No sempre apaixonante e ainda misterioso assunto do desaparecimento dos neandertais (Homo neanderthalensis) na Europa, acreditou-se durante anos na teoria de que os últimos indivíduos daquela espécie teriam sobrevivido por algum tempo no sul da península Ibérica.
Alicia Rivera
Alicia Rivera
Reconstruções de dois homens de Neandertal, espécie-irmã da humana que habitou a Europa até 28 mil anos atrás
A pressão no norte do território da nova espécie, a Homo sapiens, teria empurrado para o extremo sul do continente os velhos europeus até que eles desapareceram há pouco mais de 30 mil anos, enquanto no norte da península seus congêneres já não existiam havia mais de 10 mil anos. Não foi assim. Segundo os últimos dados científicos, essa teoria não se sustenta, dizem os pesquisadores que fizeram novas datações das jazidas arqueológicas. Na realidade, os neandertais do sul da península Ibérica não são tão recentes, têm em torno de 46 mil anos, e assim não são os últimos de sua espécie.
As novas datações foram feitas com a técnica clássica do radiocarbono, mas aplicando um procedimento avançado de filtragem que elimina a contaminação das amostras. Os resultados indicam que as peças que foram datadas com esse método são no mínimo 10 mil anos mais antigas do que se havia estabelecido. Assim, a cronologia põe de novo em ebulição os debates e as hipóteses sobre a convivência das duas espécies no território e as causas do desaparecimento de uma delas nessa complexa época de transição.
Os restos desta última escavação também foram datados agora em torno de 45 mil anos, contra os 30 mil ou 32 mil anos estimados anteriormente, explica Jesús F. Jordá, da Universidade Nacional de Educação à Distância (Uned). Nesta jazida de Guadalajara foram descobertas numerosas peças de indústria lítica típica dos neandertais (Musteriense) e um osso fóssil do pé de um neandertal. As novas análises foram feitas com colágeno extraído de ossos animais que têm sinais inequívocos de manipulação pelo homem, como as marcas de descarnado feitas com facas de pedra.
O problema do radiocarbono é que as amostras são facilmente contaminadas com material orgânico do entorno. Mas com a ultrafiltragem se resgata exclusivamente o colágeno fracionado, o mais antigo, o correspondente ao fóssil. Por isso, as peças em que se aplica sempre envelhecem.
À vista dos novos dados, "seria preciso revisar os livros da pré-história", indica Jordá. "No centro e sul da península Ibérica, os neandertais deixaram de existir há 45 mil anos, antes da chegada à região norte dos humanos modernos, quando antes pensávamos que os neandertais haviam perdurado ao sul enquanto o Homo sapiens já estava no norte."
Poderia ser que, não no centro e no sul da península, mas sim no norte, tivessem coincidido no tempo e território. "Estamos submetendo a novas análises jazidas como La Güelga (Astúrias) para determinar se essa coexistência ocorreu. Teremos que esperar os resultados para verificar ou não essa hipótese", explica Jordá.
No norte, certamente pelas condições de umidade favoráveis à conservação do colágeno, as datações não apresentaram tantos problemas, aponta Barroso-Ruiz. Em Zafarraya, lembra o especialista, foram encontrados fósseis de oito ou dez indivíduos neandertais. São 15 fósseis ao todo, incluindo uma mandíbula muito bem conservada que foi descoberta em 1983, um fêmur canibalizado e outros ossos das pernas.
"Se as datações com esse método de ultrafiltragem forem retardadas 10 mil anos, pode ser que também se antecipe a chegada do homem moderno à Europa, e estaríamos na mesma situação quanto à convivência das duas espécies", sugere o paleontólogo Juan Luis Arsuaga, diretor do Centro de Pesquisas sobre Evolução e Comportamento da Universidade Complutense de Madri.
"A hipótese de que durante algum tempo os humanos modernos ocuparam o norte da península e os neandertais o centro e sul, a chamada fronteira do Ebro, não se baseia em restos fósseis, mas sim arqueológicos, de peças de diferentes culturas. No norte há uma sequência hierarquizada, com os restos musterienses nos níveis mais antigos e em cima dos da primitiva cultura de nossa espécie (aurinhaciense), seguida de variações posteriores. Mas no sul falta essa primeira cultura do Homo sapiens, portanto parece que chegou mais tarde, com as posteriores." Para Arsuaga, a única forma de dirimir as dúvidas quanto à convivência das duas espécies seria encontrar uma jazida em que se alternassem as camadas cronológicas de neandertais e sapiens.
Segundo seu colega Ignacio Martínez, pesquisador do mesmo centro e professor na Universidade de Alcalá, "falta-nos muita informação para conhecer a causa exata do desaparecimento dos neandertais". O que os cientistas vão conhecendo, acrescenta, são as circunstâncias em que ocorreu esse desaparecimento: se foi de repente, se foi um processo longo, se ficaram bolsões dos antigos europeus... Alterações do clima, doenças ou a concorrência. Várias causas puderam influir, combinadas ou não, aponta Martínez. "Para mim é difícil assumir que os neandertais se extinguiram sozinhos", conclui Arsuaga. "Estavam no limite, com uma população pequena, dispersa e com pouca diversidade genética... e além disso chegam outros ao seu território. Mas creio que sem nossa espécie os neandertais teriam se recuperado."
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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