Cultura da concertação tem níveis distintos na América Latina
Encontro Ibero-americano de Conselhos Econômicos e Sociais deixa evidente diferentes graus de desenvolvimento do diálogo social no continente, embora haja dúvidas comuns como a constituição jurídica, o financiamento, e, principalmente, sobre a maneira de fazer com que a cultura da concertação crie raízes em cada país. A reportagem é de Naira Hofmeister e Guilherme Kolling, direto de Madri.
Naira Hofmeister e Guilherme Kolling - Madri
Madri - O discurso está afinado e ninguém ousa proferi-lo de maneira distinta: o grande trunfo que guarda um conselho de desenvolvimento econômico e social é a concertação, a possibilidade de sugerir aos executivos uma decisão consensuada entre setores da sociedade civil cujas opiniões são divergentes.
O problema é que entre a teoria e a prática há um intervalo que pode variar de tamanho, dependendo da cultura política que haja em cada país. Foi o que evidenciou a oficina sobre cooperação internacional que encerrou o 2º Encontro Ibero-americano de Conselhos Econômicos e Sociais em Madri, na Espanha, nesta quarta-feira.
“Todos aqui sabemos que o objetivo é o consenso, mas nem sempre se consegue convencer a uns e outros a colocar os interesses setoriais depois do bem comum”, ponderou a presidente do colegiado hondurenho, María Antonieta Guillen de Bográn, que também exerce o cargo de vice-presidente da República.
É uma queixa recorrente, tanto que a orientação sobre como chegar a este nível de entendimento é uma das principais demandas na área da cooperação da Fundação Internacional e para Ibero-América de Administração e Políticas Públicas (FIIAPP), que promoveu a oficina.
Mas não existe uma solução que possa ser aplicada a todos os casos, conforme explicou Ignacio Soleto, um dos coordenadores do Programa para a Coesão Social na América Latina, um dos braços da FIIAPP. “A dúvida é justificada, mas eu devolveria a pergunta: o que a cooperação internacional pode fazer para melhorar isso?”, provocou.
Talvez a resposta esteja na própria experiência dos conselhos latino-americanos: a força para conseguir posições comuns em temas polêmicos é diretamente proporcional à importância que o Poder Executivo confere aos órgãos de assessoramento. Pelo menos é o que pode se concluir a partir dos depoimentos dos participantes.
A começar por Honduras, onde a retomada do funcionamento do Conselho Econômico e Social se deu depois da crise política gerada pela destituição do ex-presidente Manuel Zelaya em 2009. O colegiado já existia desde 2001, entretanto, foi desconstituído após a ruptura do governo e retomado agora, sob o novo Executivo eleito em 2010.
A presidência é designada de forma rotativa entre empresários, trabalhadores e setor público, entretanto, a atual comandante do órgão - vice-presidente da República -, indica que o Estado se fez mais presente nessa nova fase. “Agora nos toca dirigir o Conselho, mas mesmo quando os empresários assumirem, no final do ano, seguirei indo a todas as reuniões”, promete María Antonieta Guillen de Bográn. “Talvez o governo anterior não desse o suporte técnico necessário e não assumisse o compromisso com o colegiado.”
É justamente o que falta na República Dominicana, onde o Conselhão foi capaz de, depois de duas semanas de intenso debate, chegar a um denominador comum sobre o orçamento para o ano de 2013: uma distribuição de recursos que agradava a todos os integrantes da mesa, que propunha um aumento de 23% nos investimentos mesmo sem aumentar os impostos.
“Infelizmente o presidente não nos deu atenção e enviou um projeto ao Congresso que atende aos interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI) de elevar os tributos no país. Agora estamos nos preparando para enfrentar várias greves e manifestações”, lamentou o presidente do Conselhão dominicano, Agripino Núñez Collado.
Ao menos, se consola, houve uma popularização do órgão, já que a imprensa cobriu intensamente o debate. Em El Salvador, a situação é ainda pior: o conselho foi suspenso depois que os empresários deixaram a mesa de negociação com posições irredutíveis sobre os temas da economia nacional.
Estreante, Guatemala busca ter órgão mais representativo
Na Guatemala a preocupação é “reduzir as assimetrias” do Conselho Econômico e Social, conforme explicou seu presidente, Gustavo Porras. O órgão é jovem, foi criado neste ano e chancelado pelo Congresso. Tem orçamento garantido por lei e todos os integrantes são da sociedade civil.
O secretário-técnico do colegiado, Bernardo López, observa que o país seguiu o modelo europeu: um terço das cadeiras para empresários, outro para cooperativas e a terceira parte para sindicatos. Entretanto, ainda não representam a todos os segmentos da sociedade. “Claro que esses setores se subdividem, dando assentos a agricultores, trabalhadores da indústria, do comércio... Mas ainda precisamos avançar na representatividade, para incluir as diversas tribos indígenas”, aponta López. Apesar de recente, o conselho da Guatemala já deu contribuições ao governo no Programa de Geração de Emprego e no Plano Geral de Desenvolvimento do país.
É também o caso do Panamá. Lá, o conselho foi criado em 2006 e teve uma importante participação na elaboração do Plano Estratégico 2007-2025. “Em uma sociedade moderna, democracia não é só votar a cada quatro anos, mas também participar nos debates do país, como é o nosso caso”, sustenta o secretário-executivo do Conselho da Concertação Nacional para o Desenvolvimento do Panamá, Jaime de La Guardia.
A constituição jurídica também é uma preocupação constante dos conselheiros, já que os especialistas apontam que é fundamental que o órgão de consulta social seja um ente de Estado e não de um ou outro governo. “Todos os países manifestaram também dúvidas sobre a forma de financiamento mais adequada”, complementa o presidente da FIIAPP, Javier Quintana Navío, que se compromete a prestar assessoria para todos os conselhos que enviarem suas demandas antes do dia 15 de novembro para a entidade, que tem prazo até o final do mês para solicitar recursos junto à União Europeia.
Organizações mexicanas exigem Conselho Nacional
A iminente posse do novo presidente do México, Enrique Peña Nieto, é a oportunidade que organizações da sociedade civil queriam para pressionar pela criação de um conselho nacional econômico e social.
“Seria fundamental sobretudo para trazer uma visão mais ampla ao debate da segurança nacional, que atualmente é dominado pela ótica militar. A confrontação armada não é suficiente para resgatar o tecido social”, analisa o presidente do conselho da Cidade do México, Juan de Dios Barba Nava.
A necessidade de constituição de um órgão federal é consenso entre os seis colegiados regionais que existem neste país e ganhou força depois que o presidente eleito admitiu a criação de um conselho consultivo que atuaria na área econômica.
Foi a deixa para que as entidades manifestassem a importância de que o novo organismo de assessoramento incorporasse também a discussão social do país. “Seria a oportunidade de consultar setores que tradicionalmente não são ouvidos como acadêmicos e trabalhadores”, defende.
O problema é que entre a teoria e a prática há um intervalo que pode variar de tamanho, dependendo da cultura política que haja em cada país. Foi o que evidenciou a oficina sobre cooperação internacional que encerrou o 2º Encontro Ibero-americano de Conselhos Econômicos e Sociais em Madri, na Espanha, nesta quarta-feira.
“Todos aqui sabemos que o objetivo é o consenso, mas nem sempre se consegue convencer a uns e outros a colocar os interesses setoriais depois do bem comum”, ponderou a presidente do colegiado hondurenho, María Antonieta Guillen de Bográn, que também exerce o cargo de vice-presidente da República.
É uma queixa recorrente, tanto que a orientação sobre como chegar a este nível de entendimento é uma das principais demandas na área da cooperação da Fundação Internacional e para Ibero-América de Administração e Políticas Públicas (FIIAPP), que promoveu a oficina.
Mas não existe uma solução que possa ser aplicada a todos os casos, conforme explicou Ignacio Soleto, um dos coordenadores do Programa para a Coesão Social na América Latina, um dos braços da FIIAPP. “A dúvida é justificada, mas eu devolveria a pergunta: o que a cooperação internacional pode fazer para melhorar isso?”, provocou.
Talvez a resposta esteja na própria experiência dos conselhos latino-americanos: a força para conseguir posições comuns em temas polêmicos é diretamente proporcional à importância que o Poder Executivo confere aos órgãos de assessoramento. Pelo menos é o que pode se concluir a partir dos depoimentos dos participantes.
A começar por Honduras, onde a retomada do funcionamento do Conselho Econômico e Social se deu depois da crise política gerada pela destituição do ex-presidente Manuel Zelaya em 2009. O colegiado já existia desde 2001, entretanto, foi desconstituído após a ruptura do governo e retomado agora, sob o novo Executivo eleito em 2010.
A presidência é designada de forma rotativa entre empresários, trabalhadores e setor público, entretanto, a atual comandante do órgão - vice-presidente da República -, indica que o Estado se fez mais presente nessa nova fase. “Agora nos toca dirigir o Conselho, mas mesmo quando os empresários assumirem, no final do ano, seguirei indo a todas as reuniões”, promete María Antonieta Guillen de Bográn. “Talvez o governo anterior não desse o suporte técnico necessário e não assumisse o compromisso com o colegiado.”
É justamente o que falta na República Dominicana, onde o Conselhão foi capaz de, depois de duas semanas de intenso debate, chegar a um denominador comum sobre o orçamento para o ano de 2013: uma distribuição de recursos que agradava a todos os integrantes da mesa, que propunha um aumento de 23% nos investimentos mesmo sem aumentar os impostos.
“Infelizmente o presidente não nos deu atenção e enviou um projeto ao Congresso que atende aos interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI) de elevar os tributos no país. Agora estamos nos preparando para enfrentar várias greves e manifestações”, lamentou o presidente do Conselhão dominicano, Agripino Núñez Collado.
Ao menos, se consola, houve uma popularização do órgão, já que a imprensa cobriu intensamente o debate. Em El Salvador, a situação é ainda pior: o conselho foi suspenso depois que os empresários deixaram a mesa de negociação com posições irredutíveis sobre os temas da economia nacional.
Estreante, Guatemala busca ter órgão mais representativo
Na Guatemala a preocupação é “reduzir as assimetrias” do Conselho Econômico e Social, conforme explicou seu presidente, Gustavo Porras. O órgão é jovem, foi criado neste ano e chancelado pelo Congresso. Tem orçamento garantido por lei e todos os integrantes são da sociedade civil.
O secretário-técnico do colegiado, Bernardo López, observa que o país seguiu o modelo europeu: um terço das cadeiras para empresários, outro para cooperativas e a terceira parte para sindicatos. Entretanto, ainda não representam a todos os segmentos da sociedade. “Claro que esses setores se subdividem, dando assentos a agricultores, trabalhadores da indústria, do comércio... Mas ainda precisamos avançar na representatividade, para incluir as diversas tribos indígenas”, aponta López. Apesar de recente, o conselho da Guatemala já deu contribuições ao governo no Programa de Geração de Emprego e no Plano Geral de Desenvolvimento do país.
É também o caso do Panamá. Lá, o conselho foi criado em 2006 e teve uma importante participação na elaboração do Plano Estratégico 2007-2025. “Em uma sociedade moderna, democracia não é só votar a cada quatro anos, mas também participar nos debates do país, como é o nosso caso”, sustenta o secretário-executivo do Conselho da Concertação Nacional para o Desenvolvimento do Panamá, Jaime de La Guardia.
A constituição jurídica também é uma preocupação constante dos conselheiros, já que os especialistas apontam que é fundamental que o órgão de consulta social seja um ente de Estado e não de um ou outro governo. “Todos os países manifestaram também dúvidas sobre a forma de financiamento mais adequada”, complementa o presidente da FIIAPP, Javier Quintana Navío, que se compromete a prestar assessoria para todos os conselhos que enviarem suas demandas antes do dia 15 de novembro para a entidade, que tem prazo até o final do mês para solicitar recursos junto à União Europeia.
Organizações mexicanas exigem Conselho Nacional
A iminente posse do novo presidente do México, Enrique Peña Nieto, é a oportunidade que organizações da sociedade civil queriam para pressionar pela criação de um conselho nacional econômico e social.
“Seria fundamental sobretudo para trazer uma visão mais ampla ao debate da segurança nacional, que atualmente é dominado pela ótica militar. A confrontação armada não é suficiente para resgatar o tecido social”, analisa o presidente do conselho da Cidade do México, Juan de Dios Barba Nava.
A necessidade de constituição de um órgão federal é consenso entre os seis colegiados regionais que existem neste país e ganhou força depois que o presidente eleito admitiu a criação de um conselho consultivo que atuaria na área econômica.
Foi a deixa para que as entidades manifestassem a importância de que o novo organismo de assessoramento incorporasse também a discussão social do país. “Seria a oportunidade de consultar setores que tradicionalmente não são ouvidos como acadêmicos e trabalhadores”, defende.
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