quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Biodiversidade e agricultura: da política à produção




Rodrigo C. A. Lima*
A Índia sediou, em outubro de 2012, a 11ª Conferência das Partes (COP11), órgão supremo decisório no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e a 6ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena (MOP6). Embora o nome possa remeter a uma abordagem exclusivamente ambiental, a agenda da CDB integra cada vez mais temas relacionados com a produção agropecuária e com o debate sobre sustentabilidade no campo.
A implementação das Metas de Aichi sobre Biodiversidade é um dos temas intimamente ligados ao setor agrícola. O Brasil deve aprovar as metas nacionais no primeiro semestre de 2013 e pelo menos duas delas têm impacto direto na agricultura.
A primeira requer que até 2020 todas as atividades agropecuárias, de silvicultura e aquicultura sejam praticadas de forma sustentável. Entretanto, como não há definição sobre o que é sustentabilidade, caberá ao governo criar indicadores que ajudem a determinar o conceito. Para alguns stakeholders, o uso de defensivos químicos e a Biotecnologia não estariam contemplados na acepção de sustentabilidade, embora a adoção de tecnologias no campo tenha permitido sucessivos aumentos de produtividade, reduzindo, portanto, a pressão por novas áreas para produção agrícola.
A outra meta prevê que cada país deve preservar ao menos 17% do seu território na forma de áreas protegidas que, segundo a CDB, devem ser geograficamente definidas e manejadas para fins específicos de conservação. No Brasil, a ideia é que cada bioma tenha, no mínimo, essa porcentagem de proteção. No entanto, há uma pressão de ONGs e grupos que entendem que somente Unidades de Conservação (UC) devem ser consideradas para a meta, excluindo, portanto, as Áreas de Preservação Permanente (APPs), áreas de Reserva Legal (RL) e áreas indígenas.
A legislação brasileira prevê a existência de áreas protegidas dentro das propriedades rurais, na forma de APPs e áreas de RL. Atualmente existem 107 milhões de hectares de UCs no país, principalmente na Amazônia. Por outro lado, estima-se que haja 274 milhões de hectares de vegetação nativa nas fazendas, segundo estudo do Professor Gerd Sparovek da ESALQ/USP (2011). Essas áreas também visam preservar e conservar os recursos da diversidade biológica, a água, o solo e o meio ambiente em geral, e por isso têm um papel fundamental quando se trata de conservar a biodiversidade.
Assim, espera-se que as APPs e as áreas de RL com vegetação nativa sejam reconhecidas como alternativas para a conservação da biodiversidade e, consequentemente, para ajudar o Brasil a cumprir com suas metas na CDB.
O Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios é outro assunto que requer a atenção do setor agropecuário. Aprovado em 2010 com intensa participação do Brasil, este Protocolo tem como objetivo fazer com que os países adotem legislações que regulem o acesso a seus recursos genéticos (in situ), aos conhecimentos tradicionais associados e permitam a repartição de benefícios oriundos desse acesso. Na prática, ele incide sobre a coleta de plantas, sementes, essências, genes e moléculas para pesquisas que podem gerar produtos no futuro.
Como a ratificação do Protocolo exige que os países tenham leis para regular o assunto, é essencial que o Brasil adote uma nova regulamentação, que aprimore, por exemplo, o sistema de repartição de benefícios. Contudo, é fundamental que a nova lei seja clara sobre as regras para novas pesquisas que dependam de acesso a recursos genéticos nos seus países de origem (como a soja, originária da China). Os recursos acessados antes da entrada em vigor da nova lei e que geraram produtos ficariam isentos? Recursos domesticados e há décadas produzidos no Brasil ficam isentos? Quais serão as regras para os centros de pesquisa? O desafio é elaborar uma regulamentação que não crie entraves, mas que assegure a proteção dos recursos da biodiversidade brasileira e fomente a repartição de seus benefícios.
Por fim, ainda no âmbito da CDB, outro Protocolo que possui relação direta com a agricultura é o de Cartagena, sobre questões ligadas à biotecnologia. Na MOP6 a principal discussão se deu em torno da adoção de um guia que oriente os países em seus processos de análise de risco, bem como a criação de um grupo que estudará as implicações socioeconômicas dos produtos geneticamente modificados.
Dessa forma, temas que, a princípio, podem parecer distantes da produção agropecuária, estão vinculados à regulamentação das tecnologias que vão para o campo depois de anos de pesquisas. Esses exemplos mostram que a participação do setor agropecuário na agenda da CDB é fundamental. Os próximos anos são especialmente estratégicos para que a agropecuária se faça reconhecer como um setor sustentável, ambientalmente responsável, socialmente justo e economicamente viável.
Em 2013, questões relacionadas à biodiversidade estarão em discussão no Brasil, com foco na definição de metas. Internacionalmente, a COP12 ocorrerá em outubro de 2014, oportunidade em que serão tomadas decisões que vão embasar as políticas sobre o tema. É preciso coordenação e participação ativa do setor agropecuário nessa agenda para garantir que visões unilaterais e eventualmente equivocadas não prevaleçam.
*Advogado, gerente-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE) e conselheiro do CIB.

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