quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O novo mundo do café




Por Paulo Henrique Leme 
A expectativa para o ano de 2012 era muito interessante. Pela primeira vez na história recente do agronegócio café mundial os estoques mundiais estavam praticamente “zerados” sem ser por motivos climáticos ou naturais. O mundo possuía café em estoque para apenas três meses de consumo. Os cafés centro-americanos e o colombiano se encontravam em dificuldades de produção para atender sua demanda, o que abriu espaço para os cafés de qualidade brasileiros, em especial para o cereja descascado. O Vietnã por sua vez não demonstrava condições estruturais para aumentar significativamente sua produção de café Robusta.

Do lado do consumo, as tendências eram positivas, pois apesar da crise mundial, o consumo de café seguia crescendo nos países produtores, emergentes, e estável nos tradicionais consumidores. O consumo de cafés gourmet e certificados também crescia, e a indústria mundial sinalizava a necessidade de obter maiores volumes de cafés sustentáveis em um curto prazo de tempo. Pois bem, alguma coisa deu errado.

Devemos olhar o passado recente com crítica, pois nunca ficou tão claro quanto em 2012 o tanto que necessitamos de informações de qualidade, sejam elas dados estatísticos ou pesquisas de mercado. Uma má interpretação, e uma incapacidade de enxergar o óbvio fizeram com que muitas pessoas ficassem sem poder explicar os motivos pelos quais os preços do café não subiram, e mesmo caíram em 2012.

O primeiro fato recorre na velha incompreensão da importância dos consumidores finais na cadeia do café. Sim, o mercado cafeeiro global é dominado por 4 ou 5 grandes indústrias que ditam as regras do mercado. Sim, estamos “distantes” dos consumidores finais. Sim, o mundo está enfrentado uma crise financeira de ordem global. Porém, se a composição dos blends de café mudou ou se novos produtos ganharam seu espaço, como as cápsulas de café, isto ocorreu com a anuência dos consumidores finais. Podemos até questionar se o consumo de café não estaria crescendo mais se a qualidade geral dos produtos fosse melhor (como é o caso do mercado brasileiro), porém, sem dados quantitativos ou mesmo qualitativos que comprovem esta tese, isto não passa de especulação. Afinal, apesar da crise, o mercado continua a crescer.

Assistimos ao crescimento da participação do Robusta nos blends nos mercados tradicionais (EUA e Europa), onde o Vietnã se tornou grande fornecedor. No mercado nacional, o Conilon representa, no mínimo, de 50 a 60% das 21 milhões de sacas consumidas no Brasil. Nos emergentes, o café solúvel e as bebidas prontas para beber (latinhas e caixinhas) são as vedetes do consumo. Em ambos os casos, a base é o Robusta.

Ainda assim, preferimos acreditar que o conceito de qualidade se refere única e exclusivamente aos agradáveis sabores e aromas de um bom café Arábica. Neste caso, erramos. Os conceitos de qualidade que mais atenderam ao mercado consumidor foram praticidade (solúvel), conveniência (cápsulas) e preços competitivos. O Arábica brasileiro ficou “caro” demais para a indústria. Dói ouvir isto, porque sabemos que os custos de produção só estão crescendo...

Tudo isto seria relevado se do outro lado da equação houvesse, realmente, a falta de café. Isto nos leva ao segundo fato que “cegou” as análises de 2012. Os dados consolidados pela OIC das exportações de 2012 assustam. O Vietnã saltou suas exportações de 2011 para 2012 simplesmente de 17 para 25 milhões de sacas aproximadamente ! Sim, foram 8 milhões de sacas a mais no mercado mundial. Ou aproximadamente 30% do total exportado pelo Brasil em 2012. É muita coisa. 

E os compradores internacionais fizeram com o Arábica brasileiro o mesmo que fizeram com os cafés colombianos: substituíram, mesmo correndo o risco de mudar os blends de forma acentuada. No caso dos suaves colombianos e centrais, estes foram substituídos pelo nosso cereja descascado em 2011. Em 2012, nosso Arábica natural foi substituído pelo Robusta vietnamita. Fontes extraoficiais afirmam que traders internacionais chegaram a oferecer no mercado um blend “Brasil sintético”, ou uma mistura de aproximadamente 80% de Robusta com 20% de café Arábica centro-americano. Um horror para o paladar e para o mercado.

O fato é que paradigmas foram quebrados na safra 2012/2013. A indústria internacional trabalha agora com estoques baixos, sem impactos imediatos nos preços globais, como qualquer analista poderia imaginar. O Robusta já ocupa 50% da produção e do consumo mundial. A bienalidade da produção brasileira é história (pelo menos até a próxima geada ou seca generalizada). Existem sim Robustas de qualidade. O poder de produção do Vietnã foi subestimado mais uma vez... De normal, apenas o fato de que o Brasil falhou em suas análises mais uma vez, por simples falta de organização de dados e planejamento.

O que nos resta? São duas as linhas estratégicas para este momento. A primeira, iniciar uma “revolução do Arábica”, em termos de marketing, posicionamento e de estratégias dentro da lavoura (mecanização, irrigação, etc.). Usar uma comunicação literalmente agressiva, atacando o Robusta e o Conilon e levando aos consumidores finais as vantagens e diferenciais do café Arábica em relação ao concorrente. Pois bem, esta é uma estratégia agressiva, cara em recursos e desgastante em termos políticos. Para deixar claro, um verdadeiro suicídio "coletivo", já que ataca os irmãos brasileiros produtores de Conilon e não o inimigo concorrente principal, que é o Robusta vietnamita*.

A segunda opção estratégica é buscar na organização e na política saídas inteligentes para fortalecer a cafeicultura brasileira como um todo, incluindo aí a indústria torrefadora nacional e os produtores de Conilon do Brasil. Melhorar a qualidade e a competitividade do Conilon brasileiro visando competir com o Vietnã nas exportações, fazer a “revolução do Arábica” dentro da lavoura de montanha, desenvolver, de forma muito comprometida, uma plataforma de exportação de café torrado, torrado e moído e solúvel, à base de muitos subsídios e proteção governamental, posicionar as origens brasileiras em mercados específicos, adequados às características de nossos cafés, posicionar o Brasil como plataforma mundial no fornecimento de cafés sustentáveis (e contar ao mundo que produzimos assim)... Pois bem, está uma estratégica que requer mais neurônios, com muito esforço político e articulação.

Certo ou errado, sonhos ou pesadelos, o fato é que existe um “novo mundo do café”, e precisamos nos adequar à sua estrutura para mudar seus rumos novamente.


 

Originalmente publicado no CaféPoint e réplica autorizada pelo autor. 
Paulo Henrique Leme :   Lavras - Minas Gerais Consultor em Marketing estratégico no Agronegócio, especializado em café. Professor e Doutorando em Administração na UFLA.

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