Quantas madrugadas atravessei na companhia das músicas
de Geraldo Vandré? Não sei. Tempos ásperos carregados de esperança e angústia.
O ritual sagrado de colocar quatro discos, com doze músicas cada um, na velha vitrola
e deixar o tempo correr foi repetido muitas vezes. Trágicas décadas de 60 e70.
Época negra de nossa História. Tempo que
experimentamos situações especiais de solidariedade, mas também uma época de um
contínuo isolamento das pessoas. Situação certamente vivida por muitos iguais.
Ao som de Para não dizer que não falei de flores, estávamos
mergulhados na longa noite do regime militar e dos seus fiéis parceiros da
sociedade civil. Uma composição contra a Segurança Nacional, eram os inimigos
subversivos e os perigosos comunistas.
Vou como quem vai chegar, dizia outra
canção, funcionando como um fino e tênue alento para os sonhos da época. Esperança
com angústia. Certeza de que todo ignorante é sempre mais feliz. Falava ainda
para levarmos a vida cantando a esperança que um dia viria, uma certeza
de que o nosso canto não seria em vão. Tudo viria ter um fim um dia...
Tempos de angústia que uma geração viveu e amargou,
que vez por outra era sublimada por atos de coragem de muitos. Hoje vemos como
ato de bravura dos que ficaram pela estrada.
Noites duras. Dias pesados para serem levados adiante.
Tempos de manipulação de toda Nação, enganada pelo milagre brasileiro, aquele
que primeiro iria fazer o bolo, para depois reparti-lo. Hoje a população espera
o convite para participar da festa. Mas a festa já aconteceu com poucos
convidados.
Todos embrutecemos e esquecemos a alegria. Um banho de
melancolia na utopia sadia de pequenos grupos.
O tempo correu e com ele muitas dores nas noites escuras da ausência da
liberdade e do reinado do arbítrio. Os anos fluíram e hoje, 1966, Geraldo
Vandré voltou de forma moderna, em CD. Voltamos a ouvi-lo com a esperança de
sempre. A angústia foi substituída pelo desafio de um novo tempo que temos pela
frente.
Agora o horizonte é visível. Um convite ao trabalho
para reconstruir a Nação que teve e ainda tem o seu povo avacalhado.
O tema atual é esperança como desafio, para o qual
todos estão convidados a participar. Valeu a pena o tempo passado, mesmo tendo
de andar escondido dentro de nós mesmos e de ter visto muitos sofrerem na pele
e no corpo a mão pesada do dominador implacável... A omissão não vale mais, sob hipótese alguma.
Aos que passaram pelo túnel negro do tempo, em frente.
Aos que foram apiados na rota da vida, nossa
homenagem.
Aos que a cada dia entram na linha da miséria e
perambulam pelos campos e pelas ruas das cidades pequenas e grandes, muitos
enlouquecidos pela fome, produto de anos e anos de abandono, lamentavelmente
este filme prossegue... Cabe a cada um imaginar e colocar em prática um novo
filme.
Volto ao embalo das canções de Vandré, numa situação
diferente dos tempos ásperos... Hoje, os que têm pouco, são muito mais e com
muito menos. A esperança continua. A angústia foi substituída pelo desafio de
materializar o sonho e a utopia. Bem vindo Geraldo Vandré, continue a embalar
nossos sonhos.
Vila Velha, 13 de maio de 1996.
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