terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Transgênicos, câncer e corrupção na ciência


Grande parte do milho transgênico que a Monsanto e outras empresas pressionam para plantar em milhões de hectares no México é do tipo que provocou câncer e outros danos à saúde (fígado e rins, infertilidade, morte prematura) em ratos de laboratório, segundo um recente estudo científico na França. O estudo tem sido objeto de inúmeros reconhecimentos científicos, e também questionamentos. Apesar das críticas virem de cientistas ligados à indústria transgênica, é muito saudável que se discuta essa e qualquer outra experiência científica. O que é doentio e não se justifica em nenhum cenário é que, enquanto isso, se autorize a semeadura e o consumo de milho transgênico, submetendo a população a esses riscos.

Silvia Ribeiro
Se o governo aprovar essas solicitações, o México, por ser um dos países de maior consumo – comemos milho a cada dia, durante toda a vida – se transformará num gigantesco campo de provas das multinacionais: as mulheres, crianças e homens serão seus ratos de laboratório. Se compararmos o tempo de vida, o câncer e outros problemas começariam a aparecer depois de vários anos de consumo - provavelmente antes nas crianças.
As solicitações são para Sinaloa e Tamaulipas, estados que, como explicou Ana de Ita (La Jornada, 12/10/12), abastecem a Cidade do México e outras, pelo que a perversa experiência começaria em apenas seis meses após esse milho ser plantado. Por isso, cresce a alerta tanto nas cidades como no campo, exigindo que nenhum milho transgênico seja aprovado.
O estudo na França chegou a resultados tão graves que se tornou um caso de paradigma, tanto sobre os riscos dos transgênicos como por revelar a corrupção de cientistas e agências reguladoras, mostrando que o sistema que usam para avaliação de riscos é altamente ineficiente.
Em setembro de 2012, Gilles-Éric Séralini e sua equipe da Universidade de Caen, na França,, publicaram os resultados da alimentação, durante dois anos, de ratos de laboratório com milho transgênico NK603, resistente ao herbicida Roundup, mostrando que produziu tumores cancerígenos e outros danos severos aos ratos. É o estudo mais amplo realizado a nível mundial, e a revista que o publicou é a mais prestigiosa na questão de toxicologia em alimentos.
Séralini usou o mesmo tipo de ratos e a mesma metodologia que a Monsanto tinha utilizado no milho NK603, mas empregou um número maior de ratos e prolongou o estudo durante toda a vida dos mesmos, enquanto que a Monsanto o interrompeu após três meses. Entretanto, a Monsanto afirmou que os ratos não tiveram problemas e, baseados em seus dados, a EFSA (Autoridade Européia de Segurança Alimentar) declarou que o milho era “seguro“ para o consumo. Curiosamente, os sintomas prejudiciais aparecem a partir do quarto mês, o que questiona o período de três meses que a Monsanto usou, aceito pela EFSA. A EFSA tem sido alvo de inúmeras denúncias – incluindo à Corte Européia de Auditores – por suas relações incestuosas com a indústria dos transgênicos, da alimentação e dos agrotóxicos, e também de ter eliminado relatórios críticos (como fez com outro milho transgênico em 2005, e que a maioria dos cientistas que cita e com os quais trabalha em temas cruciais de riscos para a saúde, tem conflitos de interesses (ver detalhes em Corporate Europe Observatory).
Logo em seguida à publicação do estudo de Séralini, um centro de relações públicas financiado pela indústria biotecnológica e outras indústrias contaminantes, denominado de Science Media Centre (SMC), reuniu citações de “cientistas” que questionavam o estudo de Séralini, alegando problemas de metodologia, que os ratos utilizados tendiam a desenvolver tumores, que eles eram poucos, que há animais alimentados com transgênicos a nível industrial e não são encontrados tumores (ocultando que nem os procuram, nem o caso é comparável por serem períodos de vida muito mais curtos). Em poucas horas, cientistas ligados aos transgênicos de todo o mundo, inclusive do México, repetiam como papagaios os argumentos que aquele Centro lhes redigiu. Vários cientistas citados pelo SMC tinham vínculos com a Syngenta, Monsanto e outras multinacionais dos transgênicos (Ver Relatório “Smeeling a corporate rat”, 12/12/12, SpinWatch).
A EFSA pronunciou-se contra o estudo e exigiu a Séralini todos os documentos-base do mesmo. Ele solicitou que o mesmo tipo de documentos deveria ser tornado públicos em relação às pesquisas do NK603 realizadas pela Monsanto, mas a EFSA negou-se, alegando que era “informação confidencial” da empresa, demonstrando seu padrão duplo de comportamento.
No final de novembro, a EFSA publicou o seu relatório, questionando a metodologia de Séralini e afirmando “que não é necessário voltar a examinar as avaliações prévias de segurança sobre o NK603”, citando relatórios de outros países – todos suspeitamente parecidos. Contudo, Séralini usou os mesmos ratos e a mesma metodologia da Monsanto, pelo que a conclusão óbvia é que a metodologia da Monsanto está errada, portanto deve ser retirado do mercado tudo o que contenha milho transgênico. Séralini publicou um novo artigo no qual contesta todos os questionamentos.
Mesmo que o tema seja muito mais grave para o México, a comissão de biossegurança do país (Cibiogem) publica somente a versão da EFSA, ignorando outros relatórios científicos que apóia Séralini, suas respostas e, inclusive, outras agências não governamentais, como a ANSES, da França. Os cientistas da Cibiogem e seus organismos devem declarar seus conflitos de interesses e por que eliminam as informações críticas aos transgênicos.
Silvia Ribeiro é pesquisadora del Grupo ETC

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