quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Maiorana. O poder arbitrário



 
Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital

Para pressionar a responsável pela operação da Receita Federal que apreendeu, por irregular, seu jatinho de 34 milhões de reais, Romulo Maiorana Júnior pode ter exagerado nos seus caprichos de poderoso. A nova campanha não é motivada por interesse público. Como as anteriores.
No dia 6, os leitores de O Liberaltiveram um susto. As duas notas de abertura da principal coluna do jornal naquele dia atacavam com fúria a construtora Freire Mello, "o Átila dos novos tempos”, segundo a definição do Repórter 70. Em tom editorializado, o jornal dos Maiorana conclamava os órgãos públicos federais a apurar "os limites da devastação, punir e cobrar reparação para a invasão [de terras] e ver até onde esses espigões [torres residenciais de concreto] vão ser construídos e não comprometam pousos e decolagens em Val-de-Cans”.
A coluna acusava a Freire Mello, empresa local de construção civil de propriedade de duas tradicionais famílias paraenses, da prática de vários crimes. Teriam se apropriado de terras públicas numa vasta área vendida ao grupo Carlos Jereissati, do Ceará, para a construção de um shopping center "com espigões que vão furar o céu da nossa felicidade amazônica”.
Também teriam devastado a cobertura florestal das áreas onde ergueram os conjuntos residenciais privativos Cristalville e Água Cristal. Nessa época, garante a coluna, "já se falava que as obras haviam invadido área legal, estabelecida pelos órgãos ambientais”.
Os leitores ainda não haviam se refeito do impacto e decifrado o enigma quando, no dia seguinte, O Liberal circulou com novos ataques à Freire Mello. Insinuava a incompatibilidade entre os planos da incorporadora e as normas legais, além de destacar a gula da empresa. Ela estaria disposta a edificar as torres, invadindo as reservas ("se os órgãos ambientais fecharem os olhos”), para faturar novas locações, além de ter tido um lucro descomunal no repasse da área para o shopping Grão-Pará: os quatro milhões na compra se transformaram em R$ 30 milhões na venda – "e ainda vão ficar com as torres”.
Como Átila, o bárbaro, "a brigada dos hunos da Freire Mello nada pouparia: "O deserto começava a pintar numa das florestas mais bonitas de Belém”.
O tom passional e violento dos textos sugeria vingança e ameaça. O contraste súbito, porém, era o que mais impressionava nas notas da coluna. Até a véspera, O Liberal não tratara das irregularidades que agora atribuía à empresa, nem mesmo na época em que seus conjuntos residenciais foram construídos e "já se falava que as obras haviam invadido área legal”.
Se o silêncio do jornal na época tinha uma causa pouco nobre, talvez comprovável pelos muitos e substanciais anúncios regularmente publicados pelas construtoras, a estridência agora podia ter idêntica motivação. Se antes os Maiorana se calavam em função da publicidade que faturavam, agora algum interesse contrariado os devia estar motivando a extravasar o que estava reprimido. Não, como seria de se esperar, através de reportagens bem documentadas. O ataque veio inicialmente em notas curtas, anêmicas de comprovação, mas recheadas de palavras venenosas, a sugerir ameaça e chantagem.
Além disso, o grupo Liberal não é o mais autorizado a combater a especulação imobiliária, a devastação ambiental em Belém, a grilagem de terras públicas urbanas ou o rigor da lei. Pelo contrário, os veículos de comunicação dos Maiorana têm sido intérpretes e defensores dos vários grupos que praticam esse tipo de ação.
Mais do que isso: o principal executivo da corporação, Romulo Maiorana Júnior, se transformou num desses empresários especuladores e destruidores. Por que então jogar pedra nos outros do alto do seu telhado de vidro?
A resposta foi dada no dia 8 pelo Diário do Pará, em manchete de capa e duas páginas internas. Os Maiorana queriam atingir indiretamente Cláudia Gorensen Mello, esposa de Artur Mello, um dos donos da incorporadora imobiliária. Cláudia é inspetora da Receita Federal, cargo a que chegou através de concurso público. Sob sua responsabilidade é que tramita o procedimento administrativo instaurado a partir de um auto lavrado contra a ORM Air, empresa de táxi aéreo de propriedade de Romulo Jr.
A Receita apreendeu e lacrou, no aeroporto de Belém, um jatinho executivo de fabricação americana da ORM, no valor de 34 milhões de reais. O avião pode ter sido importado irregularmente dos Estados Unidos. Por ter entrado no país sob a declaração de ter sido arrendado, não pagou os impostos que são devidos quando se trata de compra. Desde agosto do ano passado, quando houve a apreensão, no hangar da ORM, a Receita Federal diligencia para a comprovação de fraudes, que podem levar a uma medida mais drástica contra a empresa.
De imediato já há processos tramitando contra a ORM na justiça federal e na estadual. A União acusa a empresa de crime contra o sistema financeiro e sonegação fiscal. O Estado quer o pagamento de ICMS que a ORM deixou de recolher quando trouxe o jatinho dos Estados Unidos, no valor de R$ 3 milhões. Há ainda um inquérito na justiça militar estadual sobre o contrato de R$ 2,4 milhões do Estado com a empresa de táxi aéreo de Romulo Jr., denunciado pelo Ministério Público.
O impressionante é que essas três iniciativas do poder público não se comunicam, como se não tivessem a mesma origem básica. Provas da justiça federal poderiam ser emprestadas ao processo estadual. O processo cível da justiça federal local subiu para o Tribunal Regional Federal. O processo criminal permanece no primeiro grau de jurisdição, mas sob sigilo, instruído pelo juiz Antonio de Almeida Campelo, que livrou o avião do bloqueio determinado pela Receita Federal. Em tese, o aparelho está livre para voar, graças a essa medida judicial.
O juiz é o mesmo que decretou sigilo sobre o processo também instaurado na justiça pelo Ministério Público Federal contra os Maiorana, acusados de fraude na obtenção de recursos financeiros da Sudam para um projeto de produção de sucos regionais. O juiz investiu contra este jornal, ameaçando seu redator de prisão em flagrante e multa de 200 mil reais caso não obedecesse à sua ordem, que significava censura à imprensa e violação da tutela constitucional à liberdade de informação e de expressão.
O juiz declarou posteriormente extinta a punibilidade dos irmãos Ronaldo e Romulo Maiorana Júnior por ter expirado o prazo para sua punição pela prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional. O juiz entendeu que os empresários não poderiam ser punidos porque, muito antes da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, eles próprios tomaram a iniciativa de reparar a fraude que cometeram.
O juiz entrou no mérito da questão, ao desclassificar o crime atribuído aos Maiorana, mas reconheceu, por "uma questão de ordem pública, a prescrição do delito, ou seja, a perda do direito de punir do Estado, porque não ingressou com a ação no prazo que legalmente lhe era permitido”.
No Estado, enquanto a Secretaria da Fazenda autua a ORM Air por não pagar o imposto, o Gabinete Militar faz contrato com a mesma empresa, que há vários anos mantém essa proveitosa relação comercial com o governo estadual, independentemente de quem seja o ordenador de despesa de plantão.
Os Maiorana se acostumaram a usar contra desafetos e demais personagens que contrariem os seus interesses os métodos que agora aplicam à Freire Mello. Foi assim com o Banco da Amazônia, a Rede/Celpa e a Vale, forçadas a voltar a liberar a publicidade para o grupo Liberal por uma campanha agressiva desencadeada contra elas. Mas ao atacar de forma tão grosseira um forte grupo econômico local para atingir objetivos indiretos, passando por cima de relações sociais e familiares, podem ter exagerado na dose por conta da impunidade.
Com a revelação dos motivos ocultos, O Liberalvoltou à carga na sua edição de domingo, 10, com o mesmo espaço do seu concorrente: título de capa e duas páginas internas, garantindo que o Ministério Público do Estado e a OAB iriam investigar o caso. Deixando claro que por emulação do jornal.
Interessante observar que a matéria principal fazia dura carga contra a Freire Mello. Ela comprou uma enorme área urbana, de 37 hectares, em situação irregular ou problemática. Doada à União em 1938, ela não teve destinação durante 20 anos. Poderia reverter ao patrimônio municipal por descumprimento de cláusula da doação. Em 2006 o então prefeito Duciomar Costa recorreu à justiça para recuperar a gleba, mas teria desistido por motivos políticos. Precisava da proprietária, a Marinha, para executar o projeto do Portal da Amazônia, contíguo à sede do IV Distrito Naval.
Não havia, portanto, segurança jurídica sobre o domínio do imóvel. Mesmo assim a incorporadora se tornou dona do terreno, pagando R$ 6,46 milhões pelos 37 hectares à Marinha. Vendeu menos da metade da área (15 hectares) ao grupo Jereissati, recebendo R$ 30 milhões e ficando com a parte maior da gleba para construir seus espigões. E para não sofrer nenhuma espécie de restrição, pôs abaixo a mata, afetando os animais que a ocupavam.
Já na matéria secundária, a Marinha contesta cada uma dessas informações. O imóvel de fato lhe pertence porque em 1972 o presidente da república, Garrastazu Médici, determinou que todos os terrenos que estivessem em poder de órgãos federais por 20 anos fossem registrados em nome da União, superpondo-se ao ato de doação de 1938 e o anulando. A Marinha, que recebeu o terreno, o vendeu à Freire Mello depois de processo licitatório regular, arrematado pela incorporadora, em conjunto com outra empresa de construção civil, a Síntese, pelo critério do menor preço.
Além dos R$ 6,6, milhões, os compradores, durante quatro anos, fizeram construções para a Marinha que se acresceram ao valor oferecido: 30 casas, dois prédios residenciais, dois prédios para os Fuzileiros Navais, um prédio para o paiol e a urbanização do conjunto Marex.
O comandante Luiz Alberto Santos, da Superintendência do Patrimônio Imobiliário do IV Distrito Naval, disse ao jornal que o local seria mais nocivo do que benéfico, não podendo servir como reserva ambiental, porque se tornou "um grande buraco de quatro metros de profundidade, onde depositamos lixo orgânico”.
Certamente o jornal tomou esse cuidado para se prevenir contra a reação da Marinha aos ataques, que a atingem por tabela, a partir da ofensiva contra a Freire Mello. Como das outras vezes em que atacou anunciantes refratários à gula por faturamento do grupo Liberal, o jornal poderá voltar atrás imediatamente depois que seus interesses forem atendidos, se isso vier a acontecer. Mas as denúncias são graves o bastante, tanto sobre os efeitos da especulação imobiliária desenfreada em Belém quanto no uso malsão da informação, para que a sociedade prossiga nas apurações independentemente dos Maiorana. Se a hora é da verdade, que ela venha por inteiro.
Tempo quente
Foram os Maiorana que interromperam a trégua com os Barbalho. Uma nota publicada na coluna Repórter 70 de O Liberal do dia 2 iniciou os ataques a Jader Barbalho e ao PMDB. Acusava dois peemedebistas de terem traído o candidato do partido à presidência da Assembleia Legislativa, Martinho Carmona, derrotado –por 26 a 15– pelo candidato governista Márcio Miranda. Mais do que as informações em si, que procediam, era a linguagem empregada que revelava o ânimo do jornal contra os peemedebistas e seu cacique.
A intenção do grupo Liberal é contribuir para o rompimento entre o PMDB e o PSDB, que ainda mantêm uma parceria política precária. Para Jader seria interessante combinar uma composição local com os tucanos e a aliança nacional com o PT. Mas essa possibilidade parece cada vez mais remota, o que pode condenar PT e PMDB a uma nova união no Pará, tão incerta quanto não sabida. O antagonismo político deverá contaminar de vez a atividade jornalística dos dois adversários. É de se prever tempo quente – e rasteiro – no jornalismo parauara.
[Ano XXVI * Nº 530 * Fevereiro de 2013 * 1ª quinzena]

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