segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Povo da Tanzânia começa a reescrever sua Constituição



what we want
Desde ano passado, grupos distritais, organizações da sociedade e ex-governantes opinam sobre como devem ser legislação, estrutura da gestão e políticas públicas do país africano
Por Flora Pereira e Natan de Aquino, do Projeto Afreaka
No forno da Tanzânia, uma nova constituição começa a ser cozinhada e, para sua elaboração, o país está empregando um modelo inovador – a participação direta do povo. A proposta é a criação de um documento preparado literalmente com a voz de todos. E, para isso, um extenso trabalho deu-se início em julho de 2012. Espalhados pelas ruas, vales e vilas, diferentes comitês de pesquisa estão recolhendo nos quatro cantos do país sugestões, ideias e reclamações para a formação das novas leis do país. Todos devem ser ouvidos, tudo deve ser considerado. A nova constituição traz a democracia aplicada no sentido literal da palavra.
O processo participativo começou ainda antes do início das análises das opiniões populares. Já na composição dos membros do comitê de pesquisa, foi o povo tanzaniano quem indicou 500 nomes de confiança para o cargo. Os escolhidos seriam responsáveis por ouvir todos os cidadãos do país, apurar as informações e criar o primeiro esboço da nova constituição. Dos 500 indicados, 30 foram selecionados pelos dois presidentes (a República da Tanzânia é uma junção de dois países: Tanganica e Zanzibar. Apesar de a Tanzânia ser soberana, Zanzibar mantém seu próprio sistema presidencial). Assim que escolhido, o grupo passou por diferentes processos de capacitação para poder performar com êxito o trabalho e, no último semestre de 2012, percorreram o país escutando e apurando as inúmeras vozes tanzanianas.
Mwatumu Jasmine Malale, uma das selecionadas pelos presidentes, explica que o país é composto por 30 regiões, que são divididas entre cinco e dez distritos, que por sua vez são separadas em subdistritos. Em todos os subdistritos, o comitê realizou encontros que chegavam a juntar de 200 até 2000 mil pessoas. A cada evento, 30 pessoas eram escutadas por cinco minutos cada e todo o restante recebia um papel onde podiam escrever suas próprias opiniões de como a constituição deveria ser reformulada, as entregando para o grupo de pesquisa. Tudo foi filmado, registrado e arquivado.
Jasmine Malale, que é a líder de um dos comitês, conta que entre todos os pontos citados, três se destacam, tendo sido os mais abordados pela população: querem menos poder para o presidente e mais para o parlamento, ou seja, uma revisão da concepção de poder dos três pilares do estado – executivo, legislativo e judiciário; querem leis mais rígidas nos contratos com investidores estrangeiros, que têm comprado enormes pedaços de terra prejudicando os agricultores menores, e que ganharam durante o período de colonização licença de posse de terra por até 90 anos e continuam se beneficiando das regalias do antigo sistema; e por fim, querem aposentadoria para todos, registrados e não registrados.
A líder do comitê ainda destaca que muitos demandam educação gratuita para o ensino secundário e universitário, leis mais fortes para proteger o meio ambiente, em especial os recursos hídricos, e leis mais rígidas contra corrupção. Quando perguntada sobre os direitos femininos, com orgulho Jasmine respondeu que na Tanzânia eles já estão bem encaminhados. Entre outras ações, ela exemplificou que hoje no país é obrigatório que cada partido tenha pelo menos 30% de representantes mulheres. Assim sendo, durante os apelos, não foi um tema central. A população apenas reiterou que o movimento de igualdade de gênero deve continuar seguindo o mesmo fluxo ascendente.
“Foi muito interessante para gente ver que as pessoas, mesmo que não sejam escolarizadas, sabem muito bem o que querem, o que precisam e são cientes das coisas acontecendo ao seu redor”, apontou Jasmine, “a importância do processo vai além da reformulação da constituição, significa também escutar a população e o que ela tem para dizer”. Para a líder do comitê, que considera a participação direta do povo a parte mais interessante da iniciativa, coletar pontos de vistas é também a tradução dos parâmetros de como a vida está seguindo no país: “no processo apareceram certos pontos, que mesmo que não sejam adaptáveis para a constituição, são coisas que o governo deve ouvir. O povo tem muita coisa boa para falar que deve ser escutado”, conclui.
A próxima fase do projeto será repetir todo o processo desta vez com grupos, organizações e instituições: não governamentais, sociais, religiosos, políticos etc. E por fim, a metodologia será repetida com os líderes governamentais, tanto os passados quanto os atuais. Quando tudo isso for feito, o comitê começará a analisar os registros e arquivos e selecionará os pontos mais abordados, escrevendo então o primeiro rascunho da nova constituição. Esta primeira versão será levada para revisão e análise de todos, passando novamente por todos os planos: individual, coletivo e governamental. No total, o processo levará 18 meses e, se tudo der certo, a nova e participativa constituição estará pronta para a próxima eleição, em 2015.

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