domingo, 10 de fevereiro de 2013

Há tragédias porque falta ética ou cuidado



 
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
Adital


Estamos apenas findando o mês de janeiro de 2013 e neste ano já vimos acontecimentos que nos deixaram impactados e profundamente revoltados. Além das constantes notícias de violência divulgadas pela grande mídia, tivemos, mais uma vez, o desastre das chuvas na Baixada Fluminense e agora, por último, a tragédia numa boate de Santa Maria (RS).
Lamentavelmente a grande mídia, inclusive aquela "católica”, se comporta como urubu diante da carniça. Vai atrás de sensacionalismos, buscando audiência com a exploração da miséria alheia. Desloca suas equipes de técnicos e de repórteres para flagrar choros, lamentos e cenas chocantes. Em nenhum momento, porém, esta urubuzada midiática é capaz de aprofundar a questão para ver o que, de fato, está por trás de tragédias tão cruéis. Falta-lhe sensibilidade ética para desencadear um processo sério de reflexão que ajude as pessoas a perceberem as reais causas de tantas desgraças. O máximo que faz é tentar encontrar um bode expiatório sobre o qual descarregar a culpa. Após alguns dias, quando as pessoas já nem dão mais bolas para as notícias requentadas, tira o assunto do ar. Comporta-se como se nada tivesse acontecido. Volta à pauta o futebol e o samba. Afinal é Carnaval!
Infelizmente, milhares de anos depois, o povo continua se comportando como a plebe romana. Dá-se por satisfeito com o "pão e o circo” oferecido pelos políticos corruptos e por sua mais fiel aliada, a grande mídia. Falta-lhe "miolo” para pensar, raciocinar, se revoltar e reagir. Boa parte das pessoas há apenas "miolo mole”, contentando-se com as futricas de um bando de idiotas, os quais, confinados voluntariamente num moderno bacanal, trocam frivolidades e babaquices. E essa parte de desmiolados sente-se o máximo dando uma "espiadinha” nas idiotices de seus colegas sem cérebro. Chega ao cúmulo de pagar para ver tais bobagens, não se dando conta de que está aumentando as polpudas contas dos donos da grande mídia.
No Brasil os meios de comunicação pertencem ao povo. Os "donos” da grande mídia na verdade não são proprietários dela, mas apenas arrendatários. Recebem a concessão pública com a ordem expressa de utilizar tais meios para promover a educação, o lazer sadio, a cultura e a informação. Mas o que na verdade acontece é a inversão dessa ordem. Deseducam, não informam corretamente, promovem perversão em lugar de lazer sadio e chamam de atividade cultural o que é puro lixo. O povo não reage porque falta-lhe educação séria, ou seja, o senso crítico, a capacidade de pensar e de enxergar as coisas como elas realmente são. Por isso se contenta com programas ridículos e de baixaria. Cria-se assim um círculo vicioso: a mídia não educa e o povo não questiona a mídia porque não é educado.
Temos, porém, que reagir. Todos os indignados precisam encontrar uma forma de se manifestar e de protestar. Não podemos aumentar a fila dos conformados com a situação, dos que acham que não há mais jeito. Cada pessoa, cada rede social, cada grupo inconformado precisa encontrar uma maneira de expressar sua indignação e de comunicar isso a um maior número possível de pessoas. É preciso ampliar o círculo e inundar o mundo. Não podemos ficar parados.
Creio que diante de tragédias como a da Baixada Fluminense e da boate em Santa Maria, precisamos acordar para a realidade e identificar o que está por trás disso tudo. Eu, pessoalmente, estou convencido de que a raiz de todos estes males está na falta de ética. Nós, seres humanos, perdemos a compostura. Não nos importamos mais com as outras pessoas. Cada um pensa somente em levar vantagem, em atropelar os outros. O resultado desse monstruoso processo é o atropelamento de todos por todos. Todos pagamos o preço da nossa insensatez, da nossa demência.
Urge, pois, resgatar a ética em todos os ambientes e em todos os âmbitos da sociedade. Os pais precisam educar eticamente os filhos, a escola precisa levar seus estudantes a uma séria reflexão ética. As igrejas precisam diminuir ou até eliminar as gritarias e os louvores histéricos e levar os fiéis a refletirem seriamente sobre a questão ética. Menos reza e mais ética. Sem ética não há futuro para a humanidade, não há futuro para o planeta Terra. Estaremos fadados à extinção. O nosso planeta continuará a existir ainda por alguns bilhões de anos, mas, se continuarmos sem ética, os humanos desaparecerão em breve junto com outras espécies vivas.
Precisamos reverter o método da grande mídia que explora de forma sensacionalista os acontecimentos trágicos e não faz uma reflexão ética séria sobre esses fatos. Precisamos difundir a ética por toda parte. E para difundir e permear o mundo de ética precisamos abolir o paradigma da competição e do consumismo. Precisamos propor o paradigma da inclusão e do cuidado, vendo a Terra como nossa única casa e cada pessoa como um irmão ou uma irmã.
Leonardo Boff nos ajudou a entender a ética como cuidado. Cuidar é se responsabilizar e se compadecer. Quem cuida ama e quem ama cuida. Quando paramos para pensar em certas tragédias como aquelas mencionadas antes, percebemos que isso acontece porque não cuidamos uns dos outros. Há no mundo de hoje uma enorme falta de cuidado. Quando cuidamos preservamos, regeneramos e reforçamos a vida. Por isso hoje nos encontramos numa grande encruzilhada: ou cuidamos mutuamente uns dos outros ou todos iremos perecer. Não há alternativas. Ao invés de ficarmos impressionados com histórias idiotas de "fim de mundo” deveríamos entender que o nosso fim chegará em breve se não cuidarmos uns dos outros.
E desta missão ninguém pode se esquivar. Cada um precisa sentir-se responsável e assumir sua tarefa. É claro que as responsabilidades são diferentes, de acordo com as funções que exercemos, mas ninguém pode se omitir, fugir e lavar as mãos. Nenhum de nós pode ficar esperando pelo outro ou pretender agir somente a partir da reação do outro. Zygmunt Bauman nos ensinou que cada um de nós tem a obrigação de cuidar dos outros, independentemente daquilo que os outros farão por nós. Em Ética pós-moderna (Paulus, 1997), fazendo uma releitura do episódio de Caim e Abel, Bauman dizia que ser uma pessoa ética "significa que eu souguarda de meu irmão. Mas também significa que eu sou guarda de meu irmão quer o meu irmão veja, quer não seus próprios deveres fraternos da mesma forma que vejo; e que eu sou guarda de meu irmão não importando o que outros irmãos, reais ou putativos, fazem ou podem fazer [...]. Isso é o que conta [...]. Minha responsabilidade é sempre um passo a frente, sempre maior que o do Outro” (pág. 63). Estamos conscientes disso e dispostos a agir dessa forma?

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