O futuro político do Egito: Irmandade Muçulmana não assusta setor financeiro
As infindáveis referências que a mídia ocidental faz sobre a possibilidade de uma reforma da
constituição instituindo a sharia islâmica no Egito como uma das questões mais importantes
em um novo regime não passa de uma manobra diversionista. O fato a ser destacado é que a
nova posição da Irmandade Mulçumana sobre a política econômica tem merecido elogio por
parte dos políticos norte-americanos.
Reginaldo Nasser (*)
O Egito passa por um período de intensas transformações políticas de forma inédita. Durante o
período de um ano assistimos a tomada da praça Thahir, a queda de Mubarak, mobilizações
populares frequentes, conflitos violentos, eleições parlamentares e agora a finalização de uma
primeira etapa desse processo político: a eleição presidencial. Apesar de ainda ser incerto o futuro
político do Egito, pois ainda não está bem definido o conjunto de forças políticas no momento, é
improvável que ocorra um golpe militar ou uma revolução islâmica nos moldes do Irã.
Talvez o último debate eleitoral entre os principais candidatos presidenciais revela-nos o caminho
pelo qual seguirá a transição do regime político. Os momentos mais acalorados do debate entre exmembros do antigo governo (Amr Moussa e Ahmed Shafiq) e Abdel Fotouh, ex-dirigente da
Irmandade Muçulmana, ocorreu quando houve questionamentos a respeito de suas relações com
aliados políticos do passado que poderiam comprometer a transição democrática. Quase não houve
divergência sobre questões relacionadas às reformas econômicas, à religião ou ao papel dos
militares.
As infindáveis referências que a mídia ocidental faz sobre a possibilidade de uma reforma da
constituição instituindo a sharia islâmica como uma das questões mais importantes em um novo
regime não passa de uma manobra diversionista. O fato a ser destacado é que a nova posição da
Irmandade Mulçumana sobre a política econômica tem merecido elogio por parte dos políticos norteamericanos, muito bem simbolizado na abertura da Bolsa de Valores egípcia pelos senadores John
Kerry e John McCain em junho do ano passado. O que indica que se formou um consenso entre as
elites econômicas e políticas nacionais e internacionais articulando seus interesses na manutenção
de um capitalismo nos moldes liberais, mesmo com o parlamento dominado pelos partidos
islâmicos.
Por fim, não se pode esquecer, evidentemente, da principal peça política dessa articulação: os
militares. Já não é mais segredo para a população a influência que as forças armadas têm no país,
inclusive sobre a economia. Ao longo de décadas, a ditadura, com a ajuda econômica dos EUA,
possibilitou que os militares construíssem um complexo industrial muito bem estruturado e
financiado além de atuar fortemente na área de serviços e turismo. Se os egípcios querem
realmente se afastar do passado, em algum momento, os militares terão que prestar conta de seus
negócios, seus privilégios, subsídios, benefícios fiscais já que não estão sujeitos a qualquer controle
parlamentar ou governamental. “Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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Entretanto não se pode esquecer que toda essa história dos protestos teve início, em 2006, numa
grande onda de greves de trabalhadores cujo objetivo não era apenas a luta pela democracia, mas
também uma veemente condenação do capitalismo neoliberal conduzido por Mubarak e os militares.
A realização das aspirações dos egípcios exigirá mais do que uma reforma constitucional ou a
realização de eleições instituindo novas lideranças políticas. As forças que destituíram Mubarak
ainda não derrubaram seu regime econômico. O desafio é encontrar uma maneira de transformar a
revolução que têm ocorrido no âmbito das ideias e do comportamento político em uma nova forma
de organização social e econômica. Assim, ainda que as instituições permaneçam as mesmas, já não
é o mesmo Egito de antes.
(*) Reginaldo Mattar Nasser Professor do departamento de Relações Internacionais da PUC/SP
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