quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Consumo de matéria seca: mais é sempre melhor?



Por Marina A. Camargo Danés
postado há 17 horas e 59 minutos atrás

Produtores de leite constantemente têm que lidar com elevação dos preços de insumos agrícolas no mercado mundial, que resulta em aumento no custo de alimentação do rebanho leiteiro. Um bom exemplo disso foi o que ocorreu em 2012, com elevação do preço de grãos decorrente da forte seca ocorrida nos EUA no meio do ano. Em artigo publicado em agosto/2012, o MilkPoint mostrou que a receita menos custo da ração foi a menor para aquele mês dos últimos 5 anos (clique aqui para ler o artigo). De fato, enquete do MilkPoint realizada no final do ano passado mostrou aumento da preocupação dos produtores com o custo de produção do leite, apontado como maior desafio do setor para 2013 (clique aqui para ler mais sobre os resultados dessa enquete).

Frente a desafios como baixa relação entre preços de leite e ração, muitos produtores optam por estratégias para baratear a dieta, como uso de subprodutos, maior relação volumoso:concentrado, ou o uso de ingredientes que já estejam disponíveis na propriedade em vez dos provenientes de fornecedores externos. Algumas dessas mudanças na dieta podem reduzir muito sua densidade energética, fazendo com que os animais mobilizem gordura corporal para sustentar a produção, que normalmente é reduzida. Infelizmente, algumas das estratégias para redução do custo da ração também envolvem retiradas de minerais e vitaminas da mistura (geralmente o componente individual mais caro – em R$/kg do ingrediente – da ração), o que gera deficiências e problemas a longo prazo relacionados à saúde das vacas e, consequentemente, para o sistema.

Entretanto, outra alternativa para lidar com altos custos de alimentos foi proposta pelo agente extensionista de produção de leite da Universidade da Califórnia, Peter H. Robinson, em uma publicação recente e muito interessante (referência ao final deste artigo). Robinson aponta que poucos produtores, quando enfrentam situações desafiadoras como essa, procuram alterar alguns princípios básicos de manejo para “convencerem” suas vacas a comerem menos. Por mais estranho que isso possa parecer, existe uma boa explicação por trás dessa estratégia.

De modo geral, a primeira regra em fazendas de leite com vacas de alta produção é nunca deixar que os cochos fiquem completamente vazios, uma vez que cochos vazios fazem com que as vacas comam muito e muito rápido na próxima alimentação. Isso pode levar a diversos problemas como acidose, deslocamento de abomaso e outros eventos desagradáveis, como competição entre as vacas para acessar o cocho quando a comida é fornecida, o que pode gerar injúrias. A segunda principal regra nesses sistemas de produção é que consumo de matéria seca (CMS) é uma coisa boa e que quanto maior esse número, melhor para o sistema. Dessa forma, a maior parte das fazendas produtoras de leite adotam estratégias tanto nutricionais como de manejo alimentar e dos animais que maximizem o CMS. Mas essa é realmente a melhor coisa a se fazer em todas as situações?

É fato que, de modo geral, maior CMS reflete em maior produção de leite e a eficiência com que cada quilo extra de ração é utilizado para produzir leite aumenta, visto que as exigências de mantença do animal se diluem. Entretanto, o que muitas vezes passa desapercebido é que quanto maior o CMS, menor será a digestibilidade desse alimento, devido à maior taxa de passagem decorrente do consumo elevado. Em outras palavras, quanto mais o animal come, mais o alimento é “empurrado” para fora do trato digestível (rúmen e intestinos), permanecendo menos tempo à disposição para digestão e absorção dos nutrientes.

Historicamente, quando a situação de mercado (relação preço do leite/preço da ração) é favorável, maximizar o CMS sempre é uma boa estratégia, visto que mesmo que a digestibilidade da dieta seja reduzida pelo aumento do consumo, esse pequeno decréscimo (em % da deita) é compensado por um aumento na quantidade de alimento digestível ingerida, o que resulta em aumento na produção de leite. Quando a relação preço do leite/preço da ração é alta, qualquer pequeno aumento na produção de leite será rentável. Entretanto, em situações como a do meio do ano passado, em que a relação preço do leite/preço da ração atingiu valores críticos, esse pequeno aumento na produção, resultante das estratégias que possibilitaram o aumento no CMS, deixa de ser rentável.

Nesses momentos, uma melhor alternativa seria a de convencer as vacas a comerem menos. Seguindo o mesmo raciocínio, consumo menor reduz a taxa de passagem e aumenta a digestibilidade do alimento. Com isso, a eficiência alimentar (kg leite/kg de ração) também aumenta, pois cada quilo da ração é melhor utilizado e possibilita a produção de mais leite. Contudo, reduzir o CMS não significa limitar a oferta de alimento, visto que essa prática pode trazer consequências desastrosas relacionadas à produção de leite e saúde das vacas. Então como convencer as vacas a comerem menos sem limitar a quantidade de alimento oferecida? Existem maneiras de reduzir o CMS em até 10% com o objetivo de aumentar eficiência alimentar sem prejudicar as vacas e/ou causar problemas de saúde no rebanho. No entanto, é preciso dar um passo para trás e reconsiderar as estratégias que são utilizadas para maximizar o CMS na propriedade. Algumas das estratégias que podem ser utilizadas para vacas em confinamento estão listadas a seguir:

- aumentar o teor de umidade da ração total, uma vez que dietas mais úmidas (teor de umidade maior que 50%) tendem a reduzir o consumo voluntário;

- aumentar o teor de fibra da dieta, o que também reduz consumo voluntário devido a menor taxa de passagem de alimentos fibrosos (cuidado deve ser tomado ao se utilizar alimentos fibrosos de baixa qualidade que irão reduzir consideravelmente a densidade energética da dieta e prejudicar o desempenho. A recomendação aqui diz respeito a forragens de alto valor nutritivo);

- evitar ingredientes conhecidos por estimular o consumo, como forragens frescas;

- reduzir o número de vezes que a dieta é revolvida (empurrada) nos cochos, já que isso estimula as vacas a levantarem e iniciarem nova alimentação;

- libere o acesso das vacas a áreas externas ao free-stall, pois mantê-las presas no free-stall aumenta o número de visitas ao cocho;

- aumente levemente a densidade de animais nas baias, já que maior densidade causa redução de consumo em todos os animais (nesse caso, a atenção com animais doentes ou em desvantagem hierárquica deve ser redobrada).

Todas essas medidas soam exatamente como o oposto das práticas de manejo adequadas para vacas em confinamento e, na realidade, elas assim o são quando o objetivo do manejo é maximizar consumo de alimento. No entanto, essas mesmas medidas deixam de ser interessantes quando o objetivo do sistema é maximizar eficiência alimentar. Quando a relação preço do leite/preço dos alimentos é muito desfavorável e o produtor tem que continuar pagando suas contas, esse tipo de estratégia proporciona uma solução mais sustentável, sem prejudicar os animais no longo prazo.

De qualquer forma, como ocorre com qualquer mudança de manejo, os passos devem ser tomados um a um e com cautela, sempre observando o resultado de cada atitude. O CMS, produção de leite e eficiência alimentar devem ser monitorados semanalmente após uma mudança de manejo como essa. Além disso, é essencial que a propriedade conte com um profissional capacitado para avaliar escore de condição corporal pelo menos uma vez por mês para assegurar que as mudanças no manejo alimentar não estão causando excessiva mobilização de gordura corporal. Deve-se ficar atento pois vacas mobilizando muita condição corporal apresentam os maiores valores de eficiência alimentar, o que pode parecer uma coisa positiva, mas neste caso são decorrentes de uma situação totalmente não sustentável. As dificuldades enfrentadas pela pecuária leiteira oferecem oportunidades para que todas as práticas de manejo sejam re-avaliadas e, quando possível, ajustadas para permitir rentabilidade na propriedade (ou ao menos minimizar perdas). Alterações no manejo alimentar que “convençam” as vacas a comerem menos com o objetivo de aumentar eficiência alimentar pode ser uma interessante estratégia para contornar períodos em que a relação preço do leite/preço dos alimentos é muito desfavorável.

Referências: Robinson, P.H. 2012. Dry matter intake: Is higher always better? WOARDS WEST, June 2012.

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