segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Agenda internacional da semana


Agenda internacional da semana

A semana começa com o noticiário sobre a repercussão do telefonema entre os presidentes Barack Obama, dos EUA, e Hassan Rouhani, do Irã. Na frente interna, Obama está em queda de braço com a oposição republicana, que vinculou o refinanciamento dos gastos do governo federal ao adiamento por um ano da implantação do novo sistema público de saúde nos EUA. Na Europa as expectativas se voltam para Berlim, em torno da possível decisão do Partido Social-Democrata de integrar o governo da chanceler Angela Merkel. Por Flávio Aguiar.

Berlim - A semana começa com o noticiário sobre a repercussão do telefonema entre os presidentes Barack Obama, dos EUA, e Hassan Rouhani, do Irã. Duas fontes principais de insatisfação com o vislumbre desta ap,aproximação vem se manifestando: o governo de Israel e a monarquia da Arábia Saudita. Em ambos os países fontes de diversa natureza (parlamentares, jornalistas, membros de think tanks), alinhadas aos respectivos governos, vêm acusando o presidente Obama – ecoando outras manifestações, a propósito de outros temas dos republicanos nos Estados Unidos – de “ingenuidade”. Afirmam que esta possibilidade de aproximação só dará mais tempo para o Irã avançar em direção à supostamente almejada bomba nuclear. 

O primeiro-ministro israelense deverá fazer um pronunciamento na ONU a respeito. No Irã também houve manifestações contrárias a este movimento por parte de opositores de qualquer aproximação com os Estados Unidos dentre os partidários da república islâmica. Analistas de várias tendências afirmam, no entanto, que não há como se opor de modo verossímil a esta aproximação, e que os sauditas e o governo de Israel deverão ficar isolados na sua resistência.

Na frente interna o presidente Barack Obama está em queda de braço com a oposição republicana, que vinculou o refinanciamento dos gastos do governo federal ao adiamento por um ano da implantação do chamado “Obamacare” – o novo sistema público de saúde nos Estados Unidos que amplia o seu atendimento a setores hoje dele desprovidos. O prazo para a autorização do refinanciamento se esgota à meia-noite desta segunda para a terça-feira, hora de Washington. 

Caso a autorização não seja concedida, apenas os serviços considerados essenciais permanecerão em funcionamento – Forças Armadas, Serviços de Segurança e Inteligência, atendimento hospitalar, por exemplo. Outros serviços, como bibliotecas, parques nacionais, e até o Judiciário serão prejudcados. Os democratas no Congresso dizem que não cederão, e o presidente Obama disse também que não cederá.

Na Europa as expectativas se voltam para Berlim, em torno da possível decisão do Partido Social-Democrata (SPD) de integrar o governo da chanceler Angela Merkel, na chamada “Grande Coalizão”. A direção do SPD decidiu encaminhar a proposta de uma consulta às bases do partido para tomar a decisão. Se o SPD decidir positivamente, espera-se pouca mudança na política externa do atual governo, sobretudo no que toca ao tratamento dos países em crise mais aguda na zona do euro. Mas na frente interna a margem de negociação será maior, pois na campanha o SPD comprometeu-se, por exemplo, com o estabelecimento de um salário mínimo nacional, que não existe na Alemanha, de 8,50 euros a hora. A oposição ficará reduzida a pouco mais de cem parlamentares da Linke e dos Verdes. 

Na Itália o incansável Silvio Berlusconi deu ordem para que os ministros de seu partido que integravam o governo chefiado por Enrico Letta entreguem seus cargos e que seus parlamentares não mais apoiem a coalizão no poder. O governo ficará minoritário, o que poderá acarretar nova crise. O preço do refinanciamento da dívida italiana através dos “bonds” para as alturas, descarregando novas doses altas de adrenalina nas veias do continente inteiro. O presidente italiano Girogio Napolitano não se mostra inclinado a chamar novas eleições, o que seria o objetivo de Berlusconi. Integrantes do seu próprio partido e da correligionária Liga Lombarda vêm manifestando alguma insatisfação com a decisão do ex-primeiro-ministro, dizendo que desta vez ele foi longe demais. Berlusconi aguarda ainda a decisão de se cumprirá a pena a que foi condenado em prisão domiciliar ou através de serviços sociais.

Em Atenas o governo grego desencadeou a primeira grande ofensiva contra os partidários do Partido Aurora Dourada, de extrema-direita. Membros do partido são acusados pelo assassinato de Parlos Fyssas, conhecido músico anti-fascista, morto a facadas alguns dias atrás. Deputados e dirigentes do Aurora Dourada foram detidos, e policiais também serão investigados sob a acusação de serem coniventes ou pelo menos lenientes em relação ao partido. Sem o apoio dos parlamentares deste partido, no entan to, o governo de Antonis Samaras pode entrar em crise, o que eventualmente poderia favorecer a esquerda, no caso de nova eleição.

Agenda Carta Maior, 30 de setembro a 5 de outubro


Agenda Carta Maior, 30 de setembro a 5 de outubro

O destaque da semana é dado pelo prazo final de um ano antes das eleições de 2014 que a lei eleitoral determina que seja respeitado, pelos partidos e seus candidatos, para estarem aptos a concorrer ao pleito. Por conta desse prazo, ao longo da semana se encerra a chance de criação ou não da Rede, de Marina Silva.

Brasília - O destaque da semana é dado pelo prazo final de um ano antes das eleições de 2014 (5 de outubro) que a lei eleitoral determina que seja respeitado, pelos partidos e seus candidatos, para estarem aptos a concorrer ao pleito. Por conta da data limite, ao longo da semana se encerra a chance de criação ou não da Rede (o partido de Marina Silva), das filiações e mudanças de partido dos candidatos a 2014 e da última tentativa de reforma eleitoral a ser feita pelo Congresso.

A semana marca os 10 anos do Estatuto do Idoso, os 25 anos da Constituição de 1988 e os 60 anos de criação da Petrobrás.

Ao longo da semana, vários atos e reuniões promovem a defesa dos povos indígenas e reforçam a luta contra a transferência da atribuição de demarcação de terras do Executivo para o Legislativo.

Segunda-feira, 30 de setembro

10 anos do Estatuto do Idoso (Lei n.° 10.741, de 1.º de outubro de 2003).

Visita a Brasília do Presidente da República do Paraguai, Horacio Cartes.

Fernando Haddad, Prefeito de São Paulo, reúne-se com a presidenta Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, às 15h.

A Comissão de Serviços de Infraestrutura debate a situação da aviação regional, fazendo um balanço do setor desde o lançamento do plano de investimentos, em dezembro de 2012, pela presidenta Dilma Rousseff. Um painel sobre investimento e logística de aeroportos regionais” será realizado na sala 13 da Ala Senador Alexandre Costa, às 18 horas.

Organizações civis e coletivos que lutam pelo marco civil da internet realizam reunião ampliada para planejar a mobilização de ações de rua e nas redes em defesa da aprovação do projeto em discussão no Congresso. A reunião será no auditório do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, a partir das 19h.

Reunião do presidente do PT, Rui Falcão, e a dirigente do PT do Ceará e ex-prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, que ameaçou deixar o PT, caso os irmãos Ciro e Cid Gomes, que estão saindo do PSB, forem para o PT. Luizianne quer garantias do PT Nacional de que poderá disputar o Senado ou o governo estadual em 2014. A ex-prefeita deve, em seguida, reunir-se com dirigentes nacionais do PSB.

Terça-feira, 1º. de outubro

Senado instala Subcomissão Temporária de Resíduos Sólidos. Na reunião serão eleitos o presidente e o vice-presidente do e indicado o relator. O objetivo é tratar de matérias que dizem respeito a um dos grandes desafios das atuais administrações municipais, qual seja, o de erradicar os lixões das grandes cidades. Local: sala 6 da Ala Senador Nilo Coelho, às 8h30min.

A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado realiza debate os 25 anos de promulgação da Constituição Cidadã, com a presença do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Em discussão, a questão dos povos indígenas e a ameaça de mudança nas regras de homologação das demarcações de terra desses povos. Também participam do debate o senador Romero Jucá; a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Boni dos Santos; o secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Leonardo Ulrich Steiner; e a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Augusta Boulitreau Assirati. Local: sala 13 da Ala Senador Alexandre Costa, 10h.

Mobilização Nacional Indígena convoca ato público para defender a Constituição, os direitos de povos indígenas e tradicionais e o meio ambiente, em frente ao Congresso, às 16h.

PSB exibe spots de rádio e TV a partir dessa terça-feira.

Os irmãos Cid e Ciro Gomes podem definir sua filiação a um novo partido, após terem anunciado sua saída do PSB.

Continuação da análise do relatório da comissão mista destinada a examinar e emitir parecer sobre a MP 621/2013, que institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências. Local: sala 2 da Ala Senador Nilo Coelho, 11h.

Lançamento do movimento Outubro Rosa com ato de iluminação do Congresso. O movimento é celebrado em diversos países e simboliza a luta contra o câncer de mama. Local: Rampa de acesso do Palácio do Congresso, 16h.

No Senado, a pauta central é sobre a discussão sobre o fim do voto secreto. As votações em plenário estáo trancadas por MPs: a que destinou recursos do BNDES para a Valec, a da armazenagem de grãos e a que destina recursos para transporte público.

Na Câmara, a pauta do Plenário está trancada por três projetos com urgência constitucional. A Proposta de Emenda à Constituição 190/07, que trata do Estatuto dos Servidores do Judiciário e os projetos 5740/13 (que cria a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural); 6053/13, que cria funções comissionadas para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes; e 3471/12, que anistia as dívidas das Santas Casas de Misericórdia - proposta já incorporada pela Medida Provisória 619/13, mas que ainda não teve sua urgência retirada. Se superado o trancamento da pauta pelas urgências, a Câmara deve rachar ao meio na discussão do projeto da microrreforma vinda do Senado, que diminui custos de campanha e muda procedimentos de prestação de contas dos candidatos e partidos.

O ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, vai à Câmara para dar esclarecimentos sobre as acusações de desvio de verbas públicas em contratos do Ministério do Trabalho e Emprego celebrados com ong. Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, local a definir, às 14h30.

A Câmara presta homenagem ao educador Paulo Freire, patrono da educação brasileira, pelos 50 anos de seu trabalho pioneiro na alfabetização de jovens e adultos, que tornou-se referência internacional. A experiência de Freire em Angicos (RN) se iniciou em janeiro de 1963 e completou-se em abril com as primeiras 40 horas de alfabetização e a primeira turma formada em sua metodologia. Para a cerimônia na Câmara, estão convidados o ministro da Educação, Aloizio Mercadante; a ministra da Cultura, Marta Suplicy; a professora e viúva de Paulo Freire, Nita Freire; e o filho de Paulo Freire, Lutgardes Costa Freire; entre outros. Plenário 10, 14h30min.

Quarta-feira, 2 de outubro

TSE deve julgar pedido de registro da Rede (partido de Marina Silva) (dia 2 ou 3 de outubro).

Contra a Proposta de Emenda à Constituição no. 215, que transfere do Executivo para o Congresso o poder de homologação de terras indígenas, uma comissão dos índios Guarani Yvyrupa promoverá convocado ato no Vão Livre do MASP, S. Paulo, a partir das 17hrs.

Os congressistas precisam aprovar até, no máximo, o dia 2 de outubro as reformas eleitorais que venham a valer para as eleições de 2014.

A presidenta da República estará na cidade de Natal. Dilma vai inaugurar mais três unidades do IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. O Estado e o Município vivem sob protestos há vários meses.

Ministério do Planejamento assumiu o compromisso de encaminhar proposta de regulamentação da Lei de Cotas Raciais para concursos públicos federais, nessa data, à Casa Civil da Presidência da República.

Reunião Plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), tendo como tema focal o “Consumo Alimentar Adequado, Saudável e Sustentável: proposições e desafios”. Entre outros tópicos, a plenária fará discussões sobre publicidade de alimentos para crianças.

Investimento e logística das telecomunicações em debate na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI), dentro do ciclo de debates sobre investimento e gestão logística no país. O convidado é o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Local: sala 13 da Ala Senador Alexandre Costa, 7h30min.

A Comissão/Constituição e Justiça analisa projeto que altera a Lei das Concessões e Permissões de Serviços Públicos para vedar a participação dos ocupantes de mandato eletivo e seus respectivos parentes na gestão de empresas concessionárias de serviços públicos. A matéria tem decisão terminativa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, ou seja, se aprovada, segue direto para a Câmara dos Deputados, a não ser que surja requerimento em contrário, obrigando sua votação em plenário no Senado. 

Outra proposta estabelece normas para as eleições impondo aos candidatos, partidos políticos e coligações o dever de divulgar relatórios periódicos na internet sobre recursos arrecadados e gasto efetuados na campanha eleitoral. Por fim, a proposta estabelece o voto facultativo. Local: sala 3 da Ala Senador Alexandre Costa, 10h.

Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia Reunião com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para debater a demarcação de terras indígenas. Na Procuradoria-Geral da República, às 10 horas.

Ministros vão à Câmara para debater as acusações de violação de direitos humanos de médicos cubanos participantes do programa "Mais Médicos". Foram convidados o ministro da Saúde, Alexandre Padilha; o ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias; e a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes. Audiência pública é da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Plenário 9, 14h.

Discussão sobre a identificação e delimitação de terras indígenas, na Câmara, reúne o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Augusta Boulitreau Assirati; e o juiz federal e diretor do Fórum Teixeira de Freitas, Ávio Mozar José Ferraz de Novaes. Audiência pública é da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Plenário 6. 14h30.

Apresentação, discussão e votação do relatório do deputado Rogério Carvalho (PT-SE). Plenário 7. A Comissão especial sobre financiamento da saúde pública discute propostas que variam de 10% da receita corrente bruta a 15% da receita corrente líquida (esta última defendida pelo Governo Federal). 14h30.

Quinta-feira, 3 de outubro

Última sessão do TSE possível de decidir sobre temas pendentes a tempo de valerem para as eleições de 2013.

60 anos da Petrobrás. A Federação Única dos Petroleiros mobilizou a categoria para uma greve de 24 horas. Além da reivindicação de reajuste salarial, os petroleiros protestam contra o leilão de Libra e o PL 4330, que tenta regulamentar a terceirização, tido como contrário aos direitos trabalhistas.

Previsão de publicação dos editais dos leilões dos aeroportos do Galeão (Rio de Janeiro) e Confins (Belo Horizonte), marcado para o dia 22 de novembro.

Data indicativa para a Comissão Mista que discute o direito de greve do servidor público analisar o relatório a ser apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre o tema. A proposta de Jucá determina que pelo menos 50% dos servidores em greve mantenham-se em serviço.

Sexta-feira, 4 de outubro

Data limite para a filiação de interessados em disputar as eleições do próximo. Candidatos que troquem de partido devem comunicar a saída a suas atuais agremiações até o dia 3/10.

Data-limite para uma eventual minirreforma eleitoral ser sancionada para valer nas eleições de 2014.

Sábado, 5 de outubro

Comemoram-se 25 anos da atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.

Gerson Teixeira: presente e futuro do mundo rural brasileiro


Gerson Teixeira: presente e futuro do mundo rural brasileiro

Dilma, ao garantir que com o pré-sal não deixará o Brasil sucumbir à ‘maldição do petróleo’, poderia voltar a atenção do governo para libertar o país da ‘maldição já instalada’ do agronegócio. Quando se trata de reforma agrária, o Brasil vem caminhando na contramão do que recomendaria qualquer visão estratégica para o futuro do país.

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Em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, de 2 de setembro de 2013, o economista Chris Hurt, conceituado especialista em economia rural dos EUA, descartou qualquer cenário de crise estrutural para o agronegócio no futuro. 

Chris assegura que o ciclo de alta dos preços agrícolas iniciado há sete anos teria chegado ao fim, com os preços retornando à sua trajetória histórica, mas sem perspectiva de colapso, pois o aperto nas margens seria facilmente suportável pelos produtores.

O especialista projeta que doravante, por muitos anos, prevalecerá situação de equilíbrio entre oferta e demanda alimentar. Considera exageradas as previsões de incremento da demanda por alimentos feitas por instituições como FAO e OCDE, pelas quais a agricultura enfrentaria dificuldades para alimentar 9 milhões de pessoas até 2050. Para embasar essa avaliação Hurt prevê a estabilização da demanda chinesa por carnes e, por conseguinte, das demandas de soja e milho, em patamares mais modestos. Também prevê a redução da utilização do milho para a fabricação do etanol nos EUA que já teria alcançado o seu pico (125 milhões de toneladas anuais). 

As projeções desafiadoras do especialista americano não podem ser desconsideradas, mas devem ser relativizadas. Com efeito, foram divulgadas no contexto do lobby em prol dos biocombustíveis junto aos Congressistas daquele país. Hurt fez referência ao debate realizado com Deputados americanos onde aconselhou: “se vocês querem ver a agricultura americana e mundial entrarem em colapso ouçam esses produtores de aves e acabem com o RFS” (Lei dos Combustíveis Renováveis na sigla em inglês). 

De certa forma denunciando as motivações políticas da avaliação, Hurt pondera que de todo o modo o mundo está preparado para aumentar de forma significativa a oferta agrícola à medida que haveria muita área e tecnologia a serem incorporadas ao processo produtivo.

Essa visão exposta por um representante de prestígio da academia dos EUA ocorre num momento em que membros da academia brasileira também divulgam visões ufanistas sobre o agronegócio brasileiro não admitindo possibilidades de crise à vista, pelo contrário. 

Ambas as iniciativas poderiam ser tidas como um ensaio de ofensiva global do agronegócio pela ‘desconstituição’ das previsões de cientistas e instituições que vislumbram ameaças futuras para a segurança alimentar em todo o mundo pela incompatibilidade do modelo de agricultura dominante com fatores econômicos e ambientais cujas interações poderão colapsar os seus níveis de rentabilidade.

O fato é que algumas variáveis foram ignoradas na formação dos prognósticos do intelectual americano. É verdade que as previsões indicam que a China, o grande motor dos mercados agrícolas nos últimos anos, continuará ostentando taxas importantes de crescimento econômico, mas em patamares inferiores à média das últimas décadas.

Entretanto, além de centrar em demasia as suas projeções no ‘motor chinês’, relaxando na análise do crescimento demográfico mundial e, sobretudo, nos expressivos contingentes populacionais em processo de urbanização e expansão da renda, a própria China enfrenta dois gargalos estruturais para manter o expressivo desempenho agrícola do período recente, o que tende a consolidar a condição do país como fonte de pressão diferenciada sobre a demanda de alimentos no mercado internacional. 

O primeiro gargalo refere-se aos escassos recursos naturais, em especial, a falta de água em várias regiões chinesas que impõem grandes obstáculos para a expansão da atividade agrícola. O segundo, pelo prosseguimento da urbanização naquele país que segundo o Banco Mundial avança à taxa de 2.5% ao ano (posição de 2011), significando que 15 milhões de pessoas deixam as áreas rurais a cada ano.

No artigo China Gigante Também na Agricultura, publicado na mesma edição da Revista antes citada, Eliana Covolan e Elisio Contini destacam que a população rural chinesa vem decrescendo ano a ano, tendo sua participação no total caído de 62% em 2002 para 53%. Asseguram, ainda, que “A migração rural-urbana deverá continuar, mesmo com possível controle do governo central”. Os especialistas do MAPA apontam que graças a esses dois fatores, a China continuará a buscar a sua segurança alimentar fora do seu território.

Fortalecendo essa hipótese, o Departamento de Agricultura dos EUA sustentaque em praticamente dez anos contados do ano de 2011, os consumos de milho, soja e carne bovina na China terão aumentado, respectivamente, 44.5%, 58.3% e 23.4%. A mesma fonte garante que nesse período, ou seja, em apenas uma década, o consumo mundial de milho aumentará 24.3%; o de soja, 36%; e o de carne bovina, 18%.

Assim, admitimos a consistência das previsões da FAO segundo as quais a demanda alimentar em 2050 deverá ser 70% maior comparativamente a 1996 – um grande desafio para a agricultura.

Há alguns anos exploramos esse tema tentando argumentar que o desafio poderá ser enfrentado. Contudo, com mais chances de êxito mediante uma ‘nova agricultura’ baseada, entre outros fatores que discrepam da base técnica atual, na diversidade genética e em unidades produtivas com menores escalas. Neste caso, sem ignorar o imperativo da oferta agrícola em larga escala que poderá ser viabilizada no processo de comercialização com o concurso de formas associativas.

O fato é que fatores econômicos e técnicos próprios da organização do agronegócio, combinados com os efeitos da crise climática sobre a agricultura sinaliza dificuldades nada triviais para a subsistência futura da grande exploração agrícola capitalista sob qualquer forma de organização.

Façamos rápida recuperação de alguns desses fatores:

Razões diversas levaram à trajetória de declínio dos preços reais e, mais ainda, dos níveis de rentabilidade da base primária da agricultura, desde o final da década de 1970. Por essa razão, em especial, a agricultura é altamente subvencionada em particular nos países ricos;

Nos últimos sete anos, a constante volatilidade da oferta agrícola associada às maiores frequência e intensidade de fenômenos climáticos agravada pelos movimentos especulativos com commodities agrícolas pelos fundos de hedge, em particular, provocaram a inflexão na curva dos preços. No geral, esse fenômeno não importou em rentabilidade mais elástica na base primária à medida que os custos de produção também dispararam notadamente daqueles relativos aos inputs químicos. Ademais, parte dos adicionais dos preços passou a ser apropriada pelas corporações que controlam o comércio agrícola.

Segundo o economista americano, entraremos em longa fase de retorno dos preços à sua trajetória histórica. No entanto, caso se confirme, essa previsão apenas aprofundaria a tendência de aperto das margens ‘dentro da fazenda’. Os orçamentos nacionais para apoio à agricultura serão cada vez mais robustos, o que implica considerar que se a variável econômica fosse a única determinante, somente os países ricos teriam condições de sustentar a atividade agrícola enquanto setor econômico estruturado.

Uma das consequências desse cenário seria a concentração ainda maior da oferta agrícola mundial. Observe-se que em 1961, os cinco países principais exportadores de arroz, milho, soja, trigo, carne suína, carne de frango e carne bovina concentravam 56% do volume das exportações mundiais. No ano de 2008, passaram a concentrar 69%.

Mas, não obstante a concentração geográfica, a oferta alimentar, com o perfil de produtos como ocorre na atualidade, corre o risco de forte contração por conta das situações físicas esperadas com a continuidade do processo de mudanças climáticas.

Ao contrário do que defende o economista americano, o mundo já se depara com processo de redução dos níveis da produtividade agrícola. Sobre esse tema tenho citado matérias especializadas das Revistas Science (março/2010) e The Economist (23/03/2011) e do USDA, com estudos demonstrando a trajetória de declínio acentuado da produtividade agrícola mundial.

As pesquisas demonstram que a produtividade dos alimentos básicos declinou de 3% aa na década de 1960 para 1% aa, na atualidade.

A propósito, no dia 18 de setembro, foi divulgado o Informe da Conferência da Unctad sobre Comércio e Meio Ambiente/Revisão 2013, que alerta: ”No período recente a taxa de crescimento da produtividade na agricultura caiu de 2% para 1% ao ano.”

Assim, o fenômeno histórico de compressão das margens na fazenda já num contexto de declínio da produtividade tende a assumir graves proporções no futuro, posto que, com as mudanças climáticas, o IPCC/ONU estima em 1/3 a queda dos níveis de produtividade. Isto, caso o aquecimento global não ultrapasse os 2ºC.

No dia 27 de setembro, foi divulgado o Relatório do IPCC com a 5ª revisão das projeções sobre as mudanças climáticas. Segundo os cientistas, no cenário mais favorável a temperatura do planeta subirá 1.8° C neste século e outros eventos climáticos assumirão proporções ainda mais grandiosas.

Consistente com o IPCC, também o recente Relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas prevê cenários absolutamente desafiadores para a agricultura brasileira com quedas significativas de produtividades, migrações de cultivos, etc.

Vale assinalar que os eventos da pesquisa na tentativa de adaptação/mitigação a esses desafios estão limitados à busca de variedades mais resistentes às situações de déficit hídrico e de temperaturas mais altas e, mesmo assim, no limite de 2° C. Ocorre que, além disso, são esperados desequilíbrios ambientais sistêmicos, imprevisíveis e não mensuráveis, como nos casos da proliferação de novos insetos, fungos, etc, elevação do nível do mar. Assim, tem-se como inexorável o declínio significativo da produtividade.

A consulta ao link acima permitirá conhecer a recomendação dos cientistas da ONU/IPCC, sobre o imperativo para a humanidade de uma mudança rápida da produção baseada em monocultura e intensiva em químicos, para uma diversidade de sistemas de produção sustentáveis que melhorem a produtividade dos pequenos agricultores. Advertem que a mudança climática afetará drasticamente a agricultura, principalmente nos países em desenvolvimento e que a transformação fundamental da agricultura pode ser um dos maiores desafios, inclusive para a segurança internacional, no século 21.

Em suma, considerando ainda o contexto de erosão da biodiversidade no mundo, fruto da ‘agricultura moderna; a progressiva restrição da disponibilidade de água para a continuidade dessa atividade no futuro; os desequilíbrios ambientais sistêmicos previstos, há que se pensar, de imediato, em uma ‘nova agricultura’ no decorrer do século XXI, sob pena de possíveis crises alimentares globais que desdobrarão em eventos sociais e políticos imponderáveis.

À medida que, no presente século, dificilmente ocorrerá a evolução do tipo de agricultura atualmente praticada, para um conceito de alta densidade com a drástica redução dos espaços ocupados pelas plantas, é imperativo criar as condições para o padrão de agricultura recomendado pelos cientistas da ONU.

O Brasil tem todas as condições para liderar esse processo e há uma ‘janela de oportunidade’ histórica para as lutas pela democratização da posse e uso da terra em nosso país. Assim, creio que a luta pela reforma agrária adquire, na atualidade, essa dimensão estratégica que ultrapassa os seus objetivos clássicos.

Nesse ambiente de ameaças, o Brasil intensifica trajetória no sentido oposto àquele que o pensamento estratégico recomendaria, sob o patrocínio direto e massivo do Estado.

Por sua vez, diversamente do que ocorre com as lutas dos movimentos sociais do campo, a pauta dos ruralistas, além de focada nas demandas tidas como estruturantes, tem na disputa por território o seu ponto nuclear.

A voracidade do agronegócio pelo controle sem limites do território ignora direitos difusos (meio ambiente, sobretudo) e áreas institucionalmente protegidas, para desconstituir territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação, áreas de reforma agrária, etc. O controle financeiro, técnico, econômico e, por conseguinte, político, do agronegócio brasileiro pelo capital internacional, conjugado com a estratégia interna deliberada de transformação do país no “fazendão do mundo” resultou na ampla abertura fundiária do Brasil ao capital externo. Praticamente não há empecilhos institucionais para a posse da terra no Brasil, sem limites, por pessoas estrangeiras.

É possível que o próximo Censo Agropecuário ateste um importante processo de reconcentração da propriedade fundiária no Brasil, em função da investida por mais terra pelos capitais do agronegócio visando não apenas mais áreas para a sua expansão, mas, também, para a especulação com mercados de bens ambientais intangíveis (tipo carbono), o mercado de cotas de reserva legal, e a própria especulação com alimentos e o controle de recursos naturais.

Afora esse fenômeno, também é possível que finalmente o IBGE venha a resgatar e revelar a destinação dos milhões de hectares ‘ocultos’ no Brasil (Amazônia, em especial) - não revelados pelo Censo Agropecuário. Uma das hipóteses é que essa área próxima a 200 milhões de hectares esteja camuflada pela grilagem e que poderão finalmente ‘esquentar e aparecer’ mediante o uso das inovações nos mercados com bens ambientais contidas no Novo Código Florestal.

A partir da discussão das circunstâncias acima, a ABRA definiu dois pontos centrais da sua agenda: (i) aprofundar as interpretações sobre a questão agrária na atualidade, intensificando o foco na defesa da reforma agrária destacando o tema da leniência institucional com o exercício do direito à propriedade fundiária no Brasil; (ii) as ameaças já existentes para o abastecimento alimentar no Brasil. Neste caso, vivemos a inacreditável situação na qual o agronegócio, com o apoio massivo do governo, exporta 100 bilhões de dólares ao ano, em grande parte para alimentar animais no exterior, e que não produz comida para a população brasileira, inclusive, sendo responsável pela evolução do IPCA dos alimentos em patamares acima do IPCA geral.

Por fatores como esses é que a Presidenta Dilma, ao garantir que com o pré-sal não deixará o Brasil sucumbir à ‘maldição do petróleo’, poderia voltar a atenção do governo para libertar o país da ‘maldição já instalada do agronegócio’, sem contar a ‘maldição do ferro’.

Como disse acima, nessa área nevrálgica, o Brasil vem caminhando na contramão do que recomendaria qualquer visão estratégica para o futuro do país.

O programa de assentamento de reforma agrária é o exemplo mais notável desse divórcio com os interesses superiores do Brasil. Os dados da obtenção de grandes propriedades improdutivas pelo instrumento de desapropriação sancionatória nos últimos 18 anos estão refletidos nos gráficos do álbum de fotos. A primeira revela o número de Decretos de Desapropriação; a segunda, a área correspondente.

A negação da reforma agrária e o progressivo recuo, mesmo da política celular de assentamentos, tem sido acompanhada da execução de uma política para a agricultura familiar que, no geral, induz ao distanciamento dos fundamentos da economia camponesa e seu ajustamento às bases técnicas e organizativas da agricultura do agronegócio. Com isso, até mesmo a vocação para a produção de alimentos pelos agricultores familiares tem sido interditada com o seu progressivo direcionamento para a pauta do agronegócio. Enquanto isso, o capital internacional, especulativo ou não, investe em terras, também para alimentos, pois sabem que rigorosamente se trata de um ‘negócio da China’ no presente e, mais ainda, no futuro.

Na ofensiva conservadora pela exaltação da hegemonia e da suposta excelência tecnológica do agronegócio, vimos recentemente até intelectual convertido anunciar a ‘pá de cal na reforma agrária’.

Somente ranço ideológico pode motivar proclamação contra a cidadania brasileira nessa proporção. OK que motivações ideológicas bloqueiem expectativas por uma sociedade mais justa e igualitária e impeçam visões de futuro para o país. Mas, pregar o fim da reforma agrária num país cuja realidade fundiária abriga 219 imóveis com áreas entre 50 mil e 100 mil hectares acumulando 73 milhões de hectares e, no outro extremo, 1.9 milhão de imóveis de até 10 hectares detendo 8.8 milhões de hectares, de fato é uma afronta aos sentimentos e anseios mais elementares de cidadania e prova de absoluta capitulação às causas históricas do atraso e da segregação social do país.

Enfim, no contexto acima, camponeses/agricultores familiares, trabalhadores rurais, comunidades tradicionais, quilombolas, comunidades indígenas, devem lutar pela sobrevivência no presente com o pensamento de redenção política num futuro mais ou menos próximo a depender das suas capacidades de organização, unidade e luta em torno das suas demandas que efetivamente estruturem esse cenário.

Após décadas, em 2012, impulsionados pela extrema adversidade da correlação de forças os camponeses decidiram voltar a dialogar em torno de uma agenda unitária de lutas.

Iniciativas da espécie carecem de um tempo de pegada e maturação. Daí a relevância da decisão coletiva por uma nova edição do Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas, o que revela a determinação para dar seguimento à pauta de lutas comuns dos camponeses.

Conforme registrei, o latifúndio tradicional, os capitais que controlam o agronegócio e a grande empresa agropecuária procuram a ampliação sem limites do controle da terra e dos recursos naturais, pois sabem do caráter estratégico desses recursos.

Para os camponeses a luta pela simetria da posse da terra se reveste de importância que transcende os seus interesses seccionais assumindo dimensões de segurança e soberania nacional. Significa conservar a biodiversidade; a imposição de limites ao processo de ‘tomada de terras’ por estrangeiros, em curso no Brasil; a garantia da aplicação das nossas potencialidades agrícolas para a segurança alimentar da população e para outras finalidades estratégias do país; pavimentar as condições para a ‘nova agricultura’ já reclamada pelo futuro; significa, enfim, a reversão da realidade atual na qual grande parte do território nacional foi transformada em extensão do território de outras nações para uso prioritário ao atendimento das demandas da segurança alimentar das respectivas populações.

Nesses termos, avalio que as lutas pela reforma agrária e pelo aumento do protagonismo da agricultura familiar e camponesa na produção de alimentos devam assumir a absoluta centralidade da agenda das lutas unitárias.

Não ignoramos a amplitude da agenda de demandas emergenciais dos camponeses, tampouco que, o alvo de última instância das lutas é o dificílimo embate contra o conjunto do modelo do agronegócio, blindado pelo capital e pelo Estado.

Mas, sem prejuízo do conjunto desses esforços, as reflexões sobre as lutas unitárias poderiam considerar a centralidade desses dois pontos fundantes para outro projeto rural para o Brasil com o protagonismo diferenciado dos camponeses de um modo geral, até porque são duas bandeiras que unificam os trabalhadores e trabalhadoras rurais do país. 

Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em desenvolvimento agrícola pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.


Fotos: Douglas Mansur 

O mundo é um campo de batalha


O mundo é um campo de batalha

"Dirty Wars – The world is a battlefield" é um dos 25 filmes exibidos até o dia 10 deste mês, no Festival do Rio, com a parceria da Anistia Internacional no Brasil, na Mostra Direitos Humanos. Outros documentários do grupo denunciam a perseguição aos ciganos na Europa, a tragédia dos órfãos do Iraque, a repressão aos movimentos sociais que pipocam pelo mundo, a discriminação aos homossexuais em Uganda. Por Léa Maria Aarão Reis.

Rio de Janeiro - O mundo atual é um campo de batalha, sucessão de guerras “invisíveis”, disfarçadas, encobertas ou dissimuladas patrocinadas pelo governo dos Estados Unidos, e o que há por detrás delas e das ações ilegais da mais secreta divisão de elite do exército americano, a Joint Special Operation Command, o Comando de Operações Especiais Conjuntas que opera em 75 países. Este é o tema geral de um documentário longa-metragem, de 86 minutos, Guerras Sujas, do jornalista independente americano Jeremy Scahill, desdobramento do seu livro de mesmo nome lançado nos Estados Unidos, ano passado. 

Autor de um trabalho anterior, Blackwater – a ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo, traduzido no Brasil pela Companhia das Letras, Scahill é o roteirista e personagem fio condutor da trajetória da dupla através Cabul, no Afeganistão, Aden, no Iêmen, e Mogadíscio, na Somália, no rastro das operações da JSOC. Seu companheiro no trabalho, o fotógrafo e cinegrafista Rick Rowley, dirigiu e montou o doc com estreia mundial no Festival de Sundance deste ano e exibido no verão europeu com grande repercussão.



Dirty Wars – The world is a battlefield é um dos 25 filmes exibidos até o dia 10 deste mês, no Festival do Rio, com a parceria da Anistia Internacional no Brasil, na Mostra Direitos Humanos. Outros documentários do grupo denunciam a perseguição aos ciganos na Europa, a tragédia dos órfãos do Iraque, a repressão aos movimentos sociais que pipocam pelo mundo, a discriminação aos homossexuais em Uganda.

“As ações da JSOC ultrapassam todos os marcos da legalidade internacional,” sublinhou Scahill em conversa com a plateia do filme, depois da sua exibição, na companhia do jornalista do The Guardian, Glen Greenwald. “O mais grave é o governo americano não dizer que está matando também cidadãos americanos, nas operações com drones. É surpreendente, um presidente advogado constitucionalista e Nobel da Paz se apresentar com uma posição explícita, imperialista, diante da instituição da ONU e autorizar diretamente o assassinato de alvos humanos vivos inscritos em listas cada vez mais extensas.” 

Depois das viagens, investigações e entrevistas mostradas em Dirty Wars, Scahill calcula que o total de alvos mortos até agora, apenas no Afeganistão e no Paquistão seja de 17 mil pessoas.E as listas não param de crescer.



No filme, os entrevistados de Scahill são parentes de vítimas – crianças, idosos, pais, avôs, uma mãe de filho assassinado-; ex-integrantes do JSOC (há algumas defecções de oficiais e eles falam em anonimato); alguns “senhores da guerra”, no norte da África como o “General”, antes inimigo local dos americanos, hoje cooptado para fazer o trabalho sujo.

Um velho, na Somália, declara a Scarhill, impressionado: “Os americanos são mestres da guerra. Ótimos professores!”

Em depoimentos constrangidos e telegráficos, apenas dois congressistas de Washington depõem – ou não depõem - sobre as guerras secretas. Invocam, é claro, “questão de segurança nacional”. 

As passagens cinematográficas são produzidas com o próprio jornalista em campo (em Mogadíscio, usando forte proteção contra balas e bombas) e com filmetes e imagens comoventes de pequenas festas familiares abruptamente interrompidas nos massacres repugnantes no meio da noite (uma celebração de batizado no Afeganistão, por exemplo). Ou fotos com cenas de adolescente, no Iêmen, trucidado por drone - sobraram do garoto apenas alguns fios de cabelos presos a um pedaço de crânio -, no quarto da sua casa decorado com símbolos e figuras pop de ícones americanos. Dez dias antes o pai tinha sido derrubado por outro drone.

“Nós, jornalistas independentes, vivemos num estado de vigilância permanente,” diz Scahill. “A máquina de guerra continua de pé e não apenas nos países onde há petróleo. Na América Central, na participação militar na Colômbia, nas guerras na África, na Síria.” 

Onde houver interesses econômicos dos Estados Unidos Co. ou interesses geopolíticos, estratégicos, as guerras secretas são detonadas.

O documentário Guerras Sujas até agora não foi comprado para exibição no Brasil. Talvez seja uma daquelas produções, diz um crítico de filmes, que ou assistimos em festival ou não a veremos nunca mais. Não tem atores atraentes nem estrelas nem photoshop para anabolizar improváveis sequências de ação.

No entanto, além de emocionante, é imprescindível.

Azerbaijão: o duto de petróleo que abastece um ditador


Azerbaijão: o duto de petróleo que abastece um ditador

Emma Hughes escreve do Azerbaijão, onde o líder autocrático Ilham Aliyev usa a energia fóssil para financiar seu regime autoritário e comprar o silêncio da União Europeia.

O ímpeto do governo britânico por gás não apenas resultou num aumento de estações de energia movidas a gás no Reino Unido, mas está também apoiando a perfuração de 26 novos poços no campo de Shah Deniz, operado pela British Petrol (BP), na costa do Azerbaijão. Companhias e tomadores-de-decisões em Londres e Bruxelas miram tais poços e já acertam acordos para a construção de um megaduto do mar Cáspio até a Europa central.

O duto proposto parece com algo assim: do terminal da British Petrol em Sangachal o gás seria impulsionado para o oeste através do Duto do Cáucaso do Sul pelo Azerbaijão e pela Geórgia. De lá, o duto Trans-Anatólio bombearia o gás por toda a Turquia, a fronteira da Grécia, Albânia e finalmente terminaria na Itália. Enquanto cada segmento tem um nome diferente, na realidade são todos parte de um mesmo megaduto. E os planos não terminam por aí. Pressionam para que ele seja estendido até o Turcomenistão, Iraque e Irã, criando uma fonte de recursos significativa, pois os campos de gás da Ásia Central e do Oriente Médio estariam ligados diretamente à rede de dutos europeia.

Um duto como este pode ser devastador para o meio ambiente, colocando outras 1,1 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera até 2048 - o equivalente a 2,5 anos do total de emissões dos 5 países pelos quais o duto passará: Azerbaijão, Georgia, Turquia, Grécia e Albânia. E no país de extração, o Azerbaijão, sua construção minaria diretamente a luta para derrubar o ditador do país, Ilham Aliyev.

A família no comando, os Aliyevs, se mantiveram no poder no Azerbaijão nas últimas duas décadas através de uma combinação entre eleições fraudulentas, prisões de candidatos da oposição, espancamento de manifestantes e cerceamento da liberdade de imprensa. O pai de Ilham, Heydar Aliyev, se tornou presidente em 1993, depois de um golpe militar; ele havia sido anteriormente o chefe do Azerbaijão Soviético de 1969 a 1982. Em 2003 ele foi forçado a se retirar das eleições presidenciais devido a problemas de saúde e, ao invés dele, seu filho concorreu e ganhou. As eleições foram reconhecidas como fraudulentas.

O governo dos Aliyevs foi facilitado pela assinatura do ''contrato do século''em 1994, que trouxe 11 corporações, incluindo a British Petrol, a Amoco, a Lukoil da Rússia e a Companhia de Petróleo da República do Azerbaijão, em um consórcio para extrair petróleo do Mar Cáspio. O dinheiro deste petróleo não apenas fez com que estas corporações tivessem lucros gigantescos, como também deu à família Aliyev muita riqueza e aliados importantes além-mar. O petróleo forneceu meios para que o regime não tivesse de depender de impostos, então há pouco incentivo para o governo prestar atenção à voz ou interesse dos cidadãos.

Mirvari Gahramanli trabalha no sindicato que busca proteger os direitos dos trabalhadores petroleiros. Ela culpa a British Petrol pelo presidente autocrático do país: “A British Petrol é a fonte de seu poder. O que seria dele sem dinheiro? Onde estariam sua riqueza, sua polícia, sem o dinheiro da BP? Os Aliyevs enriqueceram pela BP e como resultado hoje eles têm muito mais poder."

O dinheiro da indústria petrolífera deveria ser controlado pelo Fundo Estatal do Petróleo para o Azerbaijão, que deveria financiar a transição da economia azeri para além do petróleo, o que asseguraria que a riqueza seria mantida para futuras gerações. Ao invés disso, muito deste fundo foi investido na construção civil.

Permanentemente em obras
Chegar na capital do Azerbaijão, Baku, à noite, faz parecer que é um dos lugares mais opulentos do planeta. O caminho do aeroporto internacional Heydar Aliev é uma confusão de luzes e cores. Uma caminhada à luz do dia revela um lado diferente da cidade. A opulência ainda é evidente nas ruas comerciais, cheias de lindas praças e lojas de design - a maioria delas vazias. Mas caminhar em uma rua paralela é como ir aos bastidores de um set de filmagens. Poeira e detritos por todos os lados, edifícios inteiros destruídos lançando poeira para as ruas. Baku é uma cidade permanentemente em obras.

As pessoas beneficiadas pelo estado contínuo de demolição de Baku foram reveladas pelo trabalho de jornalistas azeris. Khadija Ismayilova mostrou a ligação entre muitos projetos com o presidente e sua família. Entre eles, estão inclusos o Palácio de Cristal que sediou o festival de canções Eurovision em 2012; e a Praça da Bandeira que custou 38 milhões de dólares e deteve temporariamente o recorde mundial do Guiness como o maior mastro de bandeira até que foi derrotado há alguns meses pelo mastro rival em Dushanbe, no Tajiquistão. Dois terços do custo da praça vieram do fundo e o outro terço veio do orçamento estatal de 2011, ainda que as companhias construtores fossem conectadas com Aliyev.

A lista de empreendimentos nos quais os Aliyevs estão conectados é extensa. Ela inclui companhias de telefonia, de mineração de ouro e de infraestrutura energética. É comum que grandes projetos de infraestrutura, financiados por dinheiro público proveniente dos lucros do petróleo, sejam distribuídos entre companhias que pertencem a funcionários de alto escalão do governo, incluindo o presidente. Novas leis fazem com que o registro de propriedade destas empresas seja secreto. mesmo que elas sejam registradas no estrangeiro, para que a auditorias públicas se tornem impossíveis.

O papel de Khadija Ismayilova na exposição dos lucros pessoais da família Aliyev fez com ela começasse a ser chantageada. No meio da investigação sobre o lucro das empresas responsáveis pela Praça da Bandeira, uma fita com a gravação feita por uma câmera escondida mostrando ela e seu namorado fazendo sexo em seu flat lhe foi enviada. A carta que acompanhava a fita ameaçava publicar o vídeo na internet caso ela não parasse as investigações. Ela continuou e a gravação foi parar na internet. A isto se seguiu uma campanha de difamação e assédio por oficiais do governo em eventos públicos.

Enquanto as autoridades tentavam rotulá-la como uma “mulher promíscua” por ter feito sexo fora do casamento, ela afirma que o tiro saiu pela culatra: “a sociedade ficou mais liberal do que o governo e eu obtive muitas mensagens de apoio não apenas de setores liberais da sociedade mas também de partidos islâmicos porque eles também lutam contra o governo, todos me apoiaram a continuar fazendo meu trabalho.”

No Azerbaijão não há quase nenhuma mídia independente; a maioria dos jornais e quase todos os canais de televisão são controlados pelo governo. A experiência de Khadija Ismayilova é rara pois ela não foi para na prisão, nem no hospital, nem no necrotério. Em 2005 o fundado e editor da revista semanal de oposição “Monitor”, Elmar Huseynov, foi morto a tiros em seu apartamento. Ele havia recebido ameaças pelos seus escritos e muitos no Azerbaijão acreditam que ele foi baleado por este motivo.

Os azeris estão furiosos sobre o fato de como o dinheiro público tem sido desperdiçado. Apesar da opulência no centro de Baku, os cidadãos têm de pagar muito caro por serviços básicos, como o de saúde. Grande parte da infraestrutura do país precisa de reparos.

Uma nova geração está encontrando meios de se organizar através do Facebook, de blogs e flashmobs. O clima em Baku é de expectativa; as pessoas falam sobre quando Aliyev partirá. À época que Baku sediava o festival Eurovision em 2012, os movimentos de protesto tiveram a oportunidade de conquistar a atenção internacional, mesmo que isso não impedisse que o governo respondesse com dura repressão. Em outubro, 200 ativistas muçulmanos que protestavam contra a proibição dos hijabs [N.T. tipo de véu usado para cobrir o cabelo e o pescoço das mulheres] nas escolas secundárias se confrontaram com a polícia em frente ao ministério da educação. 72 foram presos - a maioria continua na cadeia.

Em Janeiro de 2012, na cidade de Ismaylli, a oeste de Baku, o filho do ministro do trabalho, bêbado, bateu o seu SUV em um taxi e depois espancou o motorista do veículo. Em resposta, moradores da cidade colocaram fogo em seu SUV e em outros veículos e hotéis pertencentes à sua família. O gás lacrimogêneo empesteou as ruas enquanto a polícia militarizada marchava sobre a cidade. Um estado de emergência foi declarado na cidade e região, cafés foram fechados e a internet censurada. As tropas se mantiveram na cidade por mais de um mês como uma demonstração de força. Em um regime que teme a mudança é necessário recorrer a cada vez mais violência e repressão. Aumentou o número de prisões devido à eleição marcada para outubro.

A democracia não será conquistada com facilidade. Pressionar a família Aliyev para fora do poder será um processo muito duro, que tem sido ainda mais dificultado pelas ações dos governos ocidentais aliados. Em uma viagem à Bruzelas, Aliyev prometeu dois trilhões de metros cúbicos de gás do Azerbaijão para a Europa. Na mesma reunião, o presidente da comissão européia José Manuel Bassoro falou sobre a ótima conversa que teve com Aliyev e elogiou o país pelo progresso que havia feito no campo da democracia e dos direitos humanos.

Foi anunciado recentemente que a assinatura formal da parte final do acordo para o megaduto entre o consórcio Shah Deniz e a Trans Adriatic Pipeline (TAP) parece que ocorrerá em meados de outubro. Isso significa que coincidirá com a eleição presidencial azeri e irá silenciar aqueles da comissão europeia que gostariam de se pronunciar sobre os prisioneiros políticos azeris e a eleição fraudulenta. Ativistas em favor da democracia acusam o ditador do país, Ilham Aliyev de manipular a data da eleição para garantir que a União Europeia não seja crítica do espantoso registro de violações dos direitos humanos e da democracia. 

Tradução de Roberto Brilhante.