Companhias gigantes de bioengenharia como a Monsanto e DuPont estão gastando milhões de dólares para lutar contra a iniciativa de plebiscito da Califórnia que deve decidir sobre a obrigatoriedade do rótulo de alimentos geneticamente modificados. Isso não surpreende ninguém, muito menos os proponentes da lei, que se aprovada pelos eleitores será a primeira do tipo no país.
Stephanie Strom
Stephanie Strom
Compradores procurar produtos orgânicos em uma loja de Oakland, na Califórnia (EUA). No dia 6 de novembro, os californianos votarão sobre a exigência de que os alimentos geneticamente modificados sejam claramente identificados
Mas as companhias por trás de algumas das maiores marcas de orgânicos do país - Kashi, Cascadian Farm, Horizon Organic - também se juntaram ao esforço antirrotulagem, acrescentando milhões de dólares para derrubar a iniciativa, conhecida como Proposta 37.
Sua oposição é um contraste drástico em relação às pequenas empresas independentes de orgânicos, que em geral são a favor de rotular os produtos que contêm organismos geneticamente modificados, ou OMGs. E isso levantou uma reação dos consumidores nas mídias sociais que levou algumas marcas de orgânicos a tentar se distanciar de seus parentes corporativos.
"Queremos deixar claro que a Kashi não fez nenhuma contribuição para se opor ao rótulo de OMG", disse a marca numa declaração divulgada no mês passado depois que sua página no Facebook foi inundada com comentários de consumidores dizendo que não comprariam mais seus produtos porque a companhia à qual pertence, a Kellogg Co., colocou mais de US$ 600 mil na luta contra o referendo.
Mas na semana passada, consumidores ainda estavam enchendo os sites da Horizon, que é propriedade da Dean Foods; J.M. Smucker Co., que tem vários produtos orgânicos, e Kashi com expressões de traição e desapontamento. "É inconcebível que vocês estejam financiando o esforço para derrubar a Proposta 37", disse um post.
"Os consumidores nem sempre estão cientes de que suas marcas orgânicas favoritas de fato pertencem a grandes multinacionais, e agora estão descobrindo que o valor a mais que pagavam para comprar esses produtos orgânicos está sendo gasto para lutar contra algo em que eles acreditam apaixonadamente", diz Mark Kastel, cofundador do Cornucopia Institute, um grupo de supervisão do setor orgânico e política agrária que vem acompanhando as contribuições na luta pelo referendo. "Eles se sentem enganados."
O protesto enfatiza a diferença entre as grandes marcas de orgânicos que puxaram o crescimento de dois dígitos no mercado de orgânicos e as pequenas empresas e produtores independentes que a maioria dos consumidores imaginam quando compram um pêssego ou um xampu orgânico - companhias como a Nature's Path, uma das maiores concorrentes da Kashi.
Embora produtos orgânicos certificados sejam proibidos por lei de conter ingredientes geneticamente modificados, as companhias de orgânicos em geral são a favor da lei da rotulagem, dizendo que os consumidores têm o direito de saber o que os produtos que compram contêm. O que não está dito é que isso também pode ser uma vantagem de marketing para as companhias de orgânicos, distinguindo seus produtos daqueles dos produtores convencionais.
As companhias parentes, entre elas a Kellogg, General Mills, Dean Foods, Smucker's e Coca-Cora, recusaram-se a falar sobre sua oposição à iniciativa de rotulagem, que será votada em novembro, encaminhando as perguntas a Kathy Fairbanks, porta-voz do "Não" na campanha da Proposta 37.
Na semana passada, a organização divulgou um estudo que tinha encomendado que estima que a iniciativa acrescentaria US$ 1,2 bilhão em custos para os agricultores e produtores de alimentos da Califórnia. Fairbanks disse que os altos custos poderiam acrescentar de US$ 350 a US$ 400 na conta de supermercado de uma família.
Além disso, diz ela, os oponentes acreditam que a rotulagem aumentaria o que eles chamam de preocupações infundadas com a segurança dos produtos geneticamente modificados.
A União Europeia exige este rótulo de biotecnologia desde 1997, e companhias costumam formular seus produtos para dizer que não contêm nenhum ingrediente geneticamente modificado e assim não precisar do rótulo. Além disso, David Byrne, ex-comissário europeu para saúde e proteção do consumidor, disse que não havia impacto sobre o custo dos produtos.
Mas durante mais de uma década nos Estados Unidos, a maior parte de alimentos processados como cereais, salgadinhos e molhos de salada continham ingredientes de plantas cujo DNA foi manipulado num laboratório. Os reguladores e muitos cientistas dizem que isso não representa nenhum perigo.
Os norte-americanos, entretanto, estão ficando muito mais conscientes do papel que a alimentação tem sobre sua saúde e bem estar, e consequentemente querem muito mais informação sobre o que comem, inclusive se o alimento contem ingredientes geneticamente modificados bem como sal e gordura trans. Até agora, os oponentes da Proposta 37 já comprometeram cerca de US$ 25 milhões para derrotá-la, com as maiores contribuições vindas da Monsanto (US$ 4,2 milhões) e DuPont (US$ 4 milhões), que fizeram grandes investimentos em plantações geneticamente modificadas.
Várias companhias de alimentação não estão longe. A PepsiCo, Nestlé, ConAgra Foods e Coca-Cola, que é dona das marcas de chás Odwalla e Honest Tea, colocaram, cada uma delas, mais de US$ 1 milhão da briga, enquanto a General Mills, que é dona de grandes nomes dos alimentos orgânicos como a Muir Glen e Cascadian Farm bem como novas empresas populares como Laerabar e Food Should Taste Good, gastou mais de US$ 900 mil.
"Nós acreditamos que as regulações de rotulagem devem ser estabelecidas em nível nacional, não Estado por Estado", disse a General Mills numa declaração em seu site.
Apoiadores da medida até agora juntaram apenas US$ 3,5 milhões de doadores como a Organic Valley, que deu US$ 50 mil, e Clif Bar e Amy's Kitchen, com US$ 100 mil cada.
A Whole Foods, meca do varejo do movimento de alimentos orgânicos e naturais, disse que apoiava a proposta da Califórnia, embora com algumas reservas em relação aos detalhes - e sem colocar mais dinheiro na iniciativa, de acordo com sua política, disse uma porta-voz.
A Nature's Path, uma empresa independente, colocou mais de US$ 600 mil para apoiar a iniciativa de referendo - muito embora seja uma companhia canadense. Cerca de 70% de suas vendas e a maior parte de sua produção acontece nos Estados Unidos, disse Arran Stephens, presidente da companhia, mas este não é o motivo pelo qual ela é uma das maiores apoiadoras da Proposta 37.
"Nós sabemos qual é o conteúdo de sal e o conteúdo nutricional nos alimentos, e os produtores têm de afirmar se há conservantes na comida", diz Stephens. "Mas no caso de organismos geneticamente modificados e sua existência ou não em um produto, nós não sabemos."
Ronnie Cummins, fundador e diretor nacional da Associação de Consumidores Orgânicos, que representa cerca de 850 mil membros, disse esperar que as companhias de alimentos e biotecnológicas que se opõem à medida gastem cerca de duas vezes mais o que já gastaram na época da eleição de 6 de novembro.
Entretanto, Cummins disse que espera que ela seja aprovada. Numa pesquisa com 800 eleitores californianos em julho realizada pela California Business Roundtable e Pepperdine University, 64,9% disseram que estavam inclinados a votar a favor da Proposição 37 com base no seu conhecimento da época.
"Quanto mais anúncios eles colocava, mais as pessoas são lembradas de que já estão comendo alimentos com ingredientes transgênicos", disse ele.
Especialistas em marcas disseram que as companhias também arriscam manchar suas próprias marcas que trabalharam duro para separar das empresas convencionais, se é que conseguiram ao manter o nome de suas donas nas letras microscópicas enterrado em algum lugar num site.
"Num mundo em que todos veem tudo, você não pode mais ter uma coisa separada da outra, você não pode ter um lado da companhia fazendo uma coisa e o outro fazendo outra coisa", disse Allen P. Adamson, diretor administrativo da Landor Associates. "As pessoas procurarão incoerências e as cobrarão de você."
A Associação de Comércio Orgânico apoia a rotulagem de produtos alimentícios que contêm ingredientes geneticamente modificados muito embora dois dos integrantes de seu conselho venham de companhias - a Dean Food e a Smucker's - que se opõem à medida para a votação na Califórnia.
Christine Bushway, diretora-executiva da associação, disse que a questão é bastante clara para a organização, uma vez que os organismos geneticamente modificados estão banidos dos alimentos orgânicos. "Nossa questão sempre foi, se as companhias não sentem que os OMGs são um problema para os consumidores, qual é a preocupação em relação a colocarem-nos no rótulo?", disse Bushway.
Ela disse que como associação comercial, a organização normalmente não coloca dinheiro em campanhas.
A Just Labet It, uma organização que lutou pelo rótulo de produtos geneticamente modificados desde 2011, chegou para apoiar a medida - mas também não colocará dinheiro na luta. Gary Hirshberg, presidente da campanha e também presidente da Stonyfield Farm, a marca de laticínios orgânicos agora de propriedade da Dannon, disse que sua organização já havia usado a maior parte de seus recursos quando a iniciativa da Califórnia começou a caminhar.
"Para ser franco com você, eu entendo exatamente o que eles estão tentando alcançar, e apoio seu objetivo, mas não acredito que a longo prazo possamos resolver um problema como este num nível estadual", disse Hirshberg. "Mesmo que a Califórnia tenha sucesso, e esperamos que tenha, ainda há uma questão de política nacional diante de nós."
Outros dizem que o motivo pelo qual as companhias de alimento e biotecnologia estão investindo pesadamente para lutar contra a medida de votação na Califórnia é porque este mercado é tão grande que efetivamente faria com que elas adotassem os rótulos ou reformulassem seus produtos em todo o país. "É por isso que eles estão resistindo tanto", disse Kastel.
Tradutor: Eloise De Vylder
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