quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Crise e "lentidão" de Hollande colocam governo socialista sob pressão na França


Quase seis meses depois de ter assumido a chefia do Estado, o socialista François Hollande acumula índices históricos de desconfiança e impopularidade. Hollande está numa encruzilhada perigosa. Os ataques do patronato local se tornam mais severos, o governo recuou em várias de suas promessas de campanha e os aliados socialdemocratas da Europa pressionam pela aplicação de reformas estruturais. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.

Paris - O socialista François Hollande chegou à presidência da República em maio deste ano com uma metodologia desconcertante que se prolonga em sua forma de governar. Quase seis meses depois de ter assumido a chefia do Estado, Hollande acumula índices históricos de desconfiança e impopularidade. Com apenas 36% de opiniões favoráveis, o chefe de Estado francês quase supera o precedente histórico detectado pelo ex-presidente conservador Jacques Chirac, em 1995 (37%). O Primeiro Ministro Jean-Mar Ayrault ganhou a mesma medalha de impopularidade. 

François Hollande está numa perigosa encruzilhada. A crise persiste mas o presidente dá a impressão de que o marasmo não ameaça a estabilidade do país. Ao mesmo tempo, os ataques do patronato local se tornam mais severos, o governo deu marcha ré em várias de suas promessas de campanha e os aliados socialdemocratas da Europa intimam o mandatário a aplicar o mais rapidamente possível as reformas estruturais, a fim de evitar que os mercados voltem à carga.

François Hollande, no entanto, preside com uma fleuma digna dos britânicos. O país atravessa a crise mais séria dos últimos 50 anos, o desemprego supera os três milhões de pessoas, a cada mês aumenta o número de pessoas desempregadas e as perspectivas futuras são sombrias. Hollande não se move, parece acreditar realmente em sua “boa estrela”. O jornal Le Monde publica em sua última edição um encontro com o presidente francês cujo relato dá a ver um homem calmo, que assegura não ter subestimado a potência da crise e, além disso, que defende uma metodologia. A dúvida, no entanto, persiste. 

A edição do Le Monde na qual aparece o relato tem nas suas cinco colunas um título mais do que explícito: “François Hollande subestimou a crise?”. Não, diz o presidente, ao contrário. Mas a desconfiança ou a incerteza se instalou entre o presidente e a população. Fiel a sua mitologia, Hollande, à diferença de Nicolas Sarkozy, não corre para todos os canais de televisão para apagar o incêndio das pesquisas de opinião com promessas vãs ou intervenções armadas por consultorias de comunicação. Apesar disso, até seus mais fieis partidários criticam sua quase ausência, sua falta de densidade, sua lentidão. Hollande responde: “há que se ter o tempo para decidir. Uma vez que se decida, já está feito (...). Assumo o meu método”.

O momento é grave. O governo trabalha em condições extremas e com obrigações inconciliáveis com a mensagem do candidato Hollande. A primeira delas é reduzir o déficit público a todo custo. Hollande emite no entanto sinais claros de que a ação virá, e que não será fácil. Em vez de reformas ou de políticas de choque fiscal, Hollande fala em “mutação”. O presidente sustenta que é melhor que seja “a esquerda que leve a cabo essa mutação e que o faça por meio da negociação, com justiça, sem ferir os mais frágeis ou sem desconsiderá-los”. 

A metodologia do chefe de Estado não basta, contudo, para refazer o laço rompido com os eleitores, nem para apaziguar uma sociedade que ainda não tomou plena consciência da gravidade e da crise e, por conseguinte, tem medo. Hollande repete aos jornalistas que “já estamos no terceiro ano de crise, a reativação chegará, é uma questão de ciclo”. O presidente joga com a delicada arte do consenso em tabuleiros antagônicos. À sua esquerda diz: “se deixamos os mercados sós, podemos temer pela duração da crise por muito mais tempo”. Simultaneamente, o chefe de Estado se dirige a esses “mercados” para tranquiliza-los. 

Há uns dias, Hollande organizou um encontro em Paris com os símbolos do liberalismo institucionalizado: Ángel Gurría, secretário geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): Christine Lagarde, diretora geral do Fundo Monetário Internacional (FMI): Guy Rider, membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT): Jim Yong Kim, do Banco Mundial e o socialista socialista Pascal Lamy, diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC). Hollande lhes prometeu medidas a favor da competitividade. 

Às decepções eleitorais se somaram o motim do patronato francês. O agrupamento que os reúne, o MEDEF, sacou os canhões de proa para disparar contra um Executivo debilitado tanto pela crise, por suas numerosas gafes, como pelas contradições acumuladas. Cerca de cem representantes das mais importantes empresas francesas fizeram circular um manifesto no qual propuseram a Hollande um “pacto pela competitividade, pelo trabalho e pela inovação”. 

Em resumo, os patrões querem desregulação, ou seja, ganhar mais dinheiro e pagar menos encargos sociais. Esta casta de Executivos exige um corte do gasto público de algo em torno de 60 bilhões de euros em cinco anos e uma generosa baixa nos custos trabalhistas que repassam ao Estado. Em troca, propõem um aumento do IVA – o que é destruidor para as classes médias —, mudanças nas gestões de suas companhias e a ideia de que os acionistas votem os seus níveis de remunerações. 

O manifesto dos executivos tomou de surpresa os socialistas, mas não abalou o chefe de estado. O presidente francês não parece escapar do bumerangue de seu próprio discurso e do estilo que imprimiu ao seu mandato. Seu apaziguamento, seu equilíbrio, valeram-lhe a simpatia dos franceses durante a campanha eleitoral de abri e maio passados. À frente estava o mega veloz e resplandecente Nicolas Sarkozy. A receita do contraponto deu resultado. 

Agora, com a tormenta da crise em cada porta, essa passividade se tornou um dado negativo. Sarkozy pagou por sua rapidez. Hollande agora paga por sua lentidão. 

Tradução: Katarina Peixoto

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