quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Cinco anos após independência, Kosovo ainda enfrenta tráfico e tensões entre comunidades


Eis um ponto que lembra muito uma fronteira, mas ainda não é. Estamos no início de fevereiro, no posto número um de Jarinje, na extremidade norte de Kosovo. Nessa zona montanhosa, o vento glacial castiga o rosto das pessoas. De um lado, a "policija" sérvia, de colete amarelo; a alguns metros de lá, seus colegas kosovares

Piotr Smolar
Apoiadores do partido de oposição Vetevendosje (em português, "autodeterminação") realizam protesto em Pristina, Kosovo
Apoiadores do partido de oposição Vetevendosje (em português, "autodeterminação") realizam protesto em Pristina, Kosovo
Entre eles, para vigiar os vigilantes, alguns agentes da Eulex, a missão civil europeia enviada ao Kosovo para ajudar no surgimento de um Estado de direito. Nos dois últimos meses foram instalados contêineres, reforçando a ideia de um progresso estável, cinco anos após a proclamação da independência da antiga província sérvia.
Esse posto comum é um avanço concreto, prático, até mesmo histórico, no diálogo direto iniciado entre Pristina e Belgrado em março de 2011, com ajuda da União Europeia (UE). Os postos de Jarinje e Merdare foram inaugurados no dia 10 de dezembro de 2012, sem que fossem enviados para lá os símbolos dos dois Estados. Toda a filosofia do diálogo – fazer antes de nomear – está resumida aqui.
O objetivo é tão político quanto policial. A ideia é sobretudo reduzir os tráficos na região (de cigarro, gasolina, drogas etc.). Um oficial de ligação também será enviado para cada capital. Um dia, talvez digam que eles prefiguravam embaixadores. Mas, enquanto isso não acontece, eles não terão instalações próprias e trabalharão nas da delegação da UE. "A finalidade do diálogo é a normalização entre os dois países, para que eles não se bloqueiem mais no plano internacional", resume Samuel Zbogar, representante especial da UE em Pristina.
Mas, em Kosovo, mais do que em outros lugares, nada parece fácil. Para chegar a seu local de trabalho, os funcionários kosovares se revezam a cada três dias de… helicoptero. Para além do rio Ibar, é impossível para eles irem com a viatura de serviço pela longa estrada de 48 quilômetros que vai do norte de Mitrovica para a "fronteira". A razão: a oposição da população sérvia, amplamente majoritária nessa região, composta por quase 50 mil pessoas.
Barreiras continuam erguidas na via principal que leva para lá. Em uma tenda aquecida, um civil sérvio observa os carros. Alguns não são bem-vindos, quando representam a vontade de Pristina de afirmar sua autoridade. Por diversas vezes, em janeiro, veículos foram parados, mal saíram da base de Eulex, situada em Mitrovica sul. Os sérvios foram alertados, aparentemente por informantes dentro da própria missão.
Incidentes regulares aconteceram na parte norte da cidade. Para resolvê-los e investigá-los, foi criada uma força-tarefa pela Eulex, no final de 2010. Inicialmente, ela se concentraria na grande criminalidade, mas a piora brutal da situação mudou as coisas. No final de julho de 2011, sérvios locais incendiaram o posto de controle de Jarinje para frustrar a tentativa das autoridades de Pristina de assumirem o controle. Barreiras foram erguidas em toda parte pelas estradas. Os representantes da Eulex foram convidados firmemente a dar meia-volta. Essa erupção contrariou os planos da KFOR, a força militar da Otan usada desde o final da guerra, que devia reduzir progressivamente seus efetivos (5.134 soldados, sendo 323 franceses).
A tensão baixou ao longo dos meses seguintes. A força-tarefa se acostumou com a rotina de violência. Desde o início de dezembro de 2012, dizem que pelo menos dez granadas foram lançadas. O objetivo não era matar, mas intimidar dois alvos: as testemunhas nas investigações e aqueles que trabalham com a Eulex ou as autoridades de Pristina.
Na véspera de nossa visita à base, no dia 4 de fevereiro, granadas haviam explodido no bairro de Três-Torres em Mitrovica e em Leposavic. Era noite, impossível para a Eulex se deslocar em total segurança. Mas o principal problema reside em colher depoimentos. "As pessoas têm medo", reconhece Bart Donie, policial belga de 37 anos, um dos doze expatriados que trabalham na força-tarefa. "Aqui todo mundo se conhece. No entanto, foi lançada uma campanha de informação, com um número de telefone criado especialmente para isso."
O norte do Kosovo continua sendo uma zona cinzenta disputada. O estabelecimento do famoso ‘rule of law’, pilar da missão da Eulex, esbarra em um problema jurídico: qual código penal deve ser aplicado, sérvio ou kosovar? Quem deve nomear os magistrados do tribunal de Mitrovica norte? Existe também um problema administrativo. Vários atores – sérvios, albanófonos e internacionais – reivindicam a autoridade sobre Mitrovica norte, aniquilando-se uns aos outros. "É um caos total", reconhece Georgios Makeroufas, conselheiro politico da Eulex na região. Pristina deve encontrar uma maneira de mostrar aos habitantes do Norte que eles são tratados como iguais. É preciso legalizar as estruturas paralelas e não desmantelá-las.
Por enquanto, a UE pede pela dissolução dessas famosas estruturas paralelas sérvias, financiadas por Belgrado. Só falta chegar a um consenso quanto à sua definição: seriam somente homens armados que pretendem formar uma milícia de cidadãos? Administrações municipais, cujos chefes são contra qualquer mudança? Ou também hospitais e escolas? Diretor da Eulex até o início de fevereiro, o general francês Xavier Bout de Marnhad considerava necessário distinguir as estruturas "hard" – estatais (polícia-justiça) – das "soft". "Pelo menos durante uma fase de transição", ele nos dizia, "será preciso considerar um poder executivo europeu no norte. Se privarmos os sérvios de suas estruturas, será preciso lhes dar garantias extras de segurança".
Mas a principal preocupação da Eulex diz respeito à mistura entre o território criminal e o nacionalista. A defesa dos direitos dos sérvios serve de cobertura para muitos traficantes, muitas vezes próximos de politicos locais radicais, para realizar suas atividades entre os dois países. Com um filão: o reembolso do IVA, imposto sobre valor agregado, quando se atravessa a "fronteira" do lado sérvio.
Antes da criação do posto comum, bastava pegar estradas secundárias ilegalmente e evitar os agentes kosovares para não pagar nenhuma taxa e lucrar com uma margem sobre o azeite de oliva, a farinha, o sabão em pó etc. Sem falar no tráfico de gasolina. Seriam entre dez e quinze criminosos sérios, que se cercam de ajudantes para tarefas específicas, e se aliam facilmente a colegas albaneses. Essa forma de acordo étnico, já incrustado, não empolga ninguém além daqueles que lucram com ele.
Tradutor: Lana Lim

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