quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Entrevista com Carlos Melles –presidente da Cooparaiso e Deputado Federal MG



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Carla de Pádua Martins comentou em: 19/02/2013 16:47

Por que não reagimos?


Presidente da Cooparaiso há 25 anos, Deputado Federal (licenciado), exercendo o quinto mandato consecutivo. É presidente de honra do Conselho Nacional do Café (CNC) e da Frente Parlamentar do Cooperativismo (Frencoop) idealizou em 1996 o Conselho Deliberativo da Política Cafeeira (CDPC)

Milhares de produtores e trabalhadores rurais, homens e mulheres que suam a camisa todos os dias com dedicação e amor, dão ao Brasil não só a chancela de maior produtor de café do mundo, mas em paralelo com sua atividade de alto risco a céu aberto, geram um formidável saldo comercial para Minas e para o país, e um impacto muito consistente na geração de empregos e renda em torno de uma cadeia produtiva presente em 1.800 municípios brasileiros.
A despeito de sua histórica importância social e econômica, a mais brasileira das bebidas é festejada com glamour em importantes círculos, mantendo uma distância telescópica de quem amanhece e anoitece na roça para fazer brotar do chão essa riqueza brasileira. Da porteira pra dentro, produtores de café insistentemente lutam com sua atividade agrícola, enfrentando adversidades climáticas e a ausência efetiva de uma política cafeeira que dê sustentação de preços ao produto. A dura realidade é que enquanto o Brasil colhe os bons frutos do cafeeiro, o governo federal vira as costas para o produtor.
Mas vivemos em um país que, sobretudo nos últimos anos, tem sido pródigo em assuntos polêmicos, complacente com alguns setores e padrasto com outros igualmente fundamentais, como é o caso da cafeicultura. Curiosamente, a não ser pelas mobilizações e audiências públicas realizadas nos últimos anos – como exemplo o SOS Café, não existe o fenômeno, hoje em moda no mundo, do movimento dos indignados.
E a sociedade urbana, as pessoas do comércio, indústria e serviços, as entidades e instituições de classe, por que não engrossam o movimento dos indignados? Por que não se mobilizam nas redes sociais?
Há 25 anos como dirigente de uma cooperativa de cafeicultores, conheço a real situação e o lamento de cafeicultores Brasil afora, mas infelizmente não temos a cultura de nos manifestarmos de forma clara, transparente, mostrando de forma organizada e consistente nosso imenso endividamento e o extenso prejuízo que o Brasil está tendo face a omissão do governo federal diante de um assunto nacional de tamanha relevância. Tomem nota: R$ 8 bilhões. Essa é a sangria que o país sofreu, resultante da queda no valor do produto no último ano.
O produtor de café, apesar de sua eficiência, vende seu produto abaixo do custo de produção ou raramente empata, e ainda assim é um conformado. Já tivemos boas mobilizações no país. Quem se recorda do tratoraço contra o Plano Funaro? Mas o mundo mostra mais atitude. Exemplo mais recente foi na Bélgica, quando produtores despejaram toneladas de leite no centro da capital, Bruxelas. Eles vieram da França, da Polônia, da Alemanha, da Holanda e invadiram o centro de Bruxelas com centenas de tratores e interromperam o trânsito. Os manifestantes enfrentaram as tropas de choque com jatos de leite e lançaram esguichos contra o prédio do parlamento.
O protesto foi contra o preço de venda do leite, que, segundo eles, não paga nem o custo da produção. Não somos agitadores, somos trabalhadores, mas a realidade é que nós cafeicultores brasileiros enfrentamos a mesma situação, e no entanto parece que o problema não é com a gente. 
O Governo Federal acode setores que julga importantes, e de fato são importantes. Foi assim com a chamada linha branca, com a indústria automobilística, e mais recentemente com a construção civil que, segundo a Presidente “o conjunto de medidas anunciado é “um reconhecimento da importância da construção civil para geração de empregos, para estimular várias cadeias produtivas”. 
Há poucas semanas o governo voltou a reforçar as medidas de apoio à indústria, como a desoneração da folha de pagamento. Ótimo! E cadê o reconhecimento do café?
Embasamento técnico o setor cafeeiro tem, a partir de estudos de altíssimo nível realizados por instituições de excelência, entre as quais a Fundação Getúlio Vargas, Oxfam, Tecnoservice, Agroconsult, entre muitas outras, cujos trabalhos merecem ser conhecidos e/ou revisitados.
Interessantemente, quando é preciso, a imensa massa de produtores e trabalhadores do café, da cadeia produtiva, são lembrados. Era a esses produtores que nos últimos anos os então candidatos à Presidência da República se comprometeram publicamente com os produtores, quanto estiveram nas regiões cafeeiras, todos dizendo que fariam uma política para dar estabilidade a quem trabalha com o café. “Aqui bate o coração do café, em parceria com o governo do Estado, darei todo apoio a esta atividade”, afirmou a candidata Dilma Roussef, que bem intencionada agora Presidenta ao que tudo indica não tem informações reais e consistentes para tomar uma decisão nacional para o café.
A dura realidade é que não se vê atenção com um produto que tanto fez e que muito representa para o Brasil, sob a ótica econômica, social e ambiental, a qual preconizamos em discurso na assembléia geral da Organização Internacional do Café – OIC, em 2009.
Por seu turno, o governo do Estado de Minas – que tem sob sua responsabilidade a produção de 56% da safra nacional de café, fez uma medida importantíssima, sendo o primeiro estado do mundo a criar um fundo específico para o café, o Fecafé, um instrumento para mitigar riscos da setor cafeeiro.
Mas, de volta ao centro da discussão em torno de uma política de sustentação de preços, tendo os preços do café se deslocado para patamares compatíveis com a rentabilidade da atividade nos últimos três anos, depois de permanecer abaixo do custo de produção por mais de dez safras, o mercado mundial esta sendo dominado por informações, disseminadas por empresas comerciais internacionais, sugerindo que o Brasil e o Vietnã, os dois maiores países produtores de café do mundo, estão com perspectivas de ampliar significativamente seus níveis de produção.
A demanda mundial de café tem sido abastecida nos últimos anos pela absorção total das produções de cada ano agrícola e pela utilização dos estoques de safras remanescentes. 
Os países produtores de café estão com seus estoques em níveis reduzidos, o que tem provocado inclusive a expressiva importação de café, fenômeno particularmente visível na Colômbia, Venezuela, Índia e México. 
Pelo lado dos estoques nos países consumidores a tendência tem sido também a de queda, o que pode ser verificado nas estatísticas da Federação Europeia de Café ou nos estoques publicados pela Associação Nacional de Café dos Estados Unidos.
Evidentemente o efeito dos preços do café nos últimos três anos provocará a ampliação do volume mundial de produção de café. Com vistas a uma avaliação e um planejamento estratégico mais minucioso é fundamental que o Brasil promova o levantamento do seu parque produtor e realize missões de pesquisa no seu principal concorrente, o Vietnã.  Temos sugerido ao Governo, repetidamente, a necessidade de levar a cabo esses levantamentos, básicos, para o conhecimento da real situação da oferta potencial mundial.
O levantamento do potencial da produção brasileira para o próximo ano safra, de 2013/14, realizado pelas cooperativas de Minas Gerais, considerando que o Brasil estará no ciclo de baixa da sua bienalidade, não corroboram os dados de empresas internacionais dando conta de uma elevação da produção nacional.
Pelo lado da demanda, a Organização Internacional do Café, segundo recente pronunciamento do seu diretor executivo confirma uma taxa de expansão anual da ordem de 2,4%, o equivalente a cerca de 3,2 milhões de sacas ao ano.
No curso dos próximos anos, mesmo ocorrendo uma elevação pontual de oferta global, a demanda mundial irá superar a marca de 160 milhões de sacas, representando nível de abastecimento que a área ocupada com café não poderá atender.
É fundamental que o Brasil programe uma política de sustentabilidade da sua cafeicultura, ferramenta que alavanca o desenvolvimento econômico, social e ambiental do produto agrícola que se confunde com a história do país.
A proposta, conforme abaixo, tem como objetivo a mitigação dos riscos do produtor, estimular a manutenção dos tratos culturais, ordenar o fluxo de oferta, balizar preços de médio prazo e reduzir a volatilidade dos preços internacionais, cuja mola mestre é à falta de clareza do mercado de como o Brasil vai escoar seu café.
a) O crédito para custeio, em função do café ser uma cultura perene, deve ser considerado fundamental para a sobrevivência do produtor e para a redução do custo e risco do capital de giro. 
b) O preço mínimo de garantia é ferramenta fundamental e obrigatória na nossa da realidade e na nossa conjuntura de produção. Sem ele no preço real de custo, é um risco grande ao produtor.
c) Os Estoques reguladores são absolutamente relevantes para um país que é o maior produtor e será o maior consumidor de café do mundo.
São sugestões objetivas e práticas que poderão ser implementadas em conjunto, nenhuma delas isoladamente resolveria o problema e em conjunto permitiria a mitigação e a flexibilização de seu uso, repetindo a mitigação dos riscos.
É muito importante levar em conta essas modalidades quando colocadas, ainda que como normas (parâmetros) do governo, elas são exercidas na prática, em percentual muito pequeno. Observem os resultados do programa de opções, do PEPRO, exemplo de aplicações de baixo percentual físico e financeiro com grande resultado no volume da safra como um todo. Funcionam sempre como uma rede de proteção, por isso a sua pouca utilização funciona sempre bem. Esse seria o principal papel normativo e regulatório, que com muito poucos recursos, grandes resultados surtem grandes efeitos, como segue. 
1) PROGRAMA DE OPÇÃO DE VENDA PARA OS PRODUTORES DE CAFÉ PELO MENOS POR 5 ANOS PARA ESTABILIZAÇÃO DE MERCADO
2) PROGRAMA PEPRO – PRÊMIO DE ESCOAMENTO DE PRODUÇÃO POR 5 ANOS.
3) PROGRAMA DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL; 
a. PRÊMIO PARA PRODUTORES DE CAFÉ CERTIFICADOS, ESTIMULANDO A CERTIFICAÇÃO
b. PRÊMIO PARA PRODUTORES CERTIFICADOS QUE PRATICAM A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
c. PREMIO PARA PRODUTORES, EM ESPECIAL, NAS REGIÕES DO SUL DE MINAS E ZONA DA MATA, PELA GERAÇÃO E FIXAÇÃO E GERAÇÃO DE MÃO DE OBRAS-EMPREGO
d. PRÊMIO PARA PRODUTORES E COOPERATIVAS PRONAFIANAS
4) PROGRAMA DE CPR – CÉDULA PRODUTOR RURAL A CUSTO ZERO PARA O PRODUTOR
5) PROGRAMA PRÊMIO TRAVA/ HEDGING PARA VENDA FUTURA DE CAFÉ NA BM&F, A CUSTO ZERO PARA O PRODUTOR
6) PROGRAMA DE TROCA DE INSUMOS E MÁQUINAS JÁ PRATICADOS SEM FORMALIZAÇÃO POR EMPRESAS, COOPERATIVAS E PRODUTORES
7) PROGRAMA DE APOIO A MECANIZAÇÃO DA COLHEITA, JÁ APRESENTADO E APROVADO NO MAPA (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO), DE COLHEDEIRAS INDIVIDUAIS PARA O TRABALHADOR RURAL, E MÁQUINAS DE MÉDIO E GRANDE PORTE PARA COOPERATIVAS E PRODUTORES.
8) FINANCIAMENTO DE USINAS REGIONAIS DE PREPARO DE CAFÉ PARA PEQUENOS PRODUTORES, EM ESPECIAL PRONAFIANOS, POSSIBILITANDO O PREPARO DE CAFÉS ESPECIAIS PARA FINS DE CAFÉ CEREJA DESCASCADO.
9) REVISÃO DE MECANISMOS DE UTILIZAÇÃO DO FUNCAFÉ (FUNDO DE DEFESA DA ECONOMIA CAFEEIRA), COMO FUNDO GARANTIDOR E NÃO PARA FINANCIAMENTOS
10)  ELIMINAR A DUPLICIDADE DE PAGAMENTO FISCAL, FUNRURAL E ENCARGOS SOCIAIS E REVISÃO DE ICMS.
A importância e a situação da cafeicultura é amplamente conhecida. Temos propostas viáveis. Será que não merecemos ter ou exigir uma política para o café que nos dê dignidade para continuar trabalhando?
Nos brasileiros somos pacíficos, pouco dado aos protestos, mas o produtor e o trabalhador rural são heróis anônimos que, de tanto suportarem humilhações, um dia podem querer reivindicar seus direitos com a mesma energia com que suam a camisa no campo. 
Fonte: Carlos Melles

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