sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O fim do sufoco



Por Matías M. Molina | Para o Valor, de São Paulo
Mark Lennihan/AP
Fachada do prédio do jornal em Nova York: ao contrário do aperto financeiro de anos recentes, a empresa está sentada sobre um invejável colchão de liquidez de quase US$ 1 bilhão
O balanço de 2012 que a The New York Times Company publicou na semana passada surpreendeu favoravelmente o mercado. Receita e lucro ficaram acima das expectativas. Ao contrário do aperto financeiro de anos recentes, a empresa está sentada sobre um invejável colchão de liquidez de quase US$ 1 bilhão, superando, pela primeira vez em muito tempo - em um quarto de bilhão de dólares -, o valor das dívidas de curto e longo prazo. Prudentemente, a empresa resgatou títulos de sua dívida que venciam em 2015 e decidiu não distribuir dividendos para reforçar a posição do caixa e preparar-se para eventuais incertezas.
O maior impacto da apresentação dos resultados, porém, foi a declaração do novo presidente, o britânico Mark Thompson, antigo diretor-geral da BBC, de que "pela primeira vez em nossa história, as receitas anuais de circulação ultrapassaram as da publicidade". Na verdade, isso já ocorrera em vários trimestres anteriores, mas só agora a receita de circulação, de US$ 953 milhões, ultrapassava a publicidade, de US$ 898 milhões, numa base anual.
Isso pode ser um indício de uma mudança radical para o "Times" e para a imprensa.
Durante quase dois séculos, os jornais se apoiaram num modelo econômico baseado na venda do exemplar por um preço baixo, insuficiente para cobrir os custos, mas que permitia conseguir leitores em número suficiente para atrair os anunciantes, que cobriam a diferença.
A origem desse modelo tem sido atribuída ao francês Émile de Girardin, que em 1836 baixou pela metade o custo da assinatura do seu jornal "La Presse" e contratou escritores famosos para aumentar a circulação. Nesse ano, Balzac escreveu no jornal um romance-folhetim, "La Vieille Fille", de grande sucesso. Victor Hugo, Lamartine, Alexis de Tocqueville também colaboraram com "La Presse". Em alguns anos, as vendas tinham triplicado. Seu exemplo foi seguido pelo restante da imprensa na França e no exterior.
O sacrifício da receita da venda avulsa para aumentar circulação e atrair publicidade já foi benéfico, mas é uma estratégia que está desaparecendo
Esse padrão de negócios foi consolidado no fim do século XIX e começo do XX, quando nos países mais adiantados foi implantada a educação universal, gratuita e laica, estendido o sufrágio universal masculino e houve um substancial aumento do nível de vida.
Novos jornais de apelo popular foram lançados para atrair uma crescente parte da população que a escola tinha tornado instruída e curiosa. Na França, "Le Petit Journal", "Le Petit Parisien", "Le Journal", "Le Matin", com preço muito baixo, vendem cada um deles centenas de milhares de exemplares. Antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), "Le Petit Parisien" era o maior jornal do mundo em circulação, com cerca de 1,5 milhão de cópias diárias. Foi a época de ouro da imprensa francesa.
A Alemanha desenvolveu jornais sensacionalistas, com muita informação, romances e material de fácil leitura para a mulher, conhecidos como "general-anzeiger", que atraíram grandes volumes de publicidade.
Na Inglaterra, com o fim da lei do selo sobre a venda de jornais e o aumento da alfabetização, surgiram diversos jornais para as massas. O "Daily Mail" chegou a um milhão de exemplares no início do século XX. Em meados desse século, o "News of the World" vendia oito milhões de cópias aos domingos, o "Daily Mirror" mais de cinco milhões diariamente e o "Daily Express" mais de quatro.
Nos Estados Unidos, a imprensa popular começou com a "penny press", jornais que custavam apenas um centavo, como o "New York Sun" e "New York Herald". Dependiam dos anúncios. O auge desses jornais de massa se deu na virada do século, na guerra de circulação entre o "New York World" de Joseph Pulitzer e o "New York Journal", dando origem à expressão "jornalismo amarelo".
Michael Nagle/Bloomberg
O impresso: com a internet, os anúncios fugiram para o mundo digital
A imprensa dos Estados Unidos depende muito mais que a europeia da publicidade. É o país onde jornais e revistas cobram preços ridiculamente baixos pela assinatura, na expectativa de atrair leitores e conseguir anúncios.
A decisão dos jornais de sacrificar a receita da venda avulsa para aumentar exponencialmente a circulação e, assim, atrair a publicidade, foi benéfica para a sociedade. Permitiu a uma massa de milhões de pessoas o acesso a informações, instrução, orientação, leitura e entretenimento a que, de outra maneira, não teria acesso.
Mas esse modelo de negócios está desaparecendo. Com a internet, os anúncios fugiram para o mundo digital. No futuro, para sobreviver, os jornais terão que transferir para o leitor uma grande parte da conta - como fez "The New York Times".
Até há alguns anos, a receita do "Times" dependia em 20% da venda avulsa e assinaturas e 80% da publicidade. O declínio acelerado dos anúncios e da circulação do jornal impresso levou a empresa a enfrentar as mudanças num momento em que ainda estava sob os efeitos de decisões extraordinariamente desastradas que provocaram perdas de vários bilhões de dólares. Tinha comprado as próprias ações no mercado quando estavam excessivamente valorizadas, construiu uma nova sede, adquiriu jornais em dificuldades, empreendeu uma confusa política de diversificação e distribuiu generosamente opções de ações para funcionários.
Durante a crise econômica do início da década passada, a empresa, endividada, teve que tomar dinheiro em condições desfavoráveis e precisou vender ativos por preços de liquidação. Já se discutia como seria o futuro sem "The New York Times" e o tipo de jornalismo que representa.
A principal medida para a virada foi a decisão de cobrar pelo acesso a seu conteúdo na internet. Não foi uma decisão fácil. O "Times" percebera, desde o começo, a importância da rede e investiu nela. Tornou-se o jornal mais visitado do mundo na internet. Mas fez a opção, ao contrário do seu concorrente, "The Wall Street Journal", de oferecer o conteúdo de graça na expectativa de que, como na televisão aberta, o anunciante pagaria a conta. Não pagou. Timidamente, passou a cobrar pelo acesso aos comentários de seus colunistas, conseguindo uma receita de vários milhões de dólares, mas depois voltou atrás.
Andrew Harrer/Bloomberg
O on-line: em um ano, número de assinantes do jornal digital superou a meta
Finalmente, em março de 2011, o "NYT" anunciou que cobraria uma assinatura pelo acesso a quem lesse mais de 20 matérias por mês, pagando de US$ 25 a US$ 35. Esperava que, dessa maneira, o número de visitantes ao nytimes.com se manteria elevado e obteria uma receita dos leitores mais assíduos. Era uma estratégia arriscada, considerando que a maioria das pessoas pensa que o que está na internet tem que ser de graça. Um grande número de autonomeados especialistas antecipou que a iniciativa seria um fracasso.
Um ano depois, o número de assinantes digitais tinha chegado a 390 mil, 30% a mais do que a meta estabelecida para essa data. Em dezembro, eram 668 mil, dos quais 640 mil do "Times" e do "Internacional Herald Tribune", a edição para o exterior feita em Paris, e 28 mil do "The Boston Globe". O aumento, de 13% no trimestre, pode ser explicado por fatores excepcionais, como as eleições presidenciais, o furacão Sandy e a matança de crianças em Newtown. Para este trimestre a expectativa é de um crescimento em torno de 5%. A venda do conteúdo digital também alavancou a da edição impressa, pois muitos assinantes compraram as duas.
A operação também teve efeitos negativos. Ao contrário do que os críticos esperavam, as visitas ao conteúdo aberto não caíram. Mas cresceram menos que as dos concorrentes. Em janeiro do ano passado, jornais do mundo todo divulgaram que o "Daily Mail" de Londres, com 45,3 milhões de visitas mensais, tinha assumido a liderança mundial, deixando o "Times" em segundo lugar, com 44,8 milhões. Os últimos dados confirmaram o "Mail" em primeiro lugar, com 50 milhões, seguido pelo "Times", com 48,7 milhões, e "The Guardian", também de Londres, com 39 milhões.
A empresa saiu do sufoco, mas ainda tem momentos difíceis pela frente. A publicidade continua em declínio - queda de 5,9% no ano - e não apenas a da edição impressa. A questão, no futuro, é se o crescimento da receita de assinaturas será suficiente para cobrir a queda da publicidade.
A folgada situação da liquidez foi conseguida no último trimestre vendendo dois negócios rentáveis, o About Group por US$ 300 milhões - pagara US$ 420 milhões em 2005 - e US$ 165,6 milhões por uma participação no Indeed.com, o principal sítio de empregos dos Estados Unidos. São operações que não podem repetir-se, até porque a empresa já vendeu praticamente todos seus negócios além dos jornais mencionados.
Para o futuro, a empresa aposta no crescimento contínuo das assinaturas digitais. Como disse Mark Thompson, são o principal fator na estratégia de crescimento. Seu principal foco, agora, é a internet, da qual passou a depender.
Matías M. Molina é autor do livro "Os Melhores Jornais do Mundo", em segunda edição E-mail: matias.molina@terra.com.br


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