. Isso é 100% ruindade. Então, não dá pra dizer que Tancredo e seu possível herdeiro sejam iguais ou piores que o malufismo, que é o que há de pior no Brasil, só tendo como similares no exterior o Pinochet, o Baby Doc, o Stroessner e outras figurinhas carimbadas.
E o meu filé com batatas?
Para combater esses 100% de ruindade, o PMDB poderia assumir compromissos com uma dupla apenas 50% ruim, por exemplo. Aí dá até para justificar: 50% ruim é melhor que 100% ruim, é inegável  É como ir a Aparecida do Norte de caminhão, bem melhor que ira a pé carregando uma cruz. Porém os manda-chuvas do PMDB acham que é um pulo muito grande, dos 100% de ruindade para apenas 50%, que temos que ir devagar. Para combater os 100% de ruindade, nos empurra goela abaixo uma dupla com I. R. (Índice de Ruindade) de 95%, pouco menos que o ruim absoluto, que é o malufismo. É equivalente a ir a Aparecida a pé levando uma cruz menor do que a do malufismo, a diferença é só no tamanho da cruz.
Enfim, é muito estranha a lógica peemedebista. Para combater uma coisa ruim, nunca nos apresenta uma opção boa, mas apenas uma outra coisa menos ruim. É como se alguém quisesse obrigar a gente a comer cocô e aí aparece uma opção salvadora: um prato de chuchu sem tempero. Nunca nos oferecem como opção um filé com batatas! O governo nos ameaça com a dupla cocô Maluf/Marcílio, e o PMDB vem salvar a gente com a dupla chuchu sem tempero, Tancredo/Sarney.
E se a gente diz que não gosta de chuchu, Deus me livre, entendem que a gente gosta de cocô, e lá vem praga. Na concepção deles, o mundo só tem duas opções, chuchu ou cocô (nada de filé, coisas gostosas), quem não quiser comer chuchu é porque gosta de comer cocô. Não me dão nem o direito ao jejum.
Ora, mamãe PMDB, com uma mãe dessas a gente acaba torcendo pra ficar órfão.
Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo,Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia).

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