O Pampa desconhecido e o contrassenso do estímulo à agricultura
Falta de estratégias de conservação desse bioma é problemática, alerta Eduardo Vélez. Coberturas dos campos cederam espaço para as culturas de soja e arroz, além do eucalipto, em vez da criação de gado, vocação natural da região
Márcia Junges
Márcia Junges
Formação savanóide em Alto Camaquã
Eduardo Vélez Martin é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre e doutor em Ecologia pela mesma instituição com a tese Influência de gradientes ambientais nos padrões de diversidade das comunidades campestres nos Campos de Cima da Serra, RS. Está cursando pós-doutorado na UFRGS, onde leciona. É um dos autores de Ciências biológicas (São Paulo: FTD, 1999). Em 17-12-2012, Dia Nacional do Bioma Pampa, Vélez participa do evento Biosfera. Estratégias para implementação de áreas protegidas, que acontece na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
As fotos foram cedidas por Eduardo Vélez.
As fotos foram cedidas por Eduardo Vélez.
IHU On-Line – Em que aspectos o Pampa é um bioma desconhecido pela população gaúcha?
Eduardo Vélez – Em muitos aspectos. Antes a região era conhecida apenas como metade Sul. Convenhamos que a nome bioma Pampa valorizou muito mais este importante espaço geográfico. O desconhecimento do Pampa ainda existe, mas já foi bem pior. Hoje já há estudos científicos voltados para este bioma, iniciativas de conservação e de produção sustentável. Muito conhecimento novo tem surgido, o bioma já foi mapeado, sabemos que há diferentes tipos de campos nativos, quanto há de remanescentes de áreas naturais, quais são as áreas prioritárias para conservação e onde estão localizadas as principais áreas de beleza cênica. O problema é que ainda há pouca informação disponível, numa linguagem acessível, sobre a fauna, a flora e as belas paisagens dessa região.
IHU On-Line – Quais são as áreas prioritárias para preservação no Pampa?
Eduardo Vélez – O Pampa é uma região com grande heterogeneidade ambiental. Em todas as regiões fisiográficas que o compõem (Litoral, Serra do Sudeste, Campanha, Depressão Central, Fronteira Oeste, Missões e Planalto Médio), há alguma área prioritária já identificada. Entretanto, se levarmos em conta as áreas que foram menos alteradas, onde a natureza ainda guarda semelhança com as condições do passado, as áreas que mais se destacam são parte da região da Campanha, onde a agricultura não avançou muito, e na Serra do Sudeste.
IHU On-Line – Quais são as principais estratégias de conservação que estão sendo pensadas?
Eduardo Vélez – Creio que há ainda um problema de ausência de estratégias consistentes de conservação para este bioma. Há que se reconhecer que existem algumas iniciativas importantes, tais como o projeto RS Biodiversidade da SEMA-RS, os estudos feitos na região pelo Ministério do Meio Ambiente, o Zoneamento Ambiental da Silvicultura. Mas ainda é pouco. O bioma carece de uma rede consistente de unidades de conservação e de projetos de valorização de práticas econômicas sustentáveis. Ainda há muito por fazer.
IHU On-Line – Nesse sentido, o que já está implementado?
Eduardo Vélez – Ainda não chegamos na zona de conforto de nenhuma das pautas que precisam ser implementadas. Ainda há muitas lacunas de pesquisa científica, de proteção da biodiversidade (in situ e ex situ), de produção sustentável, de recuperação de áreas de degradadas.
IHU On-Line – Nos últimos anos, quais são as mudanças mais significativas nesse bioma em termos de biodiversidade?
Eduardo Vélez – Nas últimas décadas houve uma perda dramática da cobertura de campos nativos em todo o Pampa. Os principais vetores de transformação foram a cultura do arroz, principalmente nas várzeas e áreas úmidas, e da soja. Entretanto, embora o monitoramento da cobertura vegetal seja algo recente (há dados para os anos de 2002, 2008 e 2009), esta tendência parece ter desacelerado bastante, embora ainda preocupe. A vegetação nativa (campos, florestas, áreas úmidas, etc.) ocupava 37,3% do Pampa em 2002. Sete anos depois esta cifra baixou para 35,9%.
IHU On-Line – Em que aspectos a plantação de madeiras reflorestáveis altera o equilíbrio do bioma Pampa?
Eduardo Vélez – Do ponto de vista da biodiversidade, o problema surge quando estes plantios são realizados em grande escala, ocupando áreas contínuas que se estendem por centenas a milhares de hectares. Além de resultar na remoção da vegetação natural, este tipo de plantio geralmente interrompe a conectividade entre as áreas naturais remanescentes, impedindo o fluxo gênico entre as espécies nativas. Isso é particularmente crítico para aquelas espécies que têm populações com tamanhos reduzidos, o que pode acarretar no aumento das extinções locais. Podem também ocorrer outros problemas associados a estes megaplantios como o rebaixamento do lençol freático, quando os plantios excedem a disponbilidade hídrica de uma determinada região, problemas sociais decorrentes da modificação da estrutura agrária e de perda de identidade cultural. Portanto, esta atividade precisa ser disciplinada para que as zonas mais frágeis e os limites locais sejam respeitados. Há formas de harmonizar esta atividade, desde que se levem em conta estes tipos de problema, que são efetivamente reais.
IHU On-Line – Quais são as principais espécies ameaçadas de extinção em nosso Estado e, sobretudo, nesse bioma?
Eduardo Vélez – A lista oficial da fauna ameaçada no RS contém 261 espécies, das quais nove já estão provavelmente extintas, como o gavião-real, e 43 encontram-se criticamente em perigo. Estão na lista muitas espécies de aves como o arapaçu-platino (Drymornis bridgesii), o rabudinho (Leptastenura platensis), o coperete (Pseudoseisura lophotes) e o corredor-crestudo (Coyphistera alaudina) e de mamíferos como o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus), o veado-campeiro (Ozotocerus bezoarticus), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e o gato-palheiro (Leopardus colocolo).
Com relação à flora a lista oficial de espécies ameaçadas no RS inclui 611 espécies. Na lista nacional, publicada em 2008, foram incluídas 16 espécies ameaçadas no bioma Pampa incluindo uma espécies de butiá (Butia eriosphata), quatro compostas (Chaptalia arechavaletae, Hysterionica pinntisecta, Senecio promatensis e S. ramboanus), duas leguminosas (Mimosa bracteolaris e Trifolium argentinense), duas solanáceas (Nierembergia pinifolia e Solanum arenarium), uma gramínea (Thrasyopsis jurgenssi), três bromeliáceas (Dyckia alba, Dyckia elisabethae e Tillansia afonsoana), além de Blechnum mochaenum, Cienfuegosia hasslerana e Euplassa nebularis. Cabe destacar que há muitos endemismos de plantas no RS, com destaque para as cactáceas (Parodia herteri, Frailea castanea e Gymnocalysium uruguayense, dentre outras).
IHU On-Line – Em termos gerais, qual é o grande “inimigo” do Pampa, que coloca em risco sua preservação e biodiversidade?
Eduardo Vélez – Entendo que o maior inimigo do Pampa é o não reconhecimento da sua vocação para as atividades pastoris sobre os campos nativos. Infelizmente a pecuária como atividade econômica é vista como símbolo de atraso e de estagnação econômica na região. É justamente o contrário, já está provado que a pecuária pode ser sustentável, gerando retornos econômicos competitivos e promovendo a conservação da biodiversidade. Sim, há problemas de gestão na cadeia produtiva e de práticas inadequadas de produção animal que precisam ser corrigidas urgentemente. Mas isso se resolve com políticas públicas específicas. Há diferentes tipos de campos no Pampa, incluindo centenas de espécies de alto potencial forrageiro e farmacológico, isso tem um imenso valor. Tudo isso costuma ser negligenciado e os campos são sumariamente eliminados para implantação de lavouras, na onda dos preços elevados e momentâneos das commodities, muitas vezes em áreas pouco produtivas que acabam sendo abandonadas. Não se trata de demonizar as atividades agrícolas e de silvicultura. Há espaço para elas no Pampa. O que deve ser feito é estimular que a maior parte das paisagens seja ocupada pela pecuária nos campos naturais, cabendo um papel acessório para estas outras atividades econômicas. É um contrassenso que no Brasil se desmate na Amazônia, um bioma florestal, para criar gado sobre pastagens exóticas africanas, e que se eliminem os campos do Pampa, um bioma campestre, para plantar árvores... Isso vai contra a vocação natural das regiões e não é desenvolvimento sustentável.
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