terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

30 anos depois.... A Casa da Juventude morre ou continua?



Carmem Lúcia Teixeira
Socióloga e Mestre em Ciências da Religião, membro do Centro de Assessoria em Juventude – CAJU
Adital
Estamos vivendo um dilema com pelo menos duas perguntas: a Casa da Juventude Pe. Burnier morreu ou continua a sua missão? As respostas podem ser duas ou mais. Eu digo que morreu a Casa que iniciou em 1984. A Casa nasceu para ser da juventude. Dizia um dos fundadores, Padre Albano, sj: "Não há espaço para a formação da juventude nesta Igreja, por isto, iniciamos este espaço, para formar lideranças”. A sua vocação primeira era formar líderes, portanto, pessoas que já estão engajadas em grupos, comunidades. Essas lideranças tiveram, na Casa, um espaço para se prepararem para atuar na Igreja e na Sociedade, por 29 anos. Nasceu para ser um Instituto de Formação, Assessoria e Pesquisa em juventude.
A Casa nasce com duas forças: a fé e a justiça. Gente de fé, comprometida com a transformação da sociedade. A construção deste espaço de formação foi assumida ao longo desta história com três sujeitos eclesiais: jesuítas, religiosas/os de outras congregações e leigas/os. As equipes foram testemunhas destes 30 anos. Na maioria do tempo, foram desafiadas a encontrar, na criatividade, caminhos para a realização dos projetos por causa dos poucos ou nenhum recursos e gestar, no conflito das ideias, os caminhos.
O espaço sempre encantou a juventude porque uma casa tão bonita para os/as jovens, em uma Igreja que não oferecia espaços aos jovens ou oferecia com muita desconfiança, era muito difícil de encontrar. Cada ano era uma conquista. As avaliações realizadas nos conduziram à convicção e compreensão de um projeto de mundo mais justo. Os estudos sobre a realidade da juventude – seu perfil e sua condição – indicava sempre novas fronteiras.
Os caminhos percorridos de compromisso com a juventude empobrecida levaram a Casa para vários lugares da Igreja do Brasil e do Continente. Obrigou muitos a estudarem com afinco sobre a realidade da juventude, nos conduziu por pesquisas que abriram nossas mentes e nosso olhar para entender o que estava já posto no projeto inicial. Assim como a formação de lideranças e suas exigências a partir das experiências de acompanhamento também são indicadores deste caminhar.
Entendemos que a Espiritualidade é primordial e que alimenta a causa, portanto, constituidora da mística. Percebemos que, para construir um mundo de justiça, era preciso cada dia maior fidelidade ao Mestre de Nazaré. Foi por causa de Jesus que entendemos que o caminho da Salvação passa pela cruz. E que este é fruto de um posicionamento político, marcado por uma intencionalidades, pelo chão onde pisamos. Em Jesus entendemos que o Reinado de Deus é marcado por estas escolhas. Também entendemos que estas escolhas têm consequências tanto no mundo da religião como na organização social, politica e cultural.
Por isto, quando a Casa da Juventude, em 2013, deixa de lado este caminhar e os projetos que estão comprometidos com esta travessia, está morta. O Instituto de Formação, Assessoria e Pesquisa desaparece e assume em seu lugar um Centro de Assistência Social. Estes líderes, organizados na Igreja e na sociedade, ficam sem Casa. Esse é o grito de milhares de jovens, adultos e instituições comprometidas com a causa da juventude.
Alguns vão insistir que a Casa continua. Os projetos sociais e de assistência continuarão, sim. Ninguém diz o contrário. Nem pode. Eles cumprem uma política nacional de assistência social, uma ação que congregações e boa parte da Igreja fazem neste país para cumprir as leis da filantropia. Não se trata de uma caridade destes grupos, mas de uma politica pública, de atendimento a pessoas empobrecidas. Aliás, essa é a vocação que boa parte da Igreja traz com ela: cuidar das mazelas produzidas por este sistema. Há, inclusive, muitos grupos e instituições das classes dominantes que apoiam. Ajudam a aliviar os efeitos de um sistema capitalista excludente. Nunca foi proibido. Foi sempre apoiado e incentivado. Há muita gente que gosta. E a pergunta é, faz bem? Sim, faz muito bem para muita gente empobrecida. E também para muita gente enriquecida pela concentração da riqueza nas mãos de poucos.
Esse projeto de atender as políticas de atendimento das condições mínimas, segundo a assistência social, iniciou na Casa em 2003. De lá para cá não podemos esconder o bem que foi feito. A Casa chegou muito mais perto da juventude empobrecida. Muitos jovens que passaram pelos projetos de assistência transformaram suas vidas. Hoje muitos deles/as são profissionais. Muitos jovens das Igrejas e comunidades tiveram melhor capacitação, atendidos por estes projetos . Porém, temos que considerar a trajetória desta sociedade na qual estamos vivendo depois de 1988, com a promulgação da Constituição. Muitas leis foram constituídas para que os direitos fossem garantidos e respeitados. Essas mudanças exigem que as instituições que, historicamente, prestaram esses serviços de filantropia prestem um serviço de qualidade e considere a pessoa na sua integralidade. Superem a ideia de "caridade”, sempre associada ao serviço das igrejas, aos pobres. Essas mudanças provocam reações e, em muitas delas, ressurge o desejo de voltar ao tempo onde esse dinheiro era administrado ao modo particular de cada instituição. Esta verba é pública, portanto, de todos/as, e este valor para cumprir essas políticas é controlado como qualquer verba pública neste país. Isto já sabemos, por isto, não dá para dizer que as decisões que tomamos são devido a este controle e vinculada a um modelo de sociedade e de sistema que nela impera.
A Casa e os cinco projetos que continuam não tem a trajetória dos 28 anos de um Instituto de Formação, Assessoria e Pesquisa em Juventude. Tem uma trajetória de 10 anos . Poderíamos dizer que cumprem parte desta determinação da lei, exigida por este dinheiro administrado pela instituição. Por isto, não fazem nada mais que manda a lei. No seu tempo, Jesus chamou a atenção do grupo religioso que só cumpria a lei. O jovem rico contou a Jesus tudo que ele fazia. E Jesus disse, vai e vende tudo... porque Ele quer o coração, a disposição, o discernimento para o MAIS. O Jovem entendeu, porém, seu apego o impediu de seguir a Jesus.
Por isto, "cumprir a lei” nunca foi princípio da Casa que nasceu em 1984, preocupada com a defesa dos direitos humanos, em conhecer as fronteiras do Centro Oeste, em garantir a formação de lideranças com formação sólida em todas as dimensões, em preparar gente de coração aberto.
Por isto, dizer que a Casa continua nos obriga a perguntar: que Casa? Digo sem medo de errar: não é a Casa da Juventude, o Instituto de Formação, assessoria e pesquisa. É a Casa dos Jesuítas, por isto, mudando o sujeito central da Casa e a sua finalidade. A Casa anterior está morta.
Podem dizer que é preocupação com emprego, ou, ainda, despeito de quem saiu, incompreensão do momento que vive a instituição (por falta de orçamento ou ajuste legal). Podem, até, nos acusar de não respeitar os colegas de trabalho que continuam ou outras calúnias que temos ouvido. Porém, digo que estas preocupações também são pequenas ou individualistas. O que estamos refletindo é o fim de um Instituto de Formação, Assessoria e Pesquisa que fez diferença na história da Evangelização da Juventude, tanto dentro da Companhia de Jesus como na Igreja.
Instaurar divisão não é uma prática que se sustenta no Evangelho. Por isto, seguir comprometido com as pessoas e os jovens empobrecidos é uma exigência. Respeitamos e queremos o bem de todos os profissionais que continuam como funcionários da Casa. Reconhecemos seus valores e o seu compromisso com a juventude empobrecida. Sabemos que continuarão dando o melhor de si para manter os projetos que garantem a vida desta juventude, que busca, com sede, oportunidades. As manifestações em torno do encerramento dos projetos – pastorais, de pesquisa, de assessoria, de formação para a cidadania e de construção de uma economia solidária, de preparação para entrada nas universidades – não são contrárias às pessoas e projetos que permanecem. Refletir sobre o significado de perder uma referência em Direitos Humanos, de luta pela vida da juventude, por uma Igreja fiel e seguidora de Jesus são maiores que nossos projetos pessoais. Pensar os significado de decisões e de escolhas ou de caminhos para a construção de Outro Mundo possível envolve todas as pessoas, inclusive quem nunca esteve envolvido/a com o projeto da Casa da Juventude.
Por isto, nossa tarefa de educadores/as de jovens não é pensar somente em técnicas, projetos, dinâmicas... Ao contrário, nossa tarefa, é pensar caminhos de construção de um mundo marcado pela fé e pela justiça do Reino, no qual todos e todas serão incluídos/as como sujeitos. A Casa foi um instrumento desta construção pelo caminho que percorreu nestes 29 anos. Toca a todos/as nós continuar a construção de uma sociedade com intencionalidade política clara, assim como Jesus que anunciava o Reino com urgência.
Quaresma de 2013.
Carmem Lucia Teixeira
Socióloga e Mestre em Ciências da Religião, membro do Centro de Assessoria em Juventude – CAJU Assessoria, ex- colaboradadora da Casa da Juventude Padre Burnier por 28 anos, professora da Rede Pública, pesquisadora em Juventude, Assessora da CNBB (1998 – 2003), Assessora da Seção Juventude do CELAM (1999 – 2003), da Equipe de Elaboração do Marco Referencial da PJ Latino Americana de – 2008 – 2012 e consultora da Seção para o tema da juventude. Professora da Pós Juventude.... Autora e co-autora de alguns livros sobre a temática da juventude e materiais para grupos de jovens.

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