terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Situação do Congo vai novamente aos caos



As luzes estão apagadas na maior parte de Goma.

Jeffrey Gettleman
Jovens congoleses sentam em  bicicletas de madeira em Sake, na República Democrática do Congo
Jovens congoleses sentam em bicicletas de madeira em Sake, na República Democrática do Congo
Há pouca água. A prisão é um terreno vazio e cheio de lixo espalhado, com o portão da frente enferrujado balançando totalmente aberto e um buraco de um metro no muro de trás, por onde escaparam 1.200 assassinos, estupradores, líderes de milícias, soldados rebeldes e outros criminosos. Combatentes rebeldes estão indo de casa em casa prendendo pessoas, muitas das quais não foram mais vistas por suas famílias.
"Você diz qualquer coisinha e eles desaparecem com você", disse um homem desempregado chamado Luke.
Na semana passada, foi impossível deter os rebeldes, correndo de uma cidade para outra, tomando a capital provincial, e afugentar um caótico exército do governo congolês cujos soldados bêbados tropeçam com granadas lançadas por foguetes e cujo chefe de equipe foi suspenso há quatro dias por vender caixas de munição para caçadores de elefantes.
Motins estão explodindo em todo o país – em Bukavu, Butembo, Bunia, Kisangani e Kinshasa, a capital, a milhares de quilômetros de distância. Bandos estão tomando as ruas, incendiando edifícios do governo e exigindo a renúncia do fraco e amplamente desprezado presidente do Congo, Joseph Kabila.
Mais uma vez, o caos está flertando com o Congo. E uma questão premente é: por quê – depois de todos os bilhões de dólares gastos na manutenção da paz, e com a recente legislação aprovada no Capitólio, que tinha como objetivo cortar a ligação entre o comércio ilícito de minerais e a insurreição – esta vasta nação no coração da África está decaindo para o que era há mais de dez anos, quando os exércitos estrangeiros e rebeldes saqueadores a dividiram em feudos?
"Nós de fato não tocamos a causa raiz", disse Aloys Tegera, diretor do Pole Institute, um instituto de pesquisa em Goma.
Ele disse que a instabilidade crônica Congo está enraizada em tensões muito mais locais ligadas à terra, poder e identidade, especialmente ao longo das fronteiras com Ruanda e Uganda. "Mas ninguém quer tocar nisso porque é muito complicado", acrescentou.
República Democrática do Congo, na África, realiza nesta segunda-feira (28) sua segunda eleição desde a guerra que matou mais de cinco milhões de pessoas entre 1998 e 2003; violência eclodiu em quatro locais de votação no sul do país, deixando quatro mortos
A solução mais realista, disse outro analista do Congo, não é um processo formal de paz formal conduzido por diplomatas, mas "uma paz entre todos os dons, como a que Don Corleone impôs em Nova York."
Os problemas do Congo vêm infeccionando há anos, são feridas que nunca cicatrizaram de fato.
Mas na semana passada, cresceu a urgência depois que centenas de combatentes rebeldes, o chamado M23, com botas de borracha para andar no pântano e carregando metralhadoras com cintos de munição nas costas, marcharam até Goma, capital da província de Kivu Norte e uma das cidades mais importantes do país.
Os rebeldes são um paradoxo fortemente armado. Por um lado, são implacáveis. Grupos de defesa dos direitos humanos documentaram como eles executaram civis, retirando moradores confusos de suas casas no meio da noite e atirando em suas cabeças.
Por outro lado, o M23 tem administradores capazes, aparentemente muito melhores do que o governo congolês, o que se evidenciou por uma visita nos últimos dias à sua fortaleza, Rutshuru, uma pequena cidade a 72 quilômetros de Goma.
Em Rutshuru, não há nenhum desses sacos plásticos onipresentes presos nas árvores, como em tantas outras partes do Congo. As estradas de cascalho são varridas, os escritórios do governo são impecáveis. Placas pintadas a mão dizem: "M23 Impede a Corrupção". Os rebeldes têm até o dedo verde, e plantaram milhares de árvores nos últimos meses para combater a erosão do solo.
"Nós não somos uma rebelião", disse Benjamin Mbonimpa, engenheiro elétrico, guerrilheiro e agora um alto administrador rebelde. "Somos uma revolução."
Seus objetivos, disse ele, são derrubar o governo e criar um sistema político mais igualitário e descentralizado. É por isso que os rebeldes resistiram em negociar com Kabila, embora neste fim de semana vários rebeldes disseram que a pressão estava aumentando para que eles se comprometessem, pressão vinda especialmente de países ocidentais.
No domingo (25), forças rebeldes e tropas do governo estavam a postos, a poucos quilômetros de distância umas das outras, na estrada de Goma.
Acredita-se amplamente que os rebeldes do M23 sejam secretamente apoiados por Ruanda, que tem uma longa história de intromissão no Congo, seu vizinho abençoado com ouro, diamantes e outras riquezas minerais brilhantes. O governo ruandês não se cansa de negar o fornecimento de armas para o M23 ou a tentativa de anexar o leste do Congo. Ruanda nega com frequência qualquer envolvimento clandestino no país, e depois suas negativas são expostas como mentiras.
Muitas pessoas em Goma não gostam do fato de que o M23 está tão intimamente ligado a Ruanda, com soldados que falam ruandês passeando pela cidade como se fossem seus donos – o que fazem no momento.
Mas o veneno contra Kabila parece ainda maior.
"Ele nos trata como crianças de rua", disse Kalimbiro Kambere, policial que ganha apenas US$ 50 por mês, apesar de estar há 37 anos no serviço. "Ninguém quer lutar por ele."
Poucos países na África, se não no mundo, foram governados de forma desastrosa como o Congo. A interferência ocidental não tem ajudado, desde a década de 1880 quando o rei Leopoldo 2º da Bélgica transformou o Congo num campo de trabalho enorme para produzir o máximo de borracha e marfim possível, até a violência na região de Goma hoje, que pode ter sido desencadeada por um erro de cálculo dos embaixadores ocidentais.
Gorila morto é carregado. Vários grupos de traficantes de animais atuam na região. Sem a presença dos patrulheiros, o risco para os gorilas aumenta
Em novembro passado, Kabila concorreu à reeleição. Ele era amplamente impopular, suspeito de acumular milhões, se não bilhões de dólares em negócios de mineração e deixando as pontes, estradas, hospitais e escolas em ruínas.
Durante a eleição, seus agentes foram apanhados em flagrante enchendo urnas e seus soldados atiraram em apoiadores da oposição que protestavam. Mas diplomatas ocidentais, embora tenham expressado tristeza, não processaram o caso.
Vários defensores de direitos civis e analistas congoleses e ocidentais disseram que o corpo diplomático pediu a Kabila que prendesse Bosco Ntaganda, um general do exército que fala ruandês e leva o apelido de Exterminador, que foi comandante em vários grupos rebeldes brutais e foi procurado por anos pelo Tribunal Penal Internacional por acusações de crimes de guerra.
"Kabila calculou mal", disse Tegera. "E o Ocidente também. Eles o pressionaram. "
Em Março, à medida que Kabila começou a se movimentar contra Ntaganda e ameaçou expulsar os rebeldes de língua ruandesa que haviam sido incorporados ao exército nacional, eles se amotinaram. Eles eram muito mais poderosos do que o governo esperava, e funcionários da Organização das Nações Unidas disseram que os rebeldes chamaram rapidamente reforços de Ruanda. Eles tomaram cidade após cidade, culminando em Goma, cujas linhas elétricas foram cortadas na luta, caindo na escuridão. A cada batalha, o exército do governo se desfez como um suéter barato.
Os corpos dos soldados do governo agora estão jogados nas estradas ao redor de Goma, o pai ou filho de alguém está apodrecendo no mato, com os olhos e a boca chiando ao som das moscas. Moradores passam por eles, desviando o olhar. Para eles, a miséria é um rosto familiar.
Na sexta-feira (23), Alfonse Kiburura estava na frente de sua cabana num acampamento de pessoas desalojadas. As chuvas estão caindo pesado agora, todos os dias. Sua família se enrola no chão de lama, frio e úmido.
Esta foi a segunda vez este ano que os Kiburura tiveram de pegar tudo o que possuíam, jogar sobre suas cabeças e sair pela estrada para longe do combate.
Kiburura disse que logo que seu filho de 5 anos de idade, Destin, ouviu os tiros, o garoto já sabia o que fazer.
"Esta não é a primeira vez que ele ouviu tiros", ele disse. "Já ouviu muitas vezes antes."
Tradutor: Eloise De Vylder

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