
Após quatro meses, François Hollande enfrenta críticas
François Hollande assumiu em maio a presidência da República sem gozar desse período de paz que se chama “estado de graça”. 120 dias depois do retorno do socialismo ao poder após perder três eleições presidenciais sucessivas, apenas 48% da opinião pública está satisfeita com sua gestão. Hollande, assume o timão de um país que recém emerge das férias de julho e agosto e depara-se com a realidade das cifras negativas: a França conheceu esta semana a taxa de desempregados. O artigo é Eduardo Febbro.
Eduardo Febbro - Paris
Paris - O socialismo francês muda de geração ao mesmo tempo em que se confronta com a rudeza da crise, com suas próprias transformações internas, com a ofensiva do patronato, a pressão exercida pelos aliados da esquerda radical, pelos sindicatos e pelo descontentamento crescente da opinião pública. Quatro meses depois de ter vencido as eleições presidenciais, o presidente socialista francês, François Hollande, assume o timão de um país que recém emerge das férias de julho e agosto e depara-se com a realidade das cifras negativas: a França conheceu esta semana a taxa de desempregados. O contexto é tanto mais agudo na medida em que a maioria socialista tem que administrar a crise europeia, acalmar as demandas da ala esquerda e dos sindicatos que reprovam a lentidão do governo, os cortes e o descumprimento de várias promessas.
Nesse jogo se mete o setor empresarial, que aponta suas armas contra o aumento de impostos, e, obviamente, os meios de comunicação. Como já havia ocorrido com o ex-presidente conservador Nicolas Sarkozy, os meios passaram da adoração à crítica. Idolatrado há apenas dois meses, Hollande é hoje objeto de uma avalanche de ataques refletidos em vários livros recém lançados que têm por objeto a vida privada de Hollande e a guerra sem quartel entre sua atual companheira, Valérie Trierweiler, e a ex-mulher do presidente, Ségolène Royal, a mãe de seus quatro filhos e ex-candidata socialista às eleições presidenciais de 2007 – foi derrotada por Sarkozy.
É neste contexto que o Partido Socialista francês empreende uma mudança fundamental com a substituição de sua atual primeira secretária, Martine Aubry, por uma figura que pertencerá a outra geração. A transição ocorrerá só em outubro próximo durante um congresso extraordinário que será realizado em Tolouse, a “cidade rosa” da França. Daqui até lá há um compasso de espera nas definições e nos programas. “Sou e sempre serei uma militante”, disse Martine Aubry em seu discurso de despedida pronunciado na Universidade de Verão organizada pelo PS na localidade de Rochelle. A dirigente defendeu o até agora tímido mandato de François Hollande, disse que sua vitória representou uma “ruptura” em escala europeia e convocou o PS a manter-se no poder.
A dirigente francesa deixa uma marca que ninguém apagará: foi sob seu mandato que o PS passou da oposição ao poder. Martine Aubry, que esteve quatro anos a frente do Partido Socialista, fixou um rumo para os próximos anos: apoiar o governo e conseguir que ele não se afaste das preocupações da sociedade, colocar em circulação novas propostas para que o futuro não os surpreenda e europeizar o enfoque do PS. Por enquanto, os prováveis candidatos para a sucessão são o atual número dois do PS, Harlem Désir, e o deputado Jean-Christophe Cambadélis. À espera da apresentação das moções com as quais se elegerá o próximo líder socialista, o partido discutiu mais sobre o que deve fazer com o governo do que sobre seus passos futuros.
O atual primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, disse que o partido deverá atuar como “correia de transmissão” entre o governo e a população, “respaldar” o Executivo e atuar como “esclarecedor do futuro”.
O PS ainda está imerso nas emoções da vitória e busca um pacto interno para acalmar a sede de sua ala esquerda e não desestabilizar o governo de François Hollande. Jean-Marc Ayrault evocou a ideia de “uma esquerda duradoura que transforme profundamente o país”. No entanto, os primeiros atos de seu governo não vão nesta direção, de onde o descontentamento de muitos militantes.
Com um presente sombrio, o apoio da base será essencial para governar no futuro. François Hollande assumiu em maio a presidência da República sem gozar desse período de paz que se chama “estado de graça”. 120 dias depois do retorno do socialismo ao poder após perder três eleições presidenciais sucessivas, apenas 48% da opinião pública está satisfeita com sua gestão. A palavra “fiasco” já começa a aparecer nos meios de comunicação antes mesmo que o Executivo tenha começado a governar com plenos poderes. A onda de apreciações adversas forçou o presidente a deixar sua reserva habitual. Hollande é reprovado hoje em tudo aquilo que, em abril e maio passado, era um argumento a seu favor frente à híper velocidade e a encenação organizada de seu rival, Nicolas Sarkozy, ou seja, sua parcimônia, sua lentidão e normalidade. Mas o mau humor aperta. O presidente afirmou neste final de semana que “a mudança não é uma sucessão de anúncios, mas sim uma força que dá uma direção”.
Também esgrimiu o argumento irremediável da crise, seu caráter de longo prazo e a necessidade de “tempo para ganhar a batalha do crescimento, do emprego e da competitividade, porque é uma batalha (...) Não se pode esperar resultados em três meses. Me elegeram para cinco anos”.
Parece difícil concordar com tudo. A hecatombe pela qual atravessam Grécia e Espanha mantem um alto nível de incerteza dentro da zona euro, ao que se agregam os três semestres sucessivos de crescimento zero, os três milhões de desempregados, o fechamento de pequenas e médias empresas e as exigências orçamentárias que se desprendem dos acordos europeus. François Hollande havia prometido renegociar por inteiro o “pacto de estabilidade” elaborado por Nicolas Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel, mas não o fez.
Uma vez passado o entusiasmo da vitória, o exercício do poder se tornou um desafio onde as promessas e os objetivos de outrora soam a quimeras. O governo deu marcha ré em algumas medidas anunciadas durante a campanha presidencial, ou as aplicou pela metade. Hollande adiantou, por outro lado, o cumprimento de algumas delas, além do aumento de impostos para os ricos: a gestão direta por parte das regiões dos orçamentos europeus, a criação de 100 mil postos de trabalho para os jovens subvencionados diretamente pelo Estado e a entrega gratuita de terrenos para que os municípios construam moradias.
O discurso socialista em torno da “equidade” e da “justiça” não mudou. Contudo, traduzir ambos conceitos em medidas em um terreno minado de abismos cavados pela crise é quase uma missão impossível sem uma mudança radical de orientação. Os socialistas demonstraram que podem jogar na mesma escala da direita. Isso ocorreu com o desmantelamento dos acampamentos de ciganos que tantos problemas e controvérsias suscitaram durante o mandato de Sarkozy. Uma vez no poder, o socialismo francês copiou a política xenófoba de seu predecessor e continuou com o desmantelamento dos acampamentos e a expulsão dos ciganos.
Somente sob o peso das críticas e até de uma nova advertência das Nações Unidas, o Executivo moderou sua política. Os tempos mudam rapidamente. Enquanto François Hollande inicia sua presidência, os socialistas franceses mudam de época com a substituição de Martine Aubry. Uma página da história foi virada dentro do PS enquanto François Hollande ainda não consegue virar a página da política que ele prometeu mudar.
Tradução: Katarina Peixoto
Nesse jogo se mete o setor empresarial, que aponta suas armas contra o aumento de impostos, e, obviamente, os meios de comunicação. Como já havia ocorrido com o ex-presidente conservador Nicolas Sarkozy, os meios passaram da adoração à crítica. Idolatrado há apenas dois meses, Hollande é hoje objeto de uma avalanche de ataques refletidos em vários livros recém lançados que têm por objeto a vida privada de Hollande e a guerra sem quartel entre sua atual companheira, Valérie Trierweiler, e a ex-mulher do presidente, Ségolène Royal, a mãe de seus quatro filhos e ex-candidata socialista às eleições presidenciais de 2007 – foi derrotada por Sarkozy.
É neste contexto que o Partido Socialista francês empreende uma mudança fundamental com a substituição de sua atual primeira secretária, Martine Aubry, por uma figura que pertencerá a outra geração. A transição ocorrerá só em outubro próximo durante um congresso extraordinário que será realizado em Tolouse, a “cidade rosa” da França. Daqui até lá há um compasso de espera nas definições e nos programas. “Sou e sempre serei uma militante”, disse Martine Aubry em seu discurso de despedida pronunciado na Universidade de Verão organizada pelo PS na localidade de Rochelle. A dirigente defendeu o até agora tímido mandato de François Hollande, disse que sua vitória representou uma “ruptura” em escala europeia e convocou o PS a manter-se no poder.
A dirigente francesa deixa uma marca que ninguém apagará: foi sob seu mandato que o PS passou da oposição ao poder. Martine Aubry, que esteve quatro anos a frente do Partido Socialista, fixou um rumo para os próximos anos: apoiar o governo e conseguir que ele não se afaste das preocupações da sociedade, colocar em circulação novas propostas para que o futuro não os surpreenda e europeizar o enfoque do PS. Por enquanto, os prováveis candidatos para a sucessão são o atual número dois do PS, Harlem Désir, e o deputado Jean-Christophe Cambadélis. À espera da apresentação das moções com as quais se elegerá o próximo líder socialista, o partido discutiu mais sobre o que deve fazer com o governo do que sobre seus passos futuros.
O atual primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, disse que o partido deverá atuar como “correia de transmissão” entre o governo e a população, “respaldar” o Executivo e atuar como “esclarecedor do futuro”.
O PS ainda está imerso nas emoções da vitória e busca um pacto interno para acalmar a sede de sua ala esquerda e não desestabilizar o governo de François Hollande. Jean-Marc Ayrault evocou a ideia de “uma esquerda duradoura que transforme profundamente o país”. No entanto, os primeiros atos de seu governo não vão nesta direção, de onde o descontentamento de muitos militantes.
Com um presente sombrio, o apoio da base será essencial para governar no futuro. François Hollande assumiu em maio a presidência da República sem gozar desse período de paz que se chama “estado de graça”. 120 dias depois do retorno do socialismo ao poder após perder três eleições presidenciais sucessivas, apenas 48% da opinião pública está satisfeita com sua gestão. A palavra “fiasco” já começa a aparecer nos meios de comunicação antes mesmo que o Executivo tenha começado a governar com plenos poderes. A onda de apreciações adversas forçou o presidente a deixar sua reserva habitual. Hollande é reprovado hoje em tudo aquilo que, em abril e maio passado, era um argumento a seu favor frente à híper velocidade e a encenação organizada de seu rival, Nicolas Sarkozy, ou seja, sua parcimônia, sua lentidão e normalidade. Mas o mau humor aperta. O presidente afirmou neste final de semana que “a mudança não é uma sucessão de anúncios, mas sim uma força que dá uma direção”.
Também esgrimiu o argumento irremediável da crise, seu caráter de longo prazo e a necessidade de “tempo para ganhar a batalha do crescimento, do emprego e da competitividade, porque é uma batalha (...) Não se pode esperar resultados em três meses. Me elegeram para cinco anos”.
Parece difícil concordar com tudo. A hecatombe pela qual atravessam Grécia e Espanha mantem um alto nível de incerteza dentro da zona euro, ao que se agregam os três semestres sucessivos de crescimento zero, os três milhões de desempregados, o fechamento de pequenas e médias empresas e as exigências orçamentárias que se desprendem dos acordos europeus. François Hollande havia prometido renegociar por inteiro o “pacto de estabilidade” elaborado por Nicolas Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel, mas não o fez.
Uma vez passado o entusiasmo da vitória, o exercício do poder se tornou um desafio onde as promessas e os objetivos de outrora soam a quimeras. O governo deu marcha ré em algumas medidas anunciadas durante a campanha presidencial, ou as aplicou pela metade. Hollande adiantou, por outro lado, o cumprimento de algumas delas, além do aumento de impostos para os ricos: a gestão direta por parte das regiões dos orçamentos europeus, a criação de 100 mil postos de trabalho para os jovens subvencionados diretamente pelo Estado e a entrega gratuita de terrenos para que os municípios construam moradias.
O discurso socialista em torno da “equidade” e da “justiça” não mudou. Contudo, traduzir ambos conceitos em medidas em um terreno minado de abismos cavados pela crise é quase uma missão impossível sem uma mudança radical de orientação. Os socialistas demonstraram que podem jogar na mesma escala da direita. Isso ocorreu com o desmantelamento dos acampamentos de ciganos que tantos problemas e controvérsias suscitaram durante o mandato de Sarkozy. Uma vez no poder, o socialismo francês copiou a política xenófoba de seu predecessor e continuou com o desmantelamento dos acampamentos e a expulsão dos ciganos.
Somente sob o peso das críticas e até de uma nova advertência das Nações Unidas, o Executivo moderou sua política. Os tempos mudam rapidamente. Enquanto François Hollande inicia sua presidência, os socialistas franceses mudam de época com a substituição de Martine Aubry. Uma página da história foi virada dentro do PS enquanto François Hollande ainda não consegue virar a página da política que ele prometeu mudar.
Tradução: Katarina Peixoto
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