A
GAZETA 1991
O Espírito Santo possui um produto de exportação que
não aparece em nenhuma estatística do Governo. Este produto, em função de sua
qualidade e valor, nunca é ofertado aos potenciais compradores como uma
mercadoria ou máquina que sai de uma linha de montagem.
Trata-se da Escola Família Agrícola (EFA), que aqui
chegou em forma de uma boa idéia no ano de 1965 e que já em 1969 passou a ser
uma realidade concreta, com a abertura de escolas de primeiro grau em Alfredo
Chaves, Anchieta e Rio Novo do Sul.
A EFA é um sistema de ensino rural que prepara o jovem
para vida, como costuma dizer o padre Humberto Pietrogrande, jesuíta italiano
que implantou o sistema aqui no Espírito Santo. Para dar sustentação ao novo
esquema educacional foi criado o Movimento de Educação Promocional do Espírito
Santo (MEPES), que também passou a se envolver no setor de saúde, com um
hospital em Anchieta e vários mini-postos de saúde, bem como creches e o Centro
de Formação de monitores localizado em Píuma. Este Centro é que dá e renova as
energias do movimento, é como se fosse a sua alma, formando monitores, dando
cursos de reciclagem e assessoria às
comunidades.
Alternância é a palavra e a forma de agir da EFA. É
dentro do esquema de alternar a vida do aluno na escola e na sua casa que funciona
a EFA. No primeiro grau o aluno passa uma semana em casa e outra na escola, já
no segundo grau a alternância se da a cada duas semanas.
Ao alternar a escola e a sua casa o jovem passa a ser
o elo entre a sua realidade e a escola, por meio de uma série de instrumentos
que, ao invés de desligá-lo da família, o torna mais íntimo e cooperativo. A
origem da EFA é a França, há 53 anos. Há 23 anos chegou ao Espírito Santo e,
segundo o professor Sérgio Zanberlam, que trabalha no Centro de Formação, ”a
história da EFA no Brasil é intensamente vivida e pouco escrita. Ela surgiu
numa época de escuridão, período em que até a palavra conscientização era
proibida”.
Foi dentro das dificuldades que as EFAs iniciaram a caminhada que, segundo Zanberlam,
está divida em três fases:
1- A primeira
está ligada diretamente à implantação do Mepes e às EFAs que nasceram
lentamente e expandiram-se para outras regiões, indo de 1965, quando a semente
foi lançada, até a sua formação em 1968.
2- A segunda
fase foi a consolidação no Espírito Santo, entre 1973-1983, quando iniciou a
caminhada para a Bahia. Esta foi uma fase de muitas experiências em nível
pedagógico e didático.
3- A terceira
fase é o início de uma ampla expansão para vários Estados e a diversificação na
forma de conduzir a instituição, desde as que dependem diretamente do poder
público local até a associação de produtores rurais.
Em 1971 entra em funcionamento a EFA de Campinho de
Iconha e a primeira escola feminina de Iconha;
Em 1972, Km-41
e Jaguaré (ambas em São Mateus) e São Gabriel da Palha;
Em 1976, Anchieta-Olivania, 2º grau técnico em
agropecuária;
Em 1978, Rio Bannal;
Em 1985, Pinheiros;
Em 1986, Boa Esperança, 2º grau
técnico em agropecuária;
Em 1988, Montanha e Nova Venécia;
Em 1991, Jaguaré passa para 2º grau técnico em
agropecuária, encerra o 1º grau;
Em 1992, Montanha, 2º grau técnico em agropecuária.
Zanberlam observa ainda que usando a metodologia da
alternância e com o apoio do Mepes, ''em 1990 surgem em Jaguaré as escolas
comunitárias em São João Bosco e Giral, dependentes administrativamente da
Prefeitura, fruto do trabalho de base, ajudado pela EFA e pela organização das
comunidades rurais’’.
Cita ainda que em Santa Maria do Jetibá foi implantada
uma EFA em 1990, após trabalho comunitário da Igreja Luterana. Neste ano, em
Domingos Martins, também com a presença dos luteranos, surge mais uma EFA e
também em Barra de São Francisco,
A PORTA
O Centro de Formação é o local onde os monitores
(denominação dada ao que na escola tradicional se chama de professor) passam
por treinamento de um ano e reciclagens periódicas antes de chegarem a EFA.
Zanberlan explica que ‘’é importante dizer que boa
parte das EFAs que surgiram nas mais variadas regiões brasileiras teve
colaboração estreita do Centro de Formação, um apoio direto com a formação de
monitores e assessoria. Indiretamente colaborou trocando material pedagógico e
respondendo a pedidos de informações, em vista de estreitar laços entre
experiências similares e estimular uma maior solidariedade entre quem luta por
uma sociedade mais fraterna.”
UNIVERSO
Uma caracterização das EFASs assenta sobre três pontos:
O AMBIENE FÍSICO - a maioria das EFAs funcionam em
prédios próprios e possui um pedaço de terra, que acompanha o tamanho médio da
propriedade rural da região, de 5 a 30 hectares, que serve para a produção de
alimentos para os alunos. As construções na maioria dos casos são feitas com
mão-de-obra das comunidades envolvidas (ou em parte da municipalidade). As
comunidades rurais arrecadam dinheiro de várias formas: bingos, rifas, doações
de material, animais e produtos agrícolas. Outra parte dos recursos para
construção e reformas (principalmente nas regiões mais carentes) vem do
exterior; via paróquia, diocese, instituições que atuam e assessoram movimentos
populares ou por meio de entidades mantenedoras das EFAs ou a elas afiliadas.
São construções que respeitam a arquitetura local.
O CORPO DOCENTE - normalmente os monitores, donas de
casa e outros agentes educativos que atuam nas EFAs recebem seus vencimentos
das instituições mantenedoras. Nos últimos anos, em algumas EFAs, o pagamento
vem sendo feito por prefeituras ou pelo Estado.
OS ALUNOS - as turmas em geral são heterogêneas, na
idade e no número. No início esta heterogeneidade era menor, porque as tentavam
atender aos jovens adultos, diminuindo este contingente. A idade foi caindo e
hoje ela varia de 11 a 17 anos. O número varia de 80 a 120 alunos. Tem-se
verificado o aumento progressivo de filhos de meeiros e diaristas, mais ainda
com a predominância dos pequenos proprietários. Esse fato acompanha as mudanças
que a estrutura fundiária vem sofrendo em todo País, a concentração da terra é
uma constante.
A PONTE
A EFA não é mais uma experiência, é um fato concreto,
porque possui mais de 1.500 alunos e um número muitas vezes superior de
ex-alunos que continuam vivendo e produzindo no campo.
O somatório do trabalho de muita gente fez com que o
Espírito Santo exportasse a idéia para 12 Estados a idéia concreta e efetiva de
uma nova escola. Uma via de duas mãos, pavimentada pela solidariedade e pela
fraternidade.
A EFA não é dona do saber, mas uma ordenadora de
informações, por isto respeita o produtor rural e a sua família, formando uma
parceria na dor e na alegria.
A exportação da idéia concreta da EFA antes de ser
concretizada, passou por um longo processo de entendimento e de conhecimento. Muitos
produtores de outros Estados vieram conhecer o funcionamento das EFAs do
Espírito Santo. Dezenas e dezenas vieram e estudaram no Espírito Santo, do
primeiro e segundo graus, passando depois pelo Centro de Formação de Monitores.
Depois seguiram viagem para plantar e colher frutos de novas EFAs nos seus
Estados.
A contribuição do Espírito Santo para estancar o êxodo
rural é muito grande. O êxodo rural que representa a marginalização das pessoas
na periferia das cidades, tem a sua origem no descaso em relação a educação
rural e tudo mais que diz respeito à família rural brasileira.
O produto de exportação capixaba não está na
estatística do Governo, mas certamente é um marco em milhares de vidas que hoje
continuam no campo vivendo com dignidade.
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