sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Desobediência Civil. Entrevista com Esther Vivas, ativista social



 
Mariló Hidalgo
Periodista. Revista Fusión
Adital
Tradução: ADITAL
Primeiro, ocuparam de forma massiva as praças; em seguida, prédios vazios, bancos e, inclusive, supermercados. "A desobediência civil está se convertendo em uma prática cada vez mais comum e começa a recuperar o espaço público”, assegura Esther Vivas, ativista e investigadora em movimentos sociais.

"Mais pobreza, mais paralisações, mais fome, mais recortes, mais desemprego, mais indignação, mais mal estar e... mais desobediência como resposta nas ruas. Frente a essas leis e práticas injustas, a única opção que resta é desobedecer”. Com essa contundência expressa-se Esther Vivas, uma comprometida ativista social, licenciada em jornalismo e sociologia, e autora de vários livros sobre movimentos sociais e agroecologia.
Precisa e incisiva, reconhece que para mudar as coisas falta paciência: "as situações mudam, se aceleram ou se comprimem e não sabes qual será a gota que encherá o vaso”.
- Acreditas que os elementos para um movimento de desobediência civil estão dados na Espanha?
- As práticas de desobediência civil já estão se instalando em nossa vida cotidiana. A ocupação de praças por parte do movimento 15M era um ato de desobediência civil massiva, e, a partir daí, assistimos a uma série de ações de desobediência às leis e a práticas injustas: a Plataforma dos Atingidos pelas Hipotecas (PAH) ocupando prédios vazios; movimentos relacionados com as estafas das preferentes ocupando os bancos; a entrada do Sindicato Andaluz de Trabalhadores (SAT) em um supermercado para levar sem pagar alimentos de primeira necessidade para, em seguida, dá-los aos necessitados etc. O mais importante em relação a épocas anteriores é que esses atos de desobediência civil conectaram amplos setores da sociedade que não se mobilizam porém que se sentem representados por essas ações e as apoiam.
- Dizes que se trata de algo cada vez mais cotidiano; porém, a sensação através dos meios é que se trata de fatos isolados...
- A realidade é muito distinta. A tudo o que comentei antes, devemos agregar o que está acontecendo na Catalunha: pular os pedágios nas estradas; negar-se a pagar o aumento de tarifas no transporte público... Frente às políticas e leis injustas, surgem ações como estas, que são ilegais, porém também são legítimas. No Estado Espanhol, onde a cada dia são despejadas 532 pessoas, enquanto há dados da existência de seis milhões de lugares vazios, ocupar uma casa e dar-lhe uso social é ilegal, porém é considerado legítimo por amplos setores da sociedade. O mesmo se pode dizer com as ações do SAT nos supermercados, nesse verão. O que deveria ser ilegal é que os supermercados a cada dia joguem no lixo toneladas de comida, enquanto um milhão de pessoas n esse país passa fome. Ilegal deveria ser a estafa das preferentes, especular com o setor imobiliário, deixando milhares de família nas ruas. Dar comida a quem o necessita ou exigir justiça em relação às práticas dos bancos é totalmente legítimo, mesmo que, às vezes, implique em ações ilegais.
- Que influencia tem tido o 15M nesse tipo de respostas cidadãs?
- Tem sido determinante. Marcou um ponto de reflexão. Tem permitido manter a confiança no "nós”, em que "se queremos, podemos” e tem desmascarado a estafa da crise. Quando o movimento começou a ocupar praças, se dizia: "isso não é uma crise do capitalismo”; "não somos mercadoria em mãos de políticos e banqueiros”; estes slogans que ressaltavam as causas profundas e estruturais da crise hoje são compartilhados por amplos setores da sociedade. O discurso do 15M e suas práticas colocaram em entredito o sistema que o sistema defende, ao repetir: "vivem acima de suas possibilidades. Portanto, são culpados e cúmplices dessa crise e devem aceitar as consequências”. O 15M reverteu essa situação e diz que quem vive acima de suas possibilidades é a elite política e econômica desse país, e os discursos de "isso não é uma crise, mas uma estafa” são compartilhados por muitos. Tiraram a máscara do sistema e o veem como ele é: com a cara da usura, da avareza, da corrupção e da estafa.
- Que opinião tens sobre o projeto de reforma do código penal, que incluirá como delito a convocação de concentrações não autorizadas através da Internet?
- A outra cara da política de recortes e das tesouras é essa política repressiva e da criminalização. Quando não se podem aplicar medidas de reajuste por bem, como acontece agora, e surgem movimentos de protesto nas ruas, as aplicam por mal. Essa estratégia tenta criminalizar o movimento, qualificando-o de antissistema, e quando não consegue o objetivo, o criminaliza. Nesse sentido, a Catalunha tem encabeçado, por exemplo, quando o Chanceler do Interior, Félix Puig, colocou em marcha uma web para delatar manifestantes; ou quando detiveram mais de cem pessoas na greve de 29 de março, ou quando impuseram multas exorbitantes. Houve uma grande escala repressiva.
- Muitas pessoas que se manifestam nas ruas são da terceira idade. Esse movimiento atinge a todo mundo?
- A crise e as políticas de ajuste atingem de forma dramática aos jovens. Nesse momento, a taxa de paralisação atinge 50% da juventude; porém, no outro extremo, outros grandemente atingidos pela crise são os idosos. Os recortes em saúde faz com que muitas famílias tenham grandes dificuldades para chegar ao fim do mês. A crise é tão profunda que cada vez mais atinge a mais setores sociais e, diante disso, às pessoas não resta outra saída que mobilizar-se. Por isso, apesar de terem tentado estigmatizar ao movimento, tachando-o de "porra louca”, a opinião pública vê pela TV a pluralidade que participa e já não acredita nas mentiras defendidas pelo sistema.

"Deveria ser ilegal que os supermercados, a cada dia, joguem no lixo
toneladas de comida, enquanto um milhão de pessoas passa fome no país”.

- O que acontece com essa "maioria silenciosa”, da qual fala o presidente mariano Rajoy?
- Depois que Mariano Rajoy agradeceu à "maioria silenciosa” que ficava em casa e não protestava durante o 25S, El País publicou o resultado de uma pesquisa que mostrava que 70% da opinião pública estava de acordo com o 25S "Rodeia o Congresso”. Ou seja, essa maioria silenciosa se unia aos que protestavam e não aos que se calavam.
- A corrupção é o quarto problema que mais preocupa aos espanhóis, segundo o último barômetro do CIS. Às diferentes manifestações que acontecem nas ruas, somam-se agora a de cidadãos em frente às sedes do PP. Há um incremento do movimento cidadão?


- A resposta nas ruas frente à corrupção deve ser vista em curto e médio prazos. Hoje, não é interpretada e percebida tal como ontem. A profundidade da crise faz com que a corrupção seja uma gota a mais que cai em um copo a ponto de transbordar. Quando as pessoas não conseguem chegar até o fim do mês, não podem pagar sua hipoteca, não podem comprar nem o essencial; enquanto outros enriquecem de forma ilícita, isso gera muita indignação. Justamente porque se constata que os mesmos que davam lições de austeridade sempre viveram entre o esbanjamento e a opulência. Frente a isso, há uma resposta social na rua; as sedes do Partido Popular estão sitiadas e o próprio Partido enfrenta um desgaste muito grande. Teremos que ver como isso vai evoluir. Quando aconteceu o 15M ninguém esperava algo assim. Os movimentos são cíclicos e este supôs o início de um novo ciclo de mobilização em um contexto de crise profunda e global. Portanto, não é algo previsível. Quando os ingredientes adequados se combinam, explode.

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