quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mobilização social em rede: jovens em tempos de novas tecnologias



Um jovem morador do Complexo do Alemão (hoje com 18 anos) narra uma ocupação policial em tempo real através do Twitter, passa a ter mais de 39 mil seguidores e se torna celebridade, inspirando até personagem em novela da Globo. Uma estudante de 13 anos de Florianópolis conta as agruras da escola pública em que estuda em uma página no Facebook e, além de se tornar nacionalmente conhecida (mais de 344 mil pessoas curtem a página Diário de classe), conquista mudanças para o cotidiano escolar (e alguma dor de cabeça)

Patrícia Lânes Araujo de Souza
René Silva e Isabel Faber são exemplos emblemáticos (e famosos) de um processo em curso. Eles expressam um momento em que ações nas redes sociais virtuais são rapidamente apropriadas e ressignificadas por outros meios de comunicação e pela sociedade, com repercussões imprevisíveis e pouco controláveis.
Aparentemente, em nosso perfil no Facebook ou no Twitter, estamos falando para aqueles tantos amigos ou seguidores. No entanto, potencialmente, nossas mensagens podem se perder num emaranhado sem fim de compartilhamentos e retuítes. Nesse mundo virtual em rede, qualquer um pode estar fadado ao sucesso instantâneo. No entanto, esses dois jovens também têm em comum o fato de serem pessoas cuja trajetória pública aponta para iniciativas mais ou menos coletivas e para uma certa preocupação com o social ou com a comunidade à sua volta. E, nesse sentido, eles estão lado a lado a uma legião de jovens e adultos nem tão famosos assim que vêm lançando mão de redes sociais virtuais, blogs, sites e outros mecanismos disponíveis na internet para compartilhar conteúdo a fim de expor publicamente suas mensagens, críticas, imagens, ou seja, sua visão da realidade.
Uma pesquisa iniciada em 2011 e ainda em curso, realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) com apoio do Centro de Pesquisa sobre o Desenvolvimento Internacional(IDRC, na sigla em inglês), sobre o uso das novas tecnologias por jovens moradores de favelas e periferias para mobilização social revela que parte daqueles que se utilizam desses meios com a finalidade de denunciar violações de direitos e exigi-los encontra-se não apenas em redes sociais virtuais, mas participa presencialmente de grupos, organizações, coletivos etc., ou seja, redes sociais off-line de solidariedade e engajamento social e político que contribuem para conformar certa percepção sobre tais violações e sobre os direitos que estariam sendo violados.
Ainda assim, as novas tecnologias têm um papel fundamental nesse processo, seja como forma para apreender imagens e fatos do cotidiano (hoje muitas pessoas têm um celular capaz de tirar fotos ou fazer pequenos vídeos com razoável resolução), seja para dar visibilidade ao que se produz não apenas para pessoas fisicamente próximas. No entanto, isso não faz que todas as ações veiculadas pela internet ou mais especificamente pelas redes sociais tenham grande repercussão. Ao contrário, dentro de um mar de informações e de uma sociedade voltada para o consumo, não são em geral assuntos relacionados à mobilização social e à violação de direitos os que se tornam “top trends” no Twitter. No entanto, ainda assim, o ano passado foi rico em exemplos sobre as possibilidades oferecidas por esses meios ou ferramentas.
Em 2011, foi como se, de uma só vez, uma série de manifestações sociais públicas protagonizadas sobretudo por jovens mostrasse de forma inconteste uma realidade já em curso e sem volta. Se os avanços tecnológicos são inegáveis e a popularização do acesso a determinadas tecnologias é uma realidade bastante disseminada, seria de esperar que diversos fenômenos sociais passassem a incorporar o uso de tais tecnologias.
A Primavera Árabe, o movimento Ocupar Wall Street, a revolta nas periferias londrinas e as feministas da Marcha das Vadias (SlutWalks) tinham em comum uma marca geracional: ainda que não fossem todos jovens do ponto de vista estritamente etário (seja qual for a norma instituída de juventude que usemos), traziam consigo uma experiência comum marcada, entre outras coisas, pelo maior acesso à internet e aos celulares, mas também por um conhecimento de como usar esses meios. No entanto, essa não seria a única marca geracional em jogo. Estamos falando de fenômenos distintos e, portanto, com explicações sociais, históricas e culturais também diferentes. De diversas maneiras e por variadas razões uma determinada geração dessas sociedades expressou suas insatisfações publicamente, ocupando, quebrando, marchando.
Para além da transnacionalização de lutas, essas novas conexões permitem acessar informações que, há pouco, levávamos muito tempo para conhecer e, quando conhecíamos, era pela visão dos grandes meios de comunicação ou pelo trabalho de mídias alternativas, que também ganham nova centralidade com a internet. A facilidade para a articulação e troca de informações é sem precedentes. O fato de a internet conseguir chegar a cada vez mais lugares e pessoas eleva exponencialmente a capacidade de temas ultrapassarem fronteiras e especificidades.
Não se desconhece o acesso profundamente desigual à internet, em especial no Brasil. E desigual em muitos sentidos. As novas gerações têm um acesso muito mais significativo à rede. De acordo com a pesquisa “Juventudes sul-americanas”, realizada por Ibase e Pólis, com apoio do IDRC, entre 2008 e 2009, em seis países da região, o acesso dos jovens à internet era mais do que o dobro do acesso dos adultos (no Brasil, 50% dos jovens acessavam a internet, enquanto entre os adultos esse percentual era de 21%). Essa pesquisa (e muitas outras) aponta também que, em uma mesma geração, o acesso é muito diferenciado entre campo e cidade, entre ricos e pobres, entre negros e brancos, entre os menos e os mais escolarizados.
Mas disponibilizar informações para um número de pessoas inimaginável há apenas alguns anos por meio de blogs, sites, redes sociais e torpedos via celular não faz que determinadas questões sejam relevantes e suficientes para que as pessoas saiam de casa e ocupem praças, ruas ou mesmo usem seu tempo assistindo a determinados vídeos ou replicando imagens e mensagens.
Na já citada pesquisa em curso, os entrevistados têm, no geral, a percepção de que a internet, suas redes e recursos são ferramentas. Ainda que esteja colocada a possibilidade da produção e visibilidade de conteúdo por pessoas que até há muito pouco tempo eram encaradas apenas como receptoras ou consumidoras de notícias, publicidade etc., eles têm clareza de que isso não substitui outros tantos recursos socialmente disponíveis para mobilizar seus locais de moradia ou suas redes sociais off-line. Cartazes, faixas, panfletos, boca a boca, rádio comunitária, jornal impresso compõem um cenário mais amplo e complexo para aqueles que militam, fazem ação ou trabalho social, para quem pretende mudar sua realidade ou o mundo.
Diversas manifestações públicas lideradas por jovens sul-americanos na última década tiveram forte vinculação com os meios de comunicação (comerciais e as ditas mídias alternativas) e com as novas tecnologias da informação. Muitas ações dos movimentos pressupõem uma face pública, se fazer ver e ouvir pelo restante da sociedade para mobilizar população e pressionar governos, empresas etc. E os meios de comunicação têm papel importantíssimo.
No Chile, em 2006, milhares de estudantes secundaristas protagonizaram o que ficou conhecido dentro e fora do país como Revolução dos Pinguins (referência ao uniforme dos estudantes). Eles ocuparam suas escolas por discordar dos encaminhamentos dados pelo governo em relação à educação, reivindicando educação pública, gratuita e de qualidade.Além da ocupação física do espaço escolar, a criação de blogs e fotologs das ocupações e do movimento ajudou a instituir o caráter nacional e descentralizado da manifestação (que se recusou a ter apenas um porta-voz) e a mobilizar cerca de 800 mil estudantes em dois meses de norte a sul do país. Nos últimos anos, e mais intensamente desde 2011, os estudantes chilenos voltaram às ruas e em seu repertório de ações trouxeram consigo intervenções artísticas e coreografias famosas orquestradas também pela internet, ressignificando ícones do pop por meio de suas demandas, devidamente filmados e disseminados via YouTube e redes sociais. A centralidade da reivindicação por educação pública de qualidade continuou e exigiu deles estratégias múltiplas para se fazerem ouvir.
Entre as demais ações estudadas inicialmente pela pesquisa “Juventude e integração sul-americana” (Ibase/Pólis, 2008), muitas se valem de blogs, fotologs e fóruns de debates virtuais para mobilizar e organizar suas ações. Assim como no caso chileno, nelas o uso de novas tecnologias combina-se a formas “tradicionais” de militância, e essas combinações possíveis também trazem pistas do jeito próprio de essa geração dar sentido a práticas políticas.
As mobilizações podem acontecer com a ajuda de redes sociais como Orkut, Facebook ou Twitter. No entanto, a ocupação das ruas e espaços públicos ou o fechamento de vias públicas e estradas continuam gerando repercussão social e política. A criatividade incorporada a formas de manifestações do gênero rendem imagens que serão replicadas em diferentes meios e não dependem apenas do interesse da grande mídia para se disseminar.E é ótimo que possam ser filmados e exibidos não apenas por “especialistas”, mas por qualquer pessoa que tenha à mão um celular e acesso à internet. Se sempre foi fundamental colocar o bloco na rua, hoje, mais do que nunca, é urgente compreender os vínculos entre as práticas individuais cotidianas – entre elas os usos da internet e das redes sociais por parcelas cada vez mais amplas da população – e o agir coletivo. Em tempos de novas combinações entre militância e comunicação, nem a rede nem a rua são o limite.
Patrícia Lânes Araujo de Souza é doutoranda em Antropologia pelo PPGA/UFF e colaboradora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Ilustração: Daniel Melim

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